Época de 1990/1991. O Sporting era o de Marinho Peres, o antigo zagueiro do Brasil e do Barcelona, ele que tinha a seu lado, sentado no banco, Sousa Cintra, o presidente dos leões – como hoje se senta Bruno de Carvalho, e como Pinto da Costa se havia sentado, antes deles, nas Antas. Marinho não durou muito tempo como treinador do Sporting, ficou em terceiro lugar na Liga desse ano, não terminaria a temporada seguinte, mas teve, no começo da década, um plantel de fina flor: Luisinho, na defesa, experiente e mandão, como por muitos anos não houve quem mandasse assim na defesa em Alvalade; Oceano a oferecer “músculo” ao meio-campo, Douglas, Krasimir Balakov e Figo — com somente 18 anos e cabeleira de estrela rock –, a oferecer-lhe técnica; na área, Fernando Gomes, o Bibota, que penduraria as botas no final da época, com 29 golos.

O que desse Sporting se guarda, mais do que a memória dos craques no relvado, é um recorde que não mais foi batido — nem no que faltava jogar daquele século, nem neste, de hoje. Nunca como então o Sporting iniciou uma temporada oficial com quatro vitórias. Mas o novo leão de Jorge Jesus já conta com três: contra o Benfica, na Supertaça, contra um “incómodo” Tondela, em Aveiro, e contra o CSKA, no playoff de acesso à Liga dos Campeões. O jogo desta tarde, em casa, com o Paços de Ferreira, podia torná-lo, ao Sporting de Jesus, no melhor deste século. Mais: se vencesse, e pelo menos temporariamente (o Porto joga mais tarde, às 20h45), seria líder isolado do campeonato.

Mas o Paços de Ferreira também tinha razões de sobra para querer vencer o jogo de hoje. Desde logo, nas últimas cinco visitas ao José Alvalade, os castores perderam dois jogos, venceram outros tantos e empataram um. Nada mal. Depois, a verdade é que nunca o Paços de Ferreira venceu dois jogos consecutivos no começo do campeonato. Na primeira jornada, tombou a Académica em casa, na Mata Real, e procurava agora, em casa alheia, tombar o Sporting, tombar-lhe o recorde do século, e fazer por erguer o seu.

Sporting: Rui Patrício; João Pereira, Paulo Oliveira, Naldo e Jefferson; Aquilani, João Mário, Bryan Ruiz e Carrillo; Montero e Slimani.
Paços de Ferreira: Marafona; João Góis, Marco Baixinho, Fábio Cardoso e Hélder Lopes; Pelé, Christian e Andrezinho; Edson, Roniel e Cícero.

E veio mesmo com vontade de fazer uma gracinha, a equipa de Jorge Simão. O Paços entrou sem temores, e, um pouco à semelhança do que foram os castores de Paulo Fonseca, sabe o que fazer com a bola, quer a atacar, quer na hora de se organizar na defesa. E foi desde a defesa que saíam a jogar, pelas alas, dois laterais que são duas setas, João Góis, à direita, vindo do Chaves, e Hélder Lopes, à esquerda, o capitão que é dono de uma belíssima canhota. O meio-campo defensivo era de Pelé, emprestado pelo Benfica, que tentava, pelo posicionamento ou pela força, cortar espaços e cortar bolas. Mais adiante, a sair desde a linha, mas sempre a procurar zonas interiores do ataque, dois extremos: o veloz Edson (João Pereira ainda estaria meio “zonzo” com a velocidade de Ahmed Musa, que o atazanou na quarta-feira à noite, e logo teve que “tomar” de frente com outro um sprinter) e o menos veloz, contudo mais dotado de técnica, Roniel, emprestado pelo Futebol Clube do Porto.

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O Sporting deixou o capitão Adrien Silva no banco, entrou Aquilani para o seu lugar, e não foi por aí que os leões ficaram a perder, pois o posicionamento do italiano é irrepreensível, e com a bola nos pés empresta uma visão de jogo ao futebol do Sporting que Alvalade gostava e aplaudiu. Mais adiante, Teó Gutiérrez também descansou para a segunda mão do playoff com o CSKA, e entrou na sua vez um outro cafetero, Fredy Montero, para jogar na frente com Slimani — uma dupla que se conhece bem, e que tantas vezes se coordenou no ataque, quer com Marco Silva, quer, anteriormente, com Leonardo Jardim, nem sempre de inicio como hoje, é verdade, mas sempre que o jogo estava emperrado e era preciso vencê-lo.

Os verde e brancos começaram o encontro em ritmo lento, talvez com as pernas a pesar do jogo esforçado de terça-feira, ou talvez a pensar no próximo, de novo contra os russos. Jesus é que não gostava da quantidade de passes falhados a meio-campo, da baixa velocidade nas transições desde a defesa, e, logo nos primeiros minutos, gritou lá para dentro, esbracejou e esbracejou de novo, vigorosamente, mas ninguém o ouvia, até que chamou João Mário à linha e lhe disse das boas. E resultou a reprimenda. Aos 14′ o Sporting remata à baliza, e Aquilani quase fez um golo “monumental”. O italiano, ele próprio, começa a jogada, desmarca Slimani, na esquerda e nas costas dos centrais, o argelino devolve a “amabilidade” com um passe para trás, para a entrada da área, para onde ia chegando Aquilani. O médio que veio da Fiorentina recebeu, olhou para a baliza, viu que tinha demasiadas camisolas amarelas por diante, não quis rematar logo dali, em força, mas fê-lo em jeito, “picando” a bola por cima do guarda-redes. Falhou por pouco.

O Sporting demorou a carburar, mas, com a correr dos minutos e das chuteiras, foi melhorando o seu futebol. Aos 30′, Jefferson, só com Góis pela frente, na esquerda, ultrapassa-o em velocidade, tem tempo para tudo, cruza com conta, peso e medida, a bola chega a Aquilani, mas o italiano não consegue rematar. A bola, na confusão, no jogo do empurra, sobra para Bryan Ruiz, que, sozinho na área, descaído sobre a esquerda, e com a canhota apontada à baliza, só não faz golo porque Marco Baixinho, o central, se fez um gigante, e cortou o remate, deslizando sobre a relva, para fora.

O Paços de Ferreira só respondeu com perigo aos 35′. Foi Edson, o brasileiro que é futebolista mas pouco ou nada fica a dever aos velocistas do atletismo, escapou a João Pereira da esquerda para dentro, escapou a Aquilani, que veio em seu auxílio, e quando Naldo chegou para arrumar com o assunto, Edson remata, o remate desvia no brasileiro do Sporting, e passa perto, bem perto, do poste esquerdo da baliza de Patrício.

Quem também ia surgindo no jogo, a pouco e pouco, com uma arrancada aqui, outra acolá, um malabarismo, mais um, dois, era André Carrillo. E tanto foi surgindo, que fez um golo, aos 41′. A jogada já foi ao gosto de Jorge Jesus, rápida, com acerto na transição e a baliza em mira. João Mário, que na hora de atacar deixa o centro meio-campo todo por conta de Aquilani e se encosta à esquerda, combinou bem com Jefferson, recebeu a bola na frente, e deixou-a para Ruiz, na área, que se desmarcou por entre os centrais do Paços de Ferreira. O costa-riquenho centrou-a, rasteirinha, para o poste mais distante, o direito, onde surgiu Carrillo a rematar, com o exterior da bota, em trivela, para o 1-0. E foi assim, com os leões na frente, que o jogo seguiu para intervalo.

Os verde e brancos, que demoraram a estabilizar o seu futebol no começo do jogo, e que só a custo de muitas assobiadelas, berros e “piruetas” de Jesus o conseguiram, começaram a segunda metade como terminaram a primeira: com mais bola e mais voltados para a baliza contrária. Mas até foi o Paços de Ferreia quem “assustou” primeiro o Sporting. Logo no recomeço, aos 48′, Roniel, que na primeira parte se fartou de correr, mas, tal como Edson, peca (e muito) na hora de decidir o que fazer à bola, recebe um passe de Pelé pela direita, em velocidade, corre lado a lado com Naldo, ganha-lhe a frente, e remata na passada, com a bola a cruzar a vista de Rui Patrício, a cruzar o poste contrário, mas a sair para fora.

Gelson Martins caiu no goto de Jorge Jesus. O “menino”, como o treinador lhe chama, apesar de agitar quase sempre o jogo, nunca teve mais do que 15 minutos para o fazer. Hoje teve. E entrou logo ao intervalo. Aos 50′, o extremo made in Alcochete, rececionou uma bola na frente da área, mas tinha Marco Baixinho — que mede mais dois palmos de altura do que o “baixinho” de Alvalade — em cima, na marcação. Gelson não se atemorizou, pisou a bola, puxou-a atrás, e de novo voltou com ela para a frente. No movimento, rápido, gingão, o central do Paços ficou-se pelo relvado, de candeias as avessas com os próprios pés, e Gelson, esse, ficou com a baliza “escancarada”. O remate, cruzado, saiu um pouco ao lado.

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A oportunidade seguinte de golo foi dos castores. Aos 57′, Edson vê em Cícero uma tabela, passa-lhe a bola, e o internacional guineense — que ganhou dezenas de bolas, de cabeça, aos centrais leoninos — devolve-a, de primeira, para Andrezinho, que se desmarcou nas costas de João Pereira e Paulo Oliveira. André, um catraio de 20 anos, nado e criado no Paços de Ferreira, com pinta de “10”, rematou, mas Patrício saiu rápido dos postes, e desviou-lhe a bola.

Bryan Ruiz quase fez o 2-0 aos 61′. Gelson Martins apanhou uma bola na área, de João Mário, foi à linha, não centrou logo, ergueu a cabeça, viu quem chegava, e chegou Ruiz. O cabeceamento do costa-riquenho, pressionado por Baixinho e Góis, ao segundo poste, saiu por cima. Não marcou o Sporting, marcou o Paços, de grande penalidade. Foi aos 78′. Barnes Osei, ganês, também ele, como Andrezinho, formado no Paços de Ferreira, centrou desde a direita, a bola cruzou a defesa, e quando Cícero se aproximou para tentar desviá-la, o árbitro, Manuel Oliveira, viu um empurrão de João Pereira nas costas do ponta-de-lança guineense, deitou o apito à boca, assinalou falta, e expulsou o lateral-direito do Sporting. Pelé bateu para a esquerda, Rui Patrício escolheu a direita da baliza, e fez o 1-1.

O Sporting foi atrás de virar o resultado, da vitória, às vezes com certeza, às vezes em esforço, e o Paços de Ferreira defendia como conseguia, todos os instantes lhe serviam para respirar, ganhar fôlego e ganhar tempo no cronómetro do árbitro portuense. Aos 88′, Jefferson centra para a área, Carrillo amortece de cabeça, e Gelson, na passada, meio acrobático, chuta de primeira com o pé direito, para uma defesa esforçada, no relvado, de Marafona, que desviou, junto ao poste, com a luva esquerda.

O jogo terminou pouco depois, com uma assobiadela e tanto dos adeptos sportinguistas. No relvado, Jorge Jesus e os futebolistas dos leões mostravam-se pouco satisfeitos com o penalti de João Pereira, que reclamavam não ter existido. O empate deixa as duas equipas no primeiro lugar, provisoriamente, com quatro pontos. Quarta-feira, o Sporting vai a Moscovo, ao Arena Khimki, defrontar o CSKA, no jogo mais importante da temporada, e com muitos milhões em disputa. No regresso à Liga, viaja até Coimbra, no domingo, para defrontar a Académica, enquanto o Paços de Ferreira recebe, na Mata Real, o Arouca. O recorde que o Sporting procurava hoje, não caiu no relvado de Alvalade. Caiu Cícero, esse sim, e o Paços (que também não levou um recorde de volta a casa) empatou o jogo.