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Arriscar a vida e ser refugiada. Por curiosidade

Este artigo tem mais de 5 anos

Hyeonseo Lee não era pobre, não sentia fome, não sofria. Era da classe alta, mas, com 14 anos, descobriu que havia sofrimento na Coreia do Norte. Decidiu fugir do país. Porquê? Por curiosidade.

Hyeonseo Lee decidiu contar a sua história em livro, para o qual ainda não existe uma tradução em língua portuguesa
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Hyeonseo Lee decidiu contar a sua história em livro, para o qual ainda não existe uma tradução em língua portuguesa

Feng Li/Getty Images

Hyeonseo Lee decidiu contar a sua história em livro, para o qual ainda não existe uma tradução em língua portuguesa

Feng Li/Getty Images

Hyeonseo Lee não vivia mal. A família, mesmo não sendo rica, tinha posses, as suficientes para cada dia não ser sinónimo de uma batalha para colocar comida em cima da mesa. A vida era boa, não pensava em problemas e, na cabeça, tinha a ideia de estar no “melhor país do mundo”. Só aos 15 anos é que a vida lhe atirou com algo que a fez pensar o contrário — no dia em que a irmã da sua mãe enviou uma carta à família, dizendo que não comiam há dias e que tinham “os corpos no chão de casa, fracos, à espera da morte”. E mais: “Quando lerem isto, os cinco membros da nossa família já não existirão neste mundo.” A informação chocou-a, a tristeza devorou-a, a tragédia abriu-lhe os olhos. Estava a meio da década de 90 e, de repente, Hyeonseo começava a sair da bolha que a fazia olhar para o seu país como o melhor. Não deixou, contudo, de viver mal.

Mas passou a conhecer outra coisa: a curiosidade. Começou a puxar pela cabeça, a imaginar como seria lá fora, no resto do mundo, no resto onde, enquanto crescia, lhe ensinavam na escola que “a América, o Japão e a Coreia do Sul eram os inimigos” que todos deviam temer e odiar. A sua família não era pobre e Hyeonseo nunca soube o que era sentir fome faminta em vez da fome de apetite. Só aos 15 anos é que Hyeonseo soube que havia gente a sofrer na Coreia do Norte, na altura em que cerca de um milhão de pessoas morreu devido a uma vaga de fome no país. Nem aí passou a viver mal, mas queria aprender o que ninguém lhe ensinava — o que existia para lá das fronteiras do país. Por isso fugiu.

Arriscou, saiu de Hyesan e cruzou o rio que está mesmo ao lado da cidade, utilizado para demarcar a fronteira com a China. Tinha 14 anos. Partiu sozinha. O que não tinha de sofrimento compensava em curiosidade e foi assim que, do nada, se tornou refugiada num mundo onde, hoje, existem milhões que o fazem por fome, pobreza ou medo da guerra. Decidiu contar a experiência em livro, intitulado “A Rapariga dos Sete Nomes” (em tradução livre), e de como se evadiu da “forma mais fácil de viver na Coreia do Norte” — a ignorância. Foi viver para um país onde “os imigrantes norte-coreanos são considerados ilegais” e o medo de ser descoberta perseguia-a. A solução era esforçar-se para aprender mandarim, dominá-lo e falá-lo tão bem quanto um chinês.

Hyeonseo conseguiu-o, embora apenas se tenha apercebido quando, anos depois, foi detida pela polícia, na rua. Alguém a tinha acusado de ser norte-coreana. As autoridades levaram-na para interrogatório, perguntaram-lhe tudo e mais alguma coisa e testaram-lhe o mandarim, como contou, em 2013, numa palestra que deu para o ciclo de conferências da TED. “Estava tão assustada, achava que o meu coração ia explodir. Se alguma coisa parecesse estranha, podia ser presa e deportada. Achei que a minha vida ia acabar”, confessou, na altura. Hyeonseo Lee chegou depois a dizer que os 12 minutos em que discursou em palco “fizeram mais do que 10 anos de trabalho de organizações não-governamentais”. Foi a primeira desertora norte-coreana a contar a sua história sem o auxílio de um tradutor (falou em inglês).

Começou a aprendê-lo após uma década a viver na China, quando decidiu viajar para a Coreia do Sul. “Comecei outra vez uma nova vida. Foi muito mais desafiante do que estava à espera. Tive de aprender uma terceira língua e apercebi-me que existe um grande fosse entre o norte e o sul, apesar de sermos todos coreanos. Mas já eram 57 anos de divisão. Passei por uma crise de identidade. Quem era eu? Era da Coreia do Sul, ou do Norte?”, argumentou. Mas foi em Seoul, capital do país, que começou a reerguer-se. Conheceu um norte-americano, casou-se, ganhou uma preciosa ajuda na aprendizagem de inglês, inscreveu-se numa universidade e tudo parecia correr bem. Até ao dia em que atendeu o telefone e, do outro lado, lhe disseram que as autoridades norte-coreanas tinham intercetado dinheiro que Hyeonseo enviara à família. Agora, corriam o risco de serem enviados para um campo de trabalhos forçados, algures no país.

Assustou-se e tudo temeu. Conseguiu que a família cruzasse a fronteira e ajudou-a a percorrer milhares de quilómetros na China, até ao Laos. Pelo caminho gastou todo o dinheiro que tinha, sobretudo a pagar subornos às autoridades, em postos de controlo ou à polícia fronteiriça. Em Vientiane, capital do Laos, os membros da sua família foram detidos, acusados de serem imigrantes ilegais, mas Hyeonseo não tinha mais dinheiro. Até que alguém, que não identificou, lhe perguntou o que se passava e, do nada, se ofereceu para pagar o que era necessário para retirar os seus familiares da prisão. “Não estou a fazer isto por ti, estou a ajudar o povo da Coreia do Norte”, disse-lhe, naquele dia. Foi assim, resumidamente, que conseguiu, com 28 anos, voltar a viver com os familiares em Seoul, capital sul-coreana.

Hoje tem 35 anos, tornou-se numa ativista pelos direitos humanos dos refugiados e gostaria de, um dia, trabalhar com a ONU.

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