Bolas, como as coisas mudam. O jogo está a segundos, à beirinha de começar, e é vê-lo a coçar a cabeça, entre pulos que aquecem os músculos das pernas e rodopios de braços para ligar os dos ombros. As caras enganam e a que Casillas tem posta dá a sensação de estar pensativo, de quem está a estranhar o que tem à volta. Pode ser apenas impressão, mas Casillas parece fazer a mente divagar entre o onde estava antes e o onde está agora: de Madrid para Kiev, de 16 anos de Real Madrid para o primeiro de FC Porto, de 150 partidas na Liga dos Campeões vestido de blanco à primeira como dragão, que lhe dá a 151.ª e o recorde que era do amigo Xavi. Nele tudo muda e o que o rodeia também. O problema é mesmo esse.

Porque a equipa que veste de azul e branco vai à Ucrânia de castanho e decide aparecer com quatro médios e não com os três que costuma ter. A prudência mistura-se com a invenção: a Danilo e Rúbem Neves juntam-se Hector Herrera e André André. A equipa está com muitos homens com jeito para passar a bola e com poucos para fintar e acelerar as jogadas. Os dragões fogem ao habitual e não pressionam à frente, preferem esperar no meio campo, a apertar linhas de passe em vez de jogadores. Percebe-se que a ideia é que eles andem todos pelo meio, atraiam atenções e deixem espaço para Maxi e Layún se aventurarem. Só que eles não saem muito da toca pois as coisas também mudam no Dínamo de Kiev.

Os ucranianos já não são como eram e se antigamente esperavam, encolhidos, à espera de umas nesgas para contra-atacar rápido, agora enchem o peito, têm calma e fazem questão em ter a bola e controlá-la. Para isso têm a fazer de número 10 uma canhota que não para de correr e que, antes, ouvia das boas por ser um trinco que pouco se mexia. Miguel Veloso é quem tudo organiza e faz por tornar o Dínamo numa equipa que pressiona muito os dragões e não os deixa ser a equipa que tem mais companhia da bola. As coisas mudam mesmo e, até ao intervalo, uma das equipas com maior posse de bola na última Champions só conseguia tê-la num 50-50 com o adversário. Mesmo assim, o primeiro remate a pregar um susto é de Brahimi, aos 15’, quando bate um livre a 25 metros da baliza que rasa a barra. Antes, Casillas mostra a manteiga nas mãos e só à terceira agarra uma bola cruzada por Miguel Veloso, num canto.

Depois é que tudo mudou mesmo, quando uma bola que andava pelo ar, a meio campo, só quis ser morta pelos ucranianos: Derlis González colocou-a na relva, deu início a uma série de quatro passes até alguém mandar a bola até Junior Moraes, que esperou pela corrida de Garmash para lhe dar um passe. O médio lá foi pela direita até cruzar rasteiro para Veloso, na área, abrir as pernas, fazer com que Maxi abrisse as dele e deixar a bola chegar até Gusev, que fez o 1-0. E o Dinamo festejava na esperança de, pela primeira vez, fechar um jogo contra os dragões, na Ucrânia, a repetir a festa — nunca o clube ganhara ao FC Porto na Ucrânia. Nem três minutos depois e tudo mudava outra vez, quando Maicon se lembrou de atirar um passe longo para a esquerda.

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A bola chega a Layún, o mexicano de pé trocado que volta a enganar Derlis como quem prega a mesma partida duas vezes (finge que vai para o meio e foge para a esquerda). Depois tira um cruzamento que vai redondinho para a cabeça de Aboubakar, avançado que faz o que lhe pedem e marca o 1-1 no primeiro toque que dá na bola dentro da área. Aí o jogo volta ao que era: sem uma equipa a ser melhor que a outra e sem ver alguém que consiga manter a bola muito tempo em meio campo alheio. Antes do intervalo, Casillas ainda prova que até há coisas que não mudam, como a agilidade que ainda tem entre os postes e lhe chega para, aos 45’, fazer um paradón a um remate ressaltado de Garmash.

Vincent Aboubakar (R) of FC Porto celebrates after scoring during the UEFA Champions league group G football match between FC Dynamo Kiev and FC Porto at Olimpiysky stadium in Kiev on September 16, 2015. AFP PHOTO/GENYA SAVILOV (Photo credit should read GENYA SAVILOV/AFP/Getty Images)

O camaronês Aboubakar está-se a dar bem com os golos: marcou dois ao Dinamo e já vai com seis marcados esta época. Foto: GENYA SAVILOV/AFP/Getty Images

Quando a bola volta a rolar as coisas tornam a mudar. O FC Porto afasta-se do que é novo e começa a portar-se como o velho. Rúben Neves afasta-se uns metros de Danilo e obriga a que os passes saiam mais para a frente e não tanto para o lado. Os dragões continuam com quatro médios, mas um, André André, disfarça-se mais de extremo ao encostar-se à esquerda quando a equipa não tem a bola. Toda a gente dá uns passos à frente e aperta-se os jogadores do Dinamo mais à frente, na metade do campo ucraniana. As bolas começam a recuperar-se perto da área contrária e tudo fica mais como se o FC Porto estivesse a jogar como de costume: os dragões com muita bola e o adversário com pouca.

O perigo é que não muda por nada. Aboubakar toca bem mais na bola, mas vêem-se muitas fintas e poucos remates. Os dragões chegam muitas vezes à área contrária, embora apenas se veja um remate quando, aos 69’, o André de nome repetido tenta atirar a bola para a gaveta. Minutos antes tudo se altera outra vez para o FC Porto ficar como está habituado. Herrera sai para Tello entrar e os dragões ficam, de vez, como gostam, quando Corona aparece fresco no lugar do cansado Brahimi. Aparecem dois extremos fresquinhos para acrescentar perigo a uma equipa que já conseguia dominar o jogo. A equipa de Lopetegui acelerava à medida que as pernas de Garmash e Rybalka, os médios do Dinamo que davam para tudo, começam a pesar.

As coisas mudam tanto que aos 81’ os dragões veem um extremo a arrancar com a bola, cortar para dentro, disparar e deixar Rybka fazer a primeira parada no jogo. Dá canto e, talvez pela inatividade, o guarda-redes ucraniano é tosco a sair da baliza, não chega à bola e o ressalto sobra para Aboubakar, que perto do segundo poste remata de pé esquerdo para o 2-1. O camaronês fica com seis golos feitos esta época e faz com que o Dinamo de Kiev entre em desespero. Faltam menos de dez minutos para tudo acabar e começam a atirar a bola de qualquer maneira para a área do FC Porto. Uma delas resulta porque dá um livre à entrada da área.

A barreira faz-se, o remate não faz a bola subir e embate nos corpos portistas. O problema é que a mesma bola ressalta para a área e parece que Garmash, plantado na área em fora de jogo, a vai tocar. Mas não. O ucraniano nem olha para ela, ignora-a, esforça-se para que o auxiliar não levanta a bandeira e consegue mais que isso — toda a gente vai no engodo e ficar a olhar menos Vitaliy Buyalskiy, que surge disparado e só para a um metro de Iker Casillas, que imóvel ficou, para cabecear a bola para dentro da baliza. O 2-2 aparece quando parecia que não havia hipótese para isso, mas surge tão tarde (aos 89′) que não resta tempo para que se vejam mais remates no jogo.

O FC Porto apareceu mudado em Kiev, aguentou-se alterado até à segunda parte e apenas se viu a ganhar quando mudou para o normal e ficou com dois extremos em campo. Até aí nem sempre usou os quatro médios para apertar os ucranianos a defender e fazê-los correr atrás da bola a atacar. Sofreu um golo por ter toda a gente a dormir e sai da Ucrânia com um ponto que não o deixa começar a Champions como queria e chegar ao clássico de domingo, contra o Benfica, embalado por uma vitória. Talvez seja castigo por tanto ter mudado.