Momentos de forma, qual quê. Resultados, sejam vitórias ou derrotas, também pouco interessam. Os dias passam, a partida aproxima-se e a vontade, ou a “pica” em estar nestes jogos que invade o corpo e torna a mente impaciente, começa a aparecer. Um clássico é um clássico e se há coisa que nunca muda são os treinadores, jogadores, comentadores, ex-craques, entendidos da bola, a dizerem que nada do que costuma interessar num jogo normal interessa quando um rival defronta o outro. Porque a vontade em estar num clássico é muita e torna-se enorme se, na equipa, houver um jogador que veste a camisola que sempre quis vestir. É neles que estes jogos mexem. Por isso é justo imaginar que André André ficou a transbordar da tal “pica” quando soube que ia ser titular contra o Benfica.

Ela de nada lhe valeu no arranque. Porque foi um de muitos que, nos primeiros minutos, passou mais tempo a olhar para o céu do que para a relva, a correr atrás de ressaltos, passes falhados, pontapés para a frente e bolas a voarem. O clássico dizia-lhe bem-vindo e André respondia com correrias que nada valiam. Via-se que queria estar em todo o lado e até era quem mais perto estava de Iker Casillas, aos 8’ e aos 11’, quando o espanhol, em dois cantos seguidos, defendeu bolas vindas da cabeça de Mitroglou e não deixou que ali houvesse golo. O mais pequeno dos médios portistas via o guarda-redes agigantar-se nas suas barbas para não deixar que o Benfica começasse ainda melhor do que começou.

Os encarnados foram os primeiros a mandar a bola ficar pela relva. Gaitán fazia a vida negra ao amigo Maxi enquanto Mitroglou se mostrava às tabelas que Jonas queria fazer. O brasileiro andava por onde queria e André, tal como Rúben Neves e Imbula, não atinava com as vezes em que o avançado saía da área para pedir a bola. Pequeno, barbudo e careca, o médio queria mostrar-se à equipa, mas o treinador mandava-o esconder-se entre os médios do Benfica, no meio campo adversário. Corria muito e tocava pouco na bola enquanto os rivais lisboetas fechavam tão bem os espaços que não deixavam o FC Porto acertar com um remate na baliza. O clássico estava intenso, aceso pela importância do jogo e, às tantas, incendiado pelo sururu que, aos 35’, Maxi Pereira criou com Nico Gaitán.

As chamas serviram para acordar os dragões. André, ordenado ou por vontade própria, começou a fugir para as linhas. Experimentou dar uma ajuda aos extremos e a bola começou a dizer-lhe mais olás — o médio criava tabelas e jogadas de 2-para-1 com Brahimi ou Corona enquanto Aboubakar, farto de estar na área, começou a fugir dela e a arrastar os centrais encarnados com ele. Os espaços já apareciam, o FC Porto melhorava e André André ia dando pistas de que podia ser importante. Lopetegui farejou uma das pistas e, no recanto do balneário — já depois de Maicon “animar” o clássico com uma patada tentada, mas falhada, em Jonas, enquanto o árbitro apitava para o intervalo –, pediu ao português que cortasse amizades com os médios e se tornasse mais amigo de Aboubakar.

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Foto: ESTELA SILVA/LUSA

Foto: ESTELA SILVA/LUSA

André obedeceu e, mal a bola começou a rolar, levou a sua cabeça rapada para longe do meio campo e para bem perto da área. Tornou-se um quase-avançado e resolveu esconder-se entre os centrais e os laterais. Depois, de repente, fugia, como aos 48’, quando perto da área cruzou a bola que Aboubakar cabeceia contra o poste da baliza. Pela primeira vez dava nas vistas no clássico. A tal pica cresceu-lhe no corpo e, depois, rara passou a ser a jogada em que não parava quieto a pedir a bola entre a defesa e o meio campo do Benfica. Obrigou Samaris a persegui-lo para todo o lado e a deixar André Almeida sozinho a cuidar de uma zona que Brahimi, Imbula e Rúben Neves não paravam de invadir. O número 20 do FC Porto começava a dar nas vistas e a equipa via-o cada vez mais. Aos 58’, uma bola acabadinha de ser roubada a meio campo foi-lhe posta nos pés para que ele inventasse o passe rasteiro que deixou Aboubakar à frente de Júlio César. O golo não apareceu, mas André nunca mais desapareceria do jogo.

Os dragões iam engolindo os encarnados, que já não conseguiam fazer a bola chegar a Jonas e cansavam Gaitán e Gonçalo Guedes em tentativas de contra-ataque que em nada resultavam. Os extremos iam ficando com as pernas pesadas e cada minuto que passava mostrava-os a demorarem mais tempo a recuarem para ajudarem os laterais. Nélson Semedo e Eliseu estavam cada vez mais sozinhos contra Brahimi e Varela — e André André lá aparecia para lhes tramar ainda mais a vida. O médio mascarado de avançado já aparecia em todo o lado. O Benfica mal atacava e defendia como podia e não como queria: com poucos homens, muitas faltas e sem antecipar o que fosse. O cansaço parecia tomar conta de tudo.

Por isso nenhum encarnado reparou no que a correria da esquerda para dentro de Brahimi ia dar. Osvaldo, o avançado, tinha-se pirado da área e arrastado atenções para que Varela lá aparecesse para receber um passe rasteiro do argelino e, com um toque de calcanhar, ajeitar a bola para o sprint de alguém que estava prester a passar por ali. Era André, que apanhou a bola e, à saída de Júlio César, rematou em jeito para, aos 86’, fazer o 1-0 no primeiro clássico em que aparecia. Gritou, saltou, fechou os olhos, celebrou e talvez pensou no pai, António André, que lhe mostrou o que era jogar no FC Porto, o fez ter um nome igual ao apelido e que, em 41 jogos no campeonato contra o Benfica, nunca marcou um golo. Agora era o filho a mostrar ao pai como se decidia um clássico.

E quando o árbitro apitou já toda a sabia uma coisa: que era ele, o miúdo que tem um pai portista, que o FC Porto fez capitão ao terceiro treino nos juniores e não quis ficar com ele, que teve de dar nas vistas noutros sítios para o clube o ver e ir buscar, o homem do clássico. Foi-o porque o André da primeira parte já não era o André da segunda — o tímido passou a reclamar pela bola, o perdido tornou-se certeiro nos espaços onde aparecia, o pouco vistoso transformou-se no jogador que dava nas vistas a cada jogada perigosa que os dragões faziam. Um André começou o clássico e outro André resolveu-o — e o FC Porto deverá querer ver mais do segundo durante a temporada. E se lhe começasse a chamar só André?