Juan Carlos Monedero é um dos fundadores do Podemos e um dos seus principais estrategas. Culpa a resignação, fruto do modelo neo-liberal, e a delegação da democracia representativa pelo estado das coisas antes da crise, mas também aponta estes fatores como principais fatores da mudança em Espanha. Afirma que o Podemos está em pé de igualdade com o PP e com o PSOE e que vai às eleições em dezembro para vencer.

O professor de Ciência Política da Universidade Complutense de Madrid esteve em Portugal para lançar o seu livro “Curso urgente de política para gente decente” (Marcador, 17,5€) e o Observador falou com ele. Em Espanha, o livro teve 12 edições, embora tenha sido escrito antes da fundação ofical do partido. Monedero afirma que muitas das raízes do partido estão ali. O autor chegou a fazer parte da direção do partido, mas afastou-se em maio deste ano depois de vários jornais trazerem a lume polémicas sobre dívidas de impostos, embora se mantenha como uma das principais figuras dentro do Podemos. Para além da vida académica, Monedero foi um dos principais conselheiros de Hugo Chavez até à sua morte.

Este livro foi escrito em 2013, antes de haver formalmente o Podemos. É uma obra essencial para quem se quer lançar em movimentos que pretendem fazer a política de outra maneira?

Como sempre, primeiro vem o diagnóstico e depois a terapia. Quando escrevi o livro, não tínhamos na cabeça constituir o Podemos, mas estão lá as bases do que o partido viria a ser. Tínhamos consciência do esgotamento do sistema política espanhol e do próprio projeto europeu na sua vertente neo-liberal, da distância da cidadania em relação à política e à tristeza que havia na política. Era preciso recuperar a alegria de transformar as coisas e, para isso, era preciso um olhar diferente. E foi isso que fiz. Quando acabei de escrever o livro, tinha a ideia da palavra urgência para o título, porque nestes meses e anos o risco de cair na resignação e interiorizar que não havia alternativas estava prestes a fazer com que tivéssemos de esperar mais uma geração para voltar a pensar.

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A falta de informação e ferramentas para analisar a política atual ligada ao afastamento das pessoas da política conduziu à situação que descreve?

Creio que é pior. A resignação é uma política de Estado, há uma vontade para que as pessoas estejam resignadas. Stiglitz, prémio Nobel da Economia, diz que o principal êxito do modelo neo-liberal é ter-nos convencido que não há alternativa. A isto se junta a crença que as alternativas são piores, que são disruptivas. E isto faz-nos viver naquele ditado maldito que é: mais vale o mal conhecido do que o bom por conhecer. Há uma política que não é direta e se vai construindo à nossa volta. É a sociedade baseada no medo. Temos medo de não ser rentáveis porque tudo se converteu em mercadoria e temos de ser rentáveis nalgum mercado, seja no trabalho, na casa que temos, no que vestimos, no que comemos, nas amizades, no sexo. Se não formos capazes de fazer isto, falhámos e interiorizamos essa perda. Também há medo devido a precarização laboral. Os nosso pais viveram numa altura em que tinham filhos, iam de férias, compraram casa. Agora, chegamos ao final do mês e não temos nada, temos medo que nos despeçam a qualquer momento. Para além disso, vivemos em cidades, parece que só nos movemos para trabalhar ou para nos distrairmos. A cidade como espaço de encontro desapareceu. Há o aumento da repressão. E também nos endividámos junto a bancos que parecem mafiosos, que agora nos tiram a casa e nos obrigam a ser muito disciplinados. Todos estes elementos construíram uma sociedade em que a diferença está em quem não se resigna.

Em Espanha houve muitas manifestações e há muito apoio aos novos partidos políticos. Em Portugal, estes últimos anos passaram-se de forma diferente. Porquê?

Há muitos fatores que dependem da sorte. Acho que em Espanha aconteceu algo muito relevante que foi que a uma certa altura, todos os partidos políticos se mostraram incapazes de dar respostas. PSOE e PP sucederam-se no poder muito rapidamente e fizeram o mesmo e, por isso, houve menos transferência de votos de um para o outro, um fenómeno que era habitual nas eleições em Espanha. Foi também importante não haver nenhum partido político capaz de dar respostas de participação às pessoas. Quando o sistema político se fechou, as respostas vieram de fora. E nós, que tínhamos começado um processo de discussão na “Tuerka”, um programa de debate televisivo com alguma audiência, ganhámos alguma projeção, especialmente Pablo Iglésias, nos grandes meios de comunicação. E isto permitiu que surgisse alguém a dizer que havia alternativas. Foi um processo parecido ao que aconteceu na América Latina com Lula ou Evo Morales. Estes fatores foram os que permitiram o desenvolvimento do Podemos. No dia 16 de maio, um dia depois do protesto, o El País tinha uma frase na capa que dizia tudo: “Os jovens saíram à rua e, subitamente, todos os partidos políticos envelheceram”. Haver tanta gente nas Portas do Sol a dizer que não se sentiam representados e que não se tratava de uma crise, mas sim de cansaço, permitiu uma mudança no discurso e abriu a possibilidade para a politização.

Em Portugal, há a perceção que gente decente não vai para a política. Como é que se reconcilia a sociedade com a política e se volta a dar confiança às pessoas nos processos políticos?

O problema principal das nossas democracias é a delegação. Desde a Constituição francesa que o mandato imperativo está proibido e foi substituído pelo mandato representativo, o que implica que a cada quatro anos vamos votar. Esta delegação simplifica-nos a vida porque é como se nos trouxessem as compras a casa, como cozinhassem para nós, como se fizessem a limpeza por nós. Fazemos menos coisas e a verdade é que quanto menos fazemos, menos poder temos. Foi esta delegação de poderes que nos colocou nas mãos dos políticos e transformou os partidos em máquinas burocráticas. E eles passam a controlar a luz, a água, mais de 50% do PIB. Para nós parece-nos uma boa troca porque podemos usar o tempo livre para ver um jogo de futebol ou ver séries intermináveis na televisão, mas quando esses partidos decidem em nome da sua sobrevivência gerir a crise para beneficiar certas minorias, não temos ferramentas para nos defendermos. O 15M, movimento dos indignados, recuperou essas ferramentas para reclamar uma maior participação. Quanto à decência, faz parte da natureza humana, somos animais sociais e precisamos uns dos outros para sobreviver. O nosso maior seguro de vida são as nossas paixões, que implicam reciprocidade. É por isso que gostamos de estar juntos e nos sentimos bem quando ajudamos o outro.

E como é que isso se traduz para o sistema político que temos atualmente?

Temos dentro de nós a capacidade de cooperar, mas também o egoísmo e por isso é importante abrir o debate. O 15M foi uma grande conversa, de onde o encontro com os outros fazia emergir a nossa decência. Os partidos políticos e o Estado são espaços de monólogo porque a representação implica que uma pessoa só representa todos e já não fala com todos. Os representantes falam só uns com os outros. E é preciso recuperar os grandes diálogos. Mas para isso necessitamos de duas lembranças importantes: participar é trabalhar com os outros e ignorar não é um direito.

O que temos assistido é que muitas vezes partidos que começam por ser de protesto, acabam por apanhar os vícios que criticavam nas forças políticas que já existiam. Como é que estes novos partidos conseguem sobreviver? O Podemos tem vindo a cair nas sondagens…

As sondagens nunca previram que o Podemos ia surgir, nem que íamos ter vitórias em Madrid e Barcelona. As sondagens em Espanha estão a lançar profecias auto-cumpridas. Estão a lançar a ideia que não há alternativa e que não vale a pena votar no Podemos. Há um empate entre PP, PSOE e Podemos e essa é a realidade. Há aqui novamente um convite à resignação. Se a cidadania quer mudar as coisas, tem de dar um passo à frente e mostrar que não é só depositar o boletim na urna, é preciso mobilização para conseguir um emprego digno, uma casa, uma família. E isso chama à abertura de processos deliberativos e não só delegação de poderes.

Se estão em pé de igualdade, que soluções de Governo é que vê para Espanha após as eleições de dezembro?

Nós vamos a eleições sozinhos e queremos ganhar. O grande problema das forças alternativas na Europa foi que se contentaram em ser muleta dos outros partidos e isso foi um erro. Ir com a ideia de ganhar foi o nosso êxito.

Mas o partido tem vindo a mudar. Quando saiu da direção do Podemos, em maio deste ano, criticou o facto de o partido estar a ficar parecido nalguns aspetos com os partidos já instalados…

Claro, eu saí da direção para poder fazer o que faço bem que é agitar ideias e construir dos cenários. Eu sou mau a gerir, os meus colegas são melhores. Eu sirvo para alertar que quando se entra numa guerra, é muito fácil que se acabe por ficar parecido com o inimigo, a não ser que se tenha alguém que nos recorde constantemente para ter cuidado. Quando se entra na democracia representativa, é fácil ser devorado e é aí que os debates internos são importantes.

E acha que toda a gente ainda tem voz no Podemos?

Temos quatro pontos nos nossos estatutos que visam impedir que nos tornemos iguais aos restantes partidos: limitação de salários, limitação de mandatos, proibimos as portas giratórias, ou seja não podes estar na política e a seguir ir trabalhar para um empresa com quem tinhas contactos enquanto exercias o teu cargo, e, por último, recuperámos a revogação de mandatos da Comuna de Paris.

Quando saiu da direção do Podemos, saiu envolto em algumas polémicas como questões fiscais e foi acusado de falsificar o seu currículo. Tinha noção até que ponto é que política podia mudar a sua vida?

No meio dos ataques que recebi, perguntei a mim próprio se valia a pena. Eu não queria entrar para a política, mas por ter fundado um partido e ter enfrentado os partidos tradicionais de frente, fui alvo de ataques baseados em mentiras. Quando me perguntei, cheguei à conclusão que valia a pena porque as pessoas começaram a não acreditar no que se dizia sobre nós. Os meios de comunicação pertencem a grandes empresas e fundos de investimento e é esta elite que controla os partidos e, por isso, está tudo ligado. Querem impedir que se questione o poder. Há um mês, os tribunais rejeitaram julgar um caso contra mim por fraude fiscal, nem sequer admitiram investigar-me. Durante seis meses recebi muitos ataques e as acusações aparecem a cinco colunas num jornal e o facto de não haver qualquer processo contra mim, aparece num quadradinho, se aparecer. É impossível fazer uma tortilha sem ovos e, por isso, temos de asumir que para mudar as coisas, vai ter de haver confronto. E sozinhos não podemos, só podemos quando somos muitos e para isso é preciso compromisso.