Depois de, há três dias, Catarina Martins ter defrontado o número dois da coligação Portugal à Frente, Paulo Portas, esta sexta-feira foi a vez de defrontar o número um, Pedro Passos Coelho, numa espécie de segunda volta para ver esclarecidas as dúvidas sobre o programa da coligação. O Bloco de Esquerda foi, de resto, o único partido que aceitou debater com os dois e isso não passou despercebido ao primeiro-ministro e presidente do PSD – “deixe-me desde já elogiá-la por, ao contrário dos outros partidos, ter aceitado debater com todos”, disse.

Da venda do Novo Banco à sustentabilidade da Segurança Social, passando pela Grécia e pela reestruturação (ou não) da dívida pública, o duelo foi menos aceso do que anterior, mas incisivo. Desta vez, a porta-voz bloquista não se deixou encostar às cordas no capítulo ‘Grécia’ e levou perguntas prontas, à procura dos números da coligação.

De resto, cada um com a sua. A proposta do PSD/CDS de plafonamento da Segurança Social foi o dossiê que mais tempo esteve em cima da mesa, com a líder bloquista a querer a todo custo ver esclarecida a questão sobre como se vai chegar à poupança de 600 milhões de euros. Passos detalhou o modelo mas admitiu que o plafonamento não resolve o problema na totalidade, por dizer apenas respeito aos novos contratos – “terá pouca expressão” – e que é preciso encontrar novas formas de financiamento. Para isso, Passos conta com o PS. “Fiquei convencido depois do debate com António Costa que podemos contar com o PS para isso”, disse.
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Passos Coelho:

Afinal, o Governo tem pressa ou não tem [para vender Novo Banco]? Na comunicação social já li as duas versões. É fácil ser preso por ter e por não ter. Nós não temos pressa nenhuma e reafirmo a confiança que tenho no governador para conduzir o processo”.

“Não é por repetir mais vezes que haverá custos para os contribuintes que haverá. Não há impacto direto para os contribuintes porque o BES não foi nacionalizado. E nós é que nos recusámos a nacionalizar o BES”.

“[O plafonamento da Segurança Social] não resolve o problema todo da Segurança Social. Porque isto só funcionará para os novos contratos que se iniciem, e essa é uma expressão relativamente pequena”.

Catarina Martins:

“Carlos Costa oportunamente tirou do período de campanha eleitoral este peso ao Governo [da venda do Novo Banco].

“Em 2010 o dr. Pedro Passos Coelho reconhecia que o sistema da Segurança Social criava um buraco e que era preciso emitir dívida pública para tapar este buraco. Então qual é o tamanho do buraco? E como se vai pagar?”

“Agora precisávamos que dissesse alguns números porque é muito difícil de perceber ao que vêm se continuar a esconder os números“. (sobre Segurança Social)

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O momento mais quente do debate terá sido a discussão sobre a Segurança Social, mais concretamente, sobre o modelo de financiamento e de plafonamento que está previsto no programa da coligação. A questão foi precisamente levantada pela porta-voz bloquista, que se sobrepôs ao jornalista nessa tarefa, e dominou largos minutos da discussão. Catarina Martins levou inclusive um livro assinado por Passos Coelho em 2010, onde dizia que era preciso “emitir dívida pública” para tapar o buraco nas contas da Segurança Social, e fez a pergunta diretamente, em jeito de segunda tentativa:

Se o modelo de plafonamento da Segurança Social implica que quem ganha mais vai preferir pôr as suas pensões em fundos privados e, logo, descontar menos para o Estado, então isso vai criar um buraco na Segurança Social. Como vai ser pago?

Passos respondeu, explicando ao pormenor (e mais detalhadamente do que tinha feito no debate frente a António Costa) que o plafonamento “significa fixar um limite, elevado, a partir do qual o Estado não se responsabiliza pelo pagamento de pensões [por serem muito altas]”, deixando aberta a possibilidade de alguns contribuintes preferirem descontar para fundos de pensões privados, para receberem daí a sua pensão, mas obrigando a descontar sempre um ‘x’ para assegurar as pensões do Estado. Mas admitiu duas coisas:

  • …que o plafonamento “não resolve o problema todo da Segurança Social” porque só funcionará para os contratos futuros, e isso, disse,mé uma “expressão relativamente pequena”.
  • …e que “é preciso encontrar novas formas de financiamento da Segurança Social” para cobrir os 600 milhões em falta. E para isso admitiu entendimento com o PS já que, no seu programa, os socialistas apresentam e contabilizam várias formas alternativas de financiar a Segurança Social. Passos disse mesmo que tinha ficado “convencido”, no debate com António Costa, que esse entendimento era possível.

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O Novo Banco, a Grécia, o problema da dívida pública e uma pequena confissão de Passos: ao contrário dos restantes candidatos, Passos foi o único que ainda não respondeu ao pedido de entrevista da RTP, feito em junho, mas garante que está a “ponderar” e que a resposta chegará, mais tarde ou mais cedo. É que, disse, “não deve haver uma grande desmultiplicação de entrevistas, porque acaba por trazer mais ruído” para o debate público. Recentemente, Passos já deu entrevistas à SIC, TVI e CMTV.

O tema da Grécia foi a arma de arremesso de Passos à líder bloquista. Introduzindo a comparação entre o BE e o irmão grego do Syriza durante uma pergunta sobre as pensões, Catarina ripostou de imediato: “O dr. Passos Coelho quando não quer responder passa para outra geografia ou para o passado”. Mas o tema foi incontornável. Passos acusou o Bloco de Esquerda de “ter apenas discurso, que não passa disso mesmo, de discurso” e de não “entender a realidade” ao ser incontornavelmente contra a austeridade. “O Syriza também pensava assim e foi para o governo, então o que é que aconteceu? Todos os que tinham dinheiro na Grécia puseram o dinheiro fora e ficaram os pobres, os remediados e a classe media a pagar um programa que tem o triplo da austeridade”. “Era o que acontecia se BE fosse para o governo”, atirou.

Catarina Martins, que no debate frente a Portas tinha contornado a discussão sobre “as condições concretas da Grécia”, respondeu que continua a defender um caminho diferente na Grécia, mas acusou o primeiro-ministro de se ter aliado a Angela Merkel para “esmagar qualquer possibilidade de mudança por motivos eleitoralistas”. “O programa que está a ser executado na Gécia não é o programa do BE, é o seu programa. O vosso programa“, disse, demarcando-se.

Sobre a dívida pública, enquanto Catarina Martins defendeu a reestruturação como único caminho possível, chamando a si personalidades ligadas à direita como Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix, Passos chamou a si o feito de a dívida não estar a crescer desde 2013, e de “apenas” ter aumentado 30 mil milhões de euros desde os primeiros anos de governação PSD/CDS. Número reduzido quando comparado com o aumento assistido durante a governação de Sócrates, onde a dívida “mais do que duplicou de 2005 a 2011”.

E atirou com o trunfo Varoufakis: “Nós emprestámos dinheiro à Grécia e um certo ministro das Finanças, de nome Varoufakis, defendeu que não devia pagar metade dessa dívida, o que acontecia aos contribuintes portugueses se não pagassem?”. O perdão da dívida é, para Passos, um “desrespeito”.

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O debate sobre a venda do Novo Banco opôs frontalmente duas versões diferentes da mesma história: de um lado, os contribuintes portugueses não vão pagar qualquer prejuízo que possa advir da venda do Novo Banco, porque não foi nacionalizado, do outro, os contribuintes vão pagar sempre, porque o dinheiro é dívida pública.

Catarina Martins começou por acusar de “oportunismo” o facto de ter sido adiada a venda do Novo Banco para depois das eleições – “numa altura em que se ficaria a saber quanto custa aos contribuintes o Novo Banco” – mas Passos Coelho demarcou-se do processo da venda, dizendo que é o Banco de Portugal que lidera o Fundo de Resolução. Para Passos, “não há pressa nenhuma”, e está tudo nas mãos do governador.

Sobre quem pagará os eventuais prejuízos da venda, o atual primeiro-ministro garantiu que “como o Estado não perdeu dinheiro, só emprestou, os contribuintes também não perderam nem irão perder”.

Passos contrapôs com o caso do BPN, nacionalizado, que custou aos portugueses 2,7 mil milhões de euros, podendo vir a custar ainda mais. E garantiu que, se houver prejuízo na venda, o pagamento será suportado pelo sistema financeiro – “são os bancos que suportarão essa perda”. Mas deixou em aberto o facto de, sendo a Caixa Geral de Depósitos um banco público, possa vir a haver implicação indireta para o Estado. “Não podemos ter um banco público para as coisas boas e não ter para as más”, disse.

Quem tem razão? A discussão foi acesa, e a dúvida permaneceu nos ouvidos dos espectadores, agravada pelo facto de o provável adiamento da venda poder provocar um rombo no financiamento do Estado para este ano e obrigar a emitir mais dívida ou recorrer aos excedentes financeiros. Passos apenas afirmou: “O facto de o Estado ter emprestado dinheiro [3900 milhões] não quer dizer que esse dinheiro não retorne”.