Há pelo menos quatro países da Europa onde o primeiro-ministro que assumiu funções não é do partido mais votado nessas eleições. Uma situação que se pode repetir por cá, de acordo com o estudo da Eurosondagem agora divulgado pelo Expresso e pela SIC que prevê que a coligação Portugal à Frente possa ter mais mandatos no Parlamento mesmo com menos votos do que o PS.

A confirmar-se esta previsão, será o Presidente da República a decidir quem vai formar Governo, depois de ouvir todos os partidos. Cavaco tem pedido várias vezes aos partidos para olharem para o resto da Europa e seguirem o exemplo. Mas, afinal, o que acontece na Europa quando todos os astros se alinham?

Começando pela Bélgica, um país que tem no currículo várias crises governativas. Mais recentemente, as eleições de 2014 vieram provocar nova derrocada política: a Nova Aliança Flamenga (N-VA) repetiu a vitória de 2010 e voltou a ser a força política mais votada, com 17,4%. O Partido Socialista Valão (PS) ficou em segundo (13,7%) e o Movimento Reformador (MR) completou o pódio com 9,3% dos votos.

Depois de longos meses de recuos e avanços nas negociações e depois de esgotadas outras alternativas, Charles Michel, líder do MR, movimento liberal e francófono, foi escolhido pelo rei Filipe para tentar formar Governo. E conseguiu. O terceiro partido mais votado nessas eleições juntou-se a outros três partidos:  os cristãos-democratas do CD&V, quarta força mais votada com 10,8% dos votos; os liberais do Open VLD, quintos mais votados (8,6%); e os nacionalistas flamengos da N-VA, que tinham sido a força política mais votada, mas falharam em construir as pontes necessárias para formar o Executivo.

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Resumindo, o Governo belga é composto por quatro partidos, o vencedor das eleições faz parte do Governo, mas o primeiro-ministro é de outro partido.

Na Letónia, o caso é mais bicudo.  O partido de esquerda e pró-russo Harmonia, que representa a minoria russa do Estado do Báltico, venceu as últimas eleições legislativas, com 23,26% dos votos, logo seguido pela coligação de centro-direita – Unidade – liderada pela primeira-ministra da Letónia, Lamdota Straujuma (21,62%). Era uma reedição das eleições de 2011.

No entanto, o Harmonia não conseguiu formar governo e Straujuma, a primeira mulher a tornar-se chefe de Estado da Letónia, foi reconduzida no cargo. Lidera agora um governo de coligação com a direita da Aliança Nacional  e com a União dos Verdes e dos Agricultores, que, apesar do nome, se situam no centro do espetro político letão.

No capítulo das surpresas eleitorais, há um caso incontornável: Luxemburgo, em 2013. Nas últimas eleições gerais, os democratas-cristãos (CSV, então liderado por Jean-Claude Junckerobtiveram mais de 33% dos votos. Este resultado nada tinha de novo: o partido é historicamente o principal partido do país.

Mas se nas urnas Juncker venceu mais uma vez, não se poderá dizer que o tenham feito no jogo das coligações. Depois das eleições, os liberais do Partido Democrata (terceiros mais votados), os socialistas do LSAP (partido que ficou em segundo nas eleições) e os Verdes (quarto lugar) uniram forças e avançaram para o governo. Juntos conseguiam mais deputados do que o CSV.

Xavier Bettel, do Partido Democrata e terceiro nas eleições, assumiu o cargo de primeiro-ministro. O socialista Etienne Schneider (LSAP) tornou-se número dois e ministro da Economia. Foi a primeira vez em 34 anos que os democratas-cristãos ficaram fora do governo. E foi também o fim de Juncker como primeiro-ministro, cargo que ocupava desde 1995.

Por fim, a Dinamarca. Ao melhor estilo da série (dinamarquesa) Borgen, foi o jogo das coligações que definiu a cor do Executivo. Para perceber melhor este caso, é preciso recuar até 2011. Nesse ano, o Partido Social-Democrata (PSD) de Helle Thorning-Schmidt teve o pior resultado eleitoral em 100 anos, mas conseguiu, ainda assim, vencer as eleições.

Assim, o PSD dinamarquês juntou-se aos outros dois partidos de centro-esquerda: os sociais-liberais e ao socialistas populares. Importa referir que, apesar da designação dos partidos – Partido Social Democrata, por exemplo -, estas forças políticas colocam-se à esquerda e ao centro-esquerda do espetro político, ao contrário do que acontece com o PSD português. Os três pertencem ao bloco vermelho do Parlamento dinamarquês.

Quatro anos depois, em 2015, o PSD de Helle Thorning-Schmidt consegui vencer novamente as eleições com 24,9% dos votos, um resultado até superior ao de 2011. Todavia, a erosão dos outros partidos que compunham a base de apoio ao PSD, baralhou todas as contas. Os sociais-liberais conseguiram apenas 4,6% dos votos, menos nove deputados do que em 2011; e os socialistas populares, que abandonaram o Governo a meio da legislatura, foram castigados nas urnas e conseguiram apenas 4,2% dos votos, também menos nove deputados.

Em contrapartida, o bloco azul (de direita, centro-direita) viu os seus partidos subirem em flecha. Todos, à exceção de um: o Partido Liberal da Dinamarca, que, com 19,5% dos votos, perdeu 13 lugares e foi terceiro nas eleições. Ainda assim, Lars Løkke Rasmussen, líder do bloco azul e do Partido Liberal da Dinamarca – o tal que ficou apenas em terceiro lugar nas eleições – conseguiu tornar-se primeiro-ministro porque tinha deputados suficientes no bloco azul para formar uma maioria.

Outros dois casos de estudo: Churchill e Al Gore

Aviso prévio: os sistemas eleitorais e políticos britânico e norte-americano são (muito) diferentes do sistema português. Mas não deixam de ser exemplos válidos de como nem sempre os partidos mais votados assumem os destinos do país.

Em 1951, Clement Attlee, líder trabalhista, conseguiu quase 14 milhões de votos, mais do que Winston Churchill (conservador) e Clement Davies (liberal) juntos. Um resultado histórico para os trabalhistas.

No entanto, o crescimento do Labour traduziu-se num aumento de votos em círculos eleitorais onde os trabalhistas já dominavam. Em contrapartida, os conservadores conseguiram ganhar mais 22 lugares em relação às eleições de 1950 e, assim, governar com uma maioria de 16 deputados. Um verdadeiro volte-face, tendo em conta que tinha sido Attlee a convocar eleições para tentar aumentar a maioria.

No caso do Estados Unidos, é preciso sublinhar que o Presidente não é eleito diretamente pelos cidadãos – na verdade, o Congresso norte-americano é o único órgão que preenche essa condição. O líder norte-americano é nomeado por um colégio eleitoral composto por 538 delegados, cuja representação é definida de acordo com o voto popular nas eleições presidenciais.

Concretamente, os delegados eleitorais são escolhidos pelo candidato a Presidente que vencer num determinado Estado, com o compromisso de depois votarem no seu candidato. O estado californiano, por exemplo, é o Estado com mais peso no Colégio Eleitoral, com direito a 55 delegados. Caso atinja a maioria de 270 votos no Colégio, o candidato é eleito Presidente dos Estados Unidos, ainda que possa não ter sido o mais votado a nível nacional.

E foi precisamente isso que aconteceu em 2000: o democrata Al Gore conseguiu mais de 51 milhões de votos populares, mas acabou por perder para George W. Bush (mais de 50 milhões de votos), o candidato nomeado pelo colégio eleitoral.