Não é costume, mas tem tudo para ser um momento estranho. A bola intromete-se na área, lá acontece algo que não é suposto acontecer, merece castigo, do pior que que há. O árbitro abita, o silvo prolonga-se enquanto, com um braço, aponta para uma marca que está a 11 metros da baliza. É penálti, a melhor das oportunidades para fazer a bola aninhar-se na redes. Quem o marca sabe, quase sempre, que o vai bater, porque estas coisas sabem-se — é habito que seja sempre o mesmo. Mas ali houve daquelas trocas de olhar de quem está cheio de dúvidas e não sabe bem o que fazer. Terá sido assim que Adrien Silva e Alberto Aquilani olharam um para o outro: “E agora?”

É estranho, sim senhor. Porque não devia haver discussão para dar a bola a quem, nas últimas duas épocas, fez bateu 13 penáltis que deram em golo. Mas quando Wakaso, aos 9’, resolveu fechar os olhos, baixar a cabeça, ir assim a uma bola cruzada por Jefferson e fazer com que ela lhe batesse na mão, ninguém sabia o que fazer com o penálti. É o que dá deixar coisas em águas de bacalhau durante duas semanas, desde que o Sporting foi a Coimbra e teve duas penalidade no mesmo jogo — Adrien falhou a primeira e Aquilani marcou a segunda, a ordem de Jorge Jesus. Por isso é que, depois de olharem entre eles, os leões se focaram no treinador, que lá teve de voltar a mandar. Decidiu-se pelo português e pronto, 1-0.

E se os penáltis continuam a ser com Adrien, a pressão é cada vez mais algo deste Sporting. Foi assim, a fazê-la lá à frente, a chatear os centrais do Rio Ave, a obrigar o adversário a esmerar-se no chuto para a frente, que os leões arrancaram o encontro. As bolas roubavam-se perto da área contrária, onde qualquer treinador gosta de roubar bolas: perto da baliza dos outros e longe da sua. Quando não o conseguia, a equipa precisava de poucos passes para se aproximar da área vila-condense. O problema era, depois, ter vista livre para a baliza. Teo e Slimani mal tocavam na bola, os cruzamentos de Carrillo não lhes chegavam e os passes certinhos de Aquilani apenas serviam para garantir que a bola não se perdia. Era muita parra (bola, passes, jogadas ao primeiro toque) e pouca uva (não se rematava à baliza).

O Rio Ave só deixou de ser espetador lá para os 20 minutos, quando se lembrou que os extremos do Sporting, sobretudo Carrillo, não gostam de correr muito para trás. Os cruzamentos tensos e cheios de açúcar, como o de Marvin Zeegelaar, aos 24’ — ao qual o pé de Yazalde não chegou por pouco — começaram a aparecer. Mauro Bressan, brasileiro que se naturalizou bielorrusso e fartou-se de ganhar faltas com a bola colada ao pé, deixou de ser o único a dar problemas aos leões. Rui Patrício começou a dar uso às luvas e a sair-se às bolas que já chegavam muitas vezes à sua área. Os anfritriões ousaram acelerar e isso quase compensou aos 36’, quando Zeegelaar chamou um figo à moleza de Esgaio a receber uma bola que vinha pelo ar (encolhido e de olhos fechados) para, com ela, ziguezaguear à frente de Paulo Oliveira e, com o pé direito, rematar a bola ao poste esquerdo da baliza do Sporting.

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Ui, foi por pouco. Os leões apanhavam um susto valente e isso serviu-lhes para se agarrarem à bola. Fizeram-no na jogada seguinte, em que aguentaram a bola perto da área contrária, insistentes, a trocarem-na de um lado para o outro, a irem buscar o gelo com que queriam esfriar o jogo. Às tantas Jefferson fartou-se. O brasileiro cruza a bola e André Villas-Boas chega-lhe o pé, mas atrapalha-se e atira a bola para o ar, a um metro da baliza, perto de Slimani. A cabeça do argelino foi mais alta que o pé do português e o 2-0 apareceu ali, aos 39’, ao segundo remate que os leões faziam na partida. E iam para o intervalo descansados.

Rio Ave's Brazilian defender Lionn (L) vies with Sporting's Costa Rican forward Bryan Ruiz during the Portuguese league football match Rio Ave FC vs Sporting CP at Arcos stadium in Vila do Conde on September 13, 2015. AFP PHOTO/ MIGUEL RIOPA (Photo credit should read MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

O Rio Ave acordou na segunda parte, espalhou raça pelos jogadores e não deixou o Sporting dominar o jogo com calma. Foto: MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

Tanto que a segunda parte arrancou mais lenta, calma como o Sporting a queria e fazia por manter. Ninguém acelerava, os passes para o lado eram muitos e a equipa preferia o devagar ao rápido. O Rio Ave não. Ukra fartava-se de acelerar tudo com a bola no pé, Wakaso parecia um cão raivoso a roubar bolas e, a aproveitar tudo isto, já havia Joris Kayembe. Porque era no miúdo de 21 anos, ainda ingénuo e desinteressado lembrar-se que há sempre a cautela em vez do risco, que se fartava de correr e fintar cada vez que alguém lhe passava uma bola. Isto tinha coisas boas e más.

As muitas vezes que o belga perdia a bola eram as más, já que o Rio Ave confiava tanto nele que a equipa avançava no terreno, à espera do que saísse dali, e poucos ficavam lá atrás. O Sporting percebeu-o e passou a contra-atacar muito. Aí apareceu um slalom de Slimani, a dobrar os rins e os olhos de André Villas-Boas, aos 55’, que não deu golo porque o argelino rematou rasteiro e às mãos de Cássio. Depois vinham as coisas boas — a genica que as corridas de Kayembe deram ao Rio Ave. Os jogadores pareceram ficar com mais raça, passaram a correr mais e a meter o pé onde os leões tiravam os seus. O Sporting ia sendo encostada à área e não reagia. Como João Mário fez, aos 69’, quando deixou Kayembe, na área, amansar uma carambola na relva que Paulo Oliveira cortara, virar-se e cruzar para a cabeça de Yazalde reduzir para 2-1. Moleza contra genica dá nisto.

E continua a dar em mais coisas: depois, muitas foram as bolas que o Rio Ave lançava para o espaço nas costas dos defesas do Sporting, que se demoravam tanto a virar quanto o tempo que os médios leoninos tardavam em pressionar os adversários. Ukra e Kayembe faziam a vida negra aos laterais, Jefferson que o diga, já que foi rara a jogada em que o brasileiro lhes ganhou uma bola. Os leões emperravam enquanto, os vila-condenses se soltavam e os anfitriões encheram-se de crença. Começaram a avançar mais jogadores nos ataques e, por isso, o Sporting começou a conseguir inventar contra-ataques no último quarto de hora. Muitos, mesmo. Mas os “Joões”, o Mário e o Pereira, não conseguiram matar o jogo aos 89’ e aos 91’.

Ainda não foi desta que o Sporting conseguiu passar 90 minutos no campeonato sem ver uma bola a entrar-lhe na baliza — sofreu sempre um golo nos quatro encontros que já leva. Nos sete jogos que leva jogados esta época, apenas o Benfica, na Super Taça, não conseguiu chatear a baliza dos leões. Em Vila do Conde voltaram a encaixar um golo porque abrandaram e nada fizeram quando os adversários aceleraram sem pudor. O Sporting ganhou sem controlar, decidiu sem dominar, mas continua a liderar o campeonato, a par do FC Porto. No final, enquanto os jogadores trocavam passou-bens e abandonavam o relvado, Jorge Jesus talvez tivesse isto na cabeça: estava sentado no banco de suplentes, olhos presos no horizonte, fixados, com cara de quem estava preso num pensamento qualquer, a matutar como haveria de resolver um problema. E não deveria ser o de quem marcar os penáltis.