O Estádio Municipal de Aveiro, que nem o Beira-Mar vê mais (o clube da terra, falido, moribundo, um clube que é terra de ninguém, desceu aos campeonatos amadores e vai regressar ao velhinho Estádio Mário Duarte; este Beira-Mar não luta por subidas, manutenções ou taças, como outrora, mas luta por sobreviver…) aos fins-de-semana no relvado, um estádio que custa milhares e milhares de euros, todas as temporadas, à autarquia de Aveiro, mas que, deslocalizado do centro da cidade e sem futebol de primeira a que se assista, é mais um “elefante branco” que nos ficou do Euro ’04 — como o são o Estádio do Algarve ou o Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria.

Curiosamente, teve, em duas semanas consecutivas, a casa repleta de adeptos, primeiro na receção do Tondela ao Sporting, e, este domingo, no Arouca-Benfica. A onda que foi verde, fez-se encarnada, e o Benfica, motivado pela goleada que conseguiu diante do Estoril, no Estádio da Luz, vinha a Aveiro com uma só intenção: vencer, para se distanciar dos rivais de Lisboa e do Porto, que haviam desperdiçado pontos nesta jornada. Em seis jogos, nunca o Arouca venceu o Benfica, e o melhor que conseguiu foi um empate, em 2013/2014, ainda Jorge Jesus era treinador das águias. O augúrio era bom para Rui Vitória, que venceu, goleou, mas não convenceu na ronda anterior.

Arouca: Bracalli; Jaílson, Velásquez, Hugo Basto e Lucas Lima; Nuno Coelho, Nuno Valente e David Simão; Ivo Rodrigues, Roberto e Artur.
Benfica: Júlio César; Nélson Semedo, Luisão, Lisandro López e Eliseu; Samaris, Pizzi, Ola John e Gaitán; Jonas e Mitroglou.

Priiiiiiiiii, apitou o árbitro Nuno Almeida para o começo, a bola vai para lá, volta para cá, os dois onzes circulam-na, estudam-se de parte a parte, e escuta-se de novo um Priiiiiiiiii do árbitro, vê-se-lhe o braço esquerdo no ar, estendido, apontando para o meio-campo: foi golo, do Arouca. E logo aos dois minutos, por Roberto, o ponta-de-lança que não é de fazer muitos golos (fez hoje o 19.º, em 79 jogos e quatro temporadas pelo Arouca), mas que é de trabalhar e muito. A jogada começou lá atrás, em Jailson, o lateral-direito dos arouquenses, que se aventurou pelo flanco, cruzou a bola, rente à relva, para o centro da grande área, recebe-a David Simão, qual pivô, de costas voltadas para a baliza, devolve-a para Roberto, desmarcado entre Luisão e Lisandro, que desvia para golo à saída de Júlio César. 1-0.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Benfica não foi surpreendido, em casa, pelo Estoril — num jogo que, até Mitroglou ter feito o 1-0, já na segunda parte, chegou a ser de “tremideira”, com assobiadelas e tudo –, mas foi-o hoje, surpreendido logo ao primeiro remate do Arouca. Os encarnados tentaram responder cedo à adversidade, organizavam-se desde a defensiva, subiram a linha mais recuada até meio-campo, pressionavam alto, a entrada de Samaris na vez de Fejsa tirou “músculo” ao miolo, mas deu-lhe maior capacidade para circular a bola, e Nico Gaitán, sempre ele, El Mago, na frente, tentava fazer chegar a bola a Jonas e Mitroglou.

Mas o Arouca tinha a lição bem estudada. O Belenenses de Lito Vidigal — que é hoje o treinador do Arouca, mas treinou os azuis do Restelo em 2014/2015 –, se se recordar, também assim se movimentava no relvado. A pressão não é intensa, não faz, Lito, por “sufocar” os adversários, deixa-os ter bola, e recua, tanto recua que o trinco do Arouca, Nuno Coelho, volta e meia se “colava”, hoje, aos centrais. O que o Arouca faz, isso sim, é “adormecer” o jogo, à italiana, deixou o Benfica recriar-se à vontade, lá longe, mas quando recuperava a bola de volta, a intenção era sempre a mesma: pô-la em David Simão, o “10”, que não é veloz de pernas, mas é-o de pensamento, e logo “arquitecta” um passe para os extremos, o baixinho Artur, daqueles que não se dão à marcação, que atazanam a vida ao lateral até mais não, e o outro, o “puto”, emprestado pelo Futebol Clube do Porto, Ivo Rodrigues, que tem “pinta” de craque – e pés de craque, diga-se. Os dois, Artur e Ivo, procuravam sempre Roberto, na área, e Roberto, por sua vez, procurava o golo. Aos nove minutos, de novo ele, Roberto, quase bisava no jogo. Artur desenvencilhou-se de Eliseu, na direita, meteu a bola entre o lateral do Benfica e o Lisandro López, Roberto escapou-se por entre os dois, e rematou, na passada, mas Júlio César, no chão, fez-se enorme, e a bola foi-lhe bater aos pés, desviando-se para longe.

Só aos 13′ o Benfica criou uma ocasião de golo pela primeira vez. Gaitán aproveitou um erro tremendo de Rafael Bracalli, o guarda-redes do Arouca, que, pressionado, quis livrar-se da bola, mas livrou-se mal, deu um chutão para a frente, esta subiu, subiu, e desceu, desceu, vinha torta, mas Nico Gaitán logo tratou de endireitá-la, matou-a, com classe, na canhota, e rematou sem teias nem peias para o poste mais distante, o direito, para o lugar onde e diz que dorme a coruja, e quase fez um golo de levantar o estádio, mas a bola saiu ligeiramente por cima da barra.

Aos 17′, o Benfica e o estádio — que era uma espécie de Luz, mas a norte — reclamaram por uma grande penalidade. O árbitro não viu razões para isso, mas a verdade é que Kostas Mitroglou caiu na área. Nélson Semedo sobe pela lateral, centra, com a bola colada à relva, para o ponta-de-lança grego, que, quando se aproxima para recebê-la, já dentro da área, e de costa voltadas para a baliza, caiu, com aparato, talvez tocado por Hugo Basto nas costas. Das duas uma: ou o árbitro marcava penalti, e amarelava o central do Arouca; ou não marcava, como não marcou, mas tem que mostrá-lo, o cartão da mesma cor, a Mitroglou, que reclamou para consigo, vigorosamente e com cara de poucos amigos, a falta.

Aos 20′, nova oportunidade de golo para o Benfica, e nova fífia da defensiva do Arouca. Não foi Bracalli desta vez, foi Lucas Lima, o lateral do flanco canhoto, que, sob pressão, despachou-se a bola como pôde, mas fê-lo mal, e o alívio foi parar a Jonas. O pistolas não se vez rogado com tal oferta, disparou logo dali, de pé esquerdo, à entrada da área, fulminou as luvas a Bracalli, deixou-lhe as mãos a arder, mas o brasileiro lá conseguiu desviar a bola para a esquerda, e ela foi ter, novamente, com Lucas, que desta vez não foi anjinho, e cortou-a para fora.

Júlio César e Roberto tinham contas por ajustar. À primeira levou o português a melhor, e fez o 1-0, à segunda defendeu o brasileiro, com classe e com os pés. Aos 22′, novo encontro, de novo com Júlio César a imperar, e de novo a defender com as botas. David Simão bate um canto desde a direita, tenso, ao primeiro poste, Roberto salta, ganha a Lisandro nas alturas, mas o remate de cabeça é azarado, faz uma carambola entre a testa e o ombro, só que, sorte das sortes, fica a bola a pular à sua frente, Roberto olha para a baliza, reposiciona-se, reclina o corpo, chuta de pé esquerdo, quase sem ângulo, já dentro da pequena área, mas Júlio César é mais rápido e defende o remate.

O jogo estava a ser rasgadinho, nem sempre bem disputado, com a bola a abeirar-se das balizas, o Benfica tinha mais posse desta, o Arouca atacava só pela certa, sem desproteger a defesa, e, aos 25′, Nélson Semedo — o miúdo a quem Rui Vitória “deu” a lateral direita, e que, no último jogo, com o Estoril, fez até com que os benfiquistas se esquecessem de Maxi Pereira por instantes — subiu como ele gosta, Samaris viu que Nélson ia por ali adiante, endossou-lhe a bola na direção área, ele recebeu-a lá dentro, ergueu a cabeça, não viu ninguém do Benfica, foi mais rápido a chegar que todos, mas também não viu ninguém do Arouca, e arriscou o remate, que saiu por cima.

Os últimos minutos da primeira parte, mesmo em cima do intervalo, revelar-se-iam penosos para o Arouca, que tanto recuou, que se viu incapaz de sair a jogar, e o Benfica quase empatou. Por duas vezes. Primeiro, aos 46′, Gaitán bate um canto desde a direita, Mitroglou salta sozinho, salta mais alto que todos, e remata, de cabeça, para golo. O grego só não contava com Jaílson, ao segundo poste, a fazer as vezes de Bracalli e a cortar a bola. Depois, desse alívio do lateral do Arouca, a bola retorna a Gaitán, na direita, o argentino desmarca Ola John na área, que remata, chega a gritar-se golo em Aveiro, mas o que o holandês agitou não foi o placar, mas as redes laterais da baliza. Intervalo em Aveiro com o Arouca na frente, mas encostado às cortas e a necessitar de recuperar o fôlego de tanta correria — o Estádio Municipal de Arouca está longe, bem longe de ter estas dimensões deste relvado, o que pesa, e muito!, nas pernas.

Os primeiro 15 minutos do recomeço demonstraram vontade do Benfica, afoiteza do Arouca, muitos quilómetros nas botas de parte a parte, mas pouca clarividência na hora de chutar à baliza. O primeiro chuto digno de registo, só surgiu aos 63′, pelo garoto Vítor Andrade, que agitou com o jogo na partida com o Estoril, e hoje voltou a reentrar na segunda parte com igual vontade. A bola andava para ali a pulular à frente da defesa do Arouca, ninguém sabia muito bem o que fazer com ela, mas Vítor soube, puxou do pé atrás, rematou mais em jeito do que em força, o remate ressaltou em Hugo Basto, fez um arco, e quase entrou no topo esquerdo da baliza de Bracalli. Saiu por cima a intenção de Vítor Andrade. Não chutavam os graúdos, chutava a garotada.

O Arouca vencia, Lito sentia que o Benfica, apesar de arriscar tudo — os encarnados terminaram o jogo com Gaitán, Mehdi Carcela, Vítor Andrade, Jonas, Mitroglou e Raúl Jiménez (o mais recente reforço) no onze –, não causava perigo de maior, e tentava controlar o jogo, fosse por via do cronómetro e do anti-jogo, fosse por via do futebol que se joga, e o Arouca sabe fazê-lo quando quer, circulando a bola. O tempo foi correndo, as pernas também, mas o Benfica só se aproximou do empate, já no prolongamento, aos 93′, por Jonas. O pistolas percebeu que Vítor Andrade ia cruzar, fez-se à área, fez à bola, pulou, cabeceou-a como ditam as leis, Bracalli estava completamente batido, mas viu o remate sair ligeiramente ao lado do seu poste direito. Último cartucho. Fim de jogo.

O Benfica perdeu, mas, curiosamente, até fez um melhor jogo — ainda que sem uma superioridade clara sobre o Arouca; ter posse de bola (mas sem ocasiões de golo) não dá, por si só, vitórias — do que contra o Estoril, no Estádio da Luz. O Arouca, que nunca tinha vencido o Benfica, é líder isolado da Liga NOS, com seis pontos, por via da vitória de hoje e do triunfo da semana anterior, na casa do Moreirense. Na próxima jornada, sábado, o Benfica recebe, nem de propósito, o Moreirense, e o Arouca vai, domingo, a Paços de Ferreira tentar segurar a surpreendente liderança. A jornada não foi boa para os grandes.