O quadro seria em tudo estranho há uns anos. Manuela Ferreira Leite a apresentar um livro de um ex-dirigente socialista, a dizer mal de um Governo do PSD e perante dois candidatos presidenciais que querem o apoio do PS. Mais. Seria ainda mais estranho que um candidato presidencial independente aparecesse na primeira fila dessa mesma apresentação e que a candidata militante aparecesse na fila de trás. Mas foi isso que aconteceu esta segunda-feira na apresentação do livro “Cuidar do futuro – Os mitos do Estado social português”, de Pedro Adão e Silva e de Mariana Trigo Pereira. O livro era sobre mitos, mas acabou por primeiro quebrar hábitos.

Por partes. Manuela Ferreira Leite foi convidada para apresentar o livro ao lado de Mário Centeno, candidato às eleições legislativas pelo PS e coordenador do cenário macroeconómico do PS. Não faltou à chamada e embarcou nas críticas ao atual Governo. Disse Ferreira Leite, carregando qb no acelerador em tempo de campanha, que houve uma “perda de confiança” porque “foi violado um contrato entre cidadãos e Estado”, uma vez que “antes se faziam ajustamentos para dar alguma coisa, agora foi para tirar muita coisa”. Estava a falar sobretudo de pensões, um dos temas que mais frestas abriu entre a social-democrata e a atual liderança do partido, mas usou a palavra que dá o lema ao PS de António Costa: “Confiança”. Neste caso, a quebra de confiança. Frase que deu o mote para Mário Centeno lembrar que essa “confiança” se “obtém” com “o cumprimento de compromissos” e que o PS apresentou um conjunto vasto de propostas nesta área.

Mas mais que isso, além da própria medida, a ex-líder do PSD lembrou que o que esteve em causa foram as “razões” que levaram a essas medidas. “As razões criaram uma perspetiva e desconfiança” e que mais valia terem dito que o faziam “dada a situação do pais”. “Conseguiu passar-se a ideia que o tema era a causa de todos os males. Estava na origem da situação e era preciso mudar sem o qual o país se afundaria”, disse.

Manuela Ferreira Leite sempre tem sido uma crítica das medidas deste Governo, sendo uma voz incómoda no PSD. E até já foi elogiada por António Costa. Nesta apresentação aproveitou para desfazer mais um “mito” da atual governação, que é nem mais nem menos do que uma bandeira deste Executivo: o aumento das pensões mínimas. Referindo que os autores explicam que as pensões mínimas “nada têm a ver com pobreza”, antes sim, têm a ver com a “história contributiva” dos beneficiários e que são tomadas medidas com base “nesses pressupostos”. Este tem sido um dos argumentos apresentados pelos socialistas no debate, sobretudo na Assembleia da Repúlica, sempre que o primeiro-ministro ou algum membro do Governo elogiava o aumento das pensões mínimas.

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Dois candidatos presidenciais: um à frente, outro atrás

O livro falava de mitos, mas o que aconteceu foi uma queda de hábitos, insistimos. Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa, candidatos presidenciais, estavam os dois na apresentação do livro. Mas não os dois com o mesmo relevo na sala. A candidata, que já assumiu que o era, militante e ex-presidente do partido, aparecia na última fila da sala.

Já Sampaio da Nóvoa, candidato independente e que ainda não se sabe se terá ou não apoio do partido (o mesmo é válido para Maria de Belém), estava sentado na fila da frente. Sentado ao lado de dois apoiantes seus de peso. E quem eram eles: dois ex-presidentes da República, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes.

A apresentação deste livro foi ainda um desfile de personalidades. Estavam presentes o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, o líder parlamentar do PS, Ferro Rodrigues, Paulo Trigo Pereira, um dos economistas que colaboraram com o PS, ainda Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação do PS, e o advogado de José Sócrates, João Araújo.