A ex-presidente do parlamento da Grécia e candidata independente pelo novo partido da esquerda radical grega, Zoe Konstantopoulou, disse esta quarta-feira à agência Lusa que as eleições de 20 de setembro “são apenas o início” da “resistência”.

“Estas eleições são apenas o início. Estamos num ponto em que as pessoas são chamadas a criar um novo ponto de partida para a democracia, um novo começo para a resistência, um novo começo para a possibilidade de dizer não às chantagens, não aos memorandos, não àqueles que estão a construir um cenário de um futuro que não inclui o povo”, disse Zoe Konstantopoulou, durante um comício do Unidade Popular (Laiki Enotita – LAE).

“Não há futuro sem o povo e estamos a tratar de fazer com que o futuro aconteça com o povo da Grécia e com o povo da Europa”, disse Konstantopoulou, que apesar do estatuto de independente se tornou uma figura emblemática da campanha do LAE, partido nascido de uma cisão do Syriza e dirigido por Panagiotis Lafazanis, ex-ministro da Energia do governo do agora também ex-primeiro-ministro Alexis Tsipras.

O Unidade Popular, fundado em finais de agosto por 25 deputados da ala mais à esquerda do Syriza, que abandonaram o partido por se oporem à aprovação de um novo pacote de austeridade para a Grécia, acordado por Tsipras em Bruxelas, assume-se como eurocético e antiausteridade e defende a saída da Grécia do euro e o regresso à antiga moeda grega, o dracma.

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A cisão que levou à criação do LAE esteve na origem da convocação das eleições antecipadas que se vão realizar no domingo ao provocar a demissão de Alexis Tsipras do cargo de primeiro-ministro depois de perder parte da sua bancada parlamentar.

No comício da noite de hoje na praça Omonia, numa zona popular de Atenas, participou também o deputado andaluz do novo partido de esquerda espanhol Podemos Jesus Rodriguez, que disse à Lusa ser “importante que nestas eleições o Unidade Popular conquiste o seu lugar no parlamento grego, para manter viva a resistência contra o eurogrupo e assim alimentar a possibilidade de mudança”.

“A mobilização popular que o LAE está a representar tem de ser materializada nestas eleições como afirmação da ideia fundamental de que tem de haver outro caminho que não o da austeridade a todo o custo. Essa afirmação da possibilidade de alternativa terá repercussão na Europa”, afirmou Jesus Rodriguez.

O comicio do LAE reuniu algumas centenas de pessoas, numa mistura eclética de géneros e faixas etárias, que ao som de canções de protesto tradicionais – mas onde houve lugar também para “People have the power”, de Patti Smith – e agitando bandeiras do partido fizeram do “Oxi” (não) a palavra de ordem da noite, evocando o ‘não’ que 62% dos gregos disseram à austeridade no referendo realizado em julho, mas que não impediu a capitulação de Tsipras perante as instituições europeias.

“Estamos aqui para afirmar que mantemos vivos os princípios que o Syriza abandonou”, disse à Lusa Nikos Nikogiannis, engenheiro reformado.

“Não esperamos um resultado estrondoso no domingo, mas o LAE existe há muito pouco tempo e lembro que o Syriza teve como primeiro resultado eleitoral cerca de 4% dos votos e sete anos depois estava no governo”, adiantou.

Nos cartazes que muitos empunhavam pontificavam as frases “há uma alternativa” e “não votamos em certa caras que querem aplicar memorandos, votamos para salvar o povo”. Uma das pessoas com um cartaz na mão era, Vassiliki, professora do ensino secundário que afirmou acreditar “que o não do referendo ainda é válido e que a resistência aos memorandos da austeridade tem de continuar”. “É preciso uma alternativa radical para sair da catástrofe atual”, afirmou.

O comício teve também um momento de recolhimento, com os presentes a observarem um minuto de silêncio em memória dos migrantes mortos ao tentarem atravessar o Mediterrâneo e dos gregos que cometeram suicídio, 10.000 segundo alguns cálculos, nos últimos cinco anos devido às dificuldades provocadas pela austeridade.

As subidas ao palco de Panagiotis Lafazanis e de Zoe Konstantopoulou suscitaram os maiores aplausos, enquanto referências aos partidos gregos que aceitam o novo pacote de austeridade, especialmente o Syriza, o Nova Democracia e o PASOK, à chanceler alemã, Angela Merkel, e ao ministro das Finanças alemão Wolfgang Schauble, suscitaram vaias muito sonoras.

E nos respetivos discursos, Lafazanis e Konstantopoulous insistiram na necessidade de os gregos dizerem não a mais austeridade, nas criticas aos partidos que alinharam na aprovação do novo pacote, que deverá começar a ser aplicado em outubro em troca do terceiro resgate financeiro no valor de 86 mil milhões de euros, e na existência de uma alternativa, que passa por sair do euro.

Ao palco do comício subiu também o ícone da resistência grega aos nazis, escritor, ex-eurodeputado e radical da velha guarda Manolis Glezos, 93 anos. Glezos, que emprestou uma voz ainda firme ao ‘Oxi’ proclamado no comício, é considerado um herói nacional por em maio de 1941, com a Grécia sob ocupação alemã, ter retirado de um mastro na Acrópole uma bandeira nazi, num ato que se tornou inspirador da resistência grega. Hoje o LAE quer que os gregos iniciem uma nova resistência, já no domingo e quando forem votar.