É um hábito que o Sporting deu aos jornalistas. Um dia ou dois antes de cada jogo a contagem dos e-mails por ler ganha um número. Abre-se a caixa de entrada e lá está uma mensagem enviada pela comunicação dos leões. O conteúdo nunca varia nem foge ao essencial: estes e-mails servem apenas para revelar os convocados para o próximo jogo. Há lá sempre uma lista de nomes e a última não é normal porque entre o 17 de João Mário e o 19 de Téo Gutiérrez não está o 18 de André Carrillo. Dizem que aconteceu pelo segundo jogo seguido porque Bruno Carvalho não quis o que Jorge Jesus queria e obrigou-o a desconvocar o peruano que não quer renovar.

No meio de tanta picardia de intenções Gelson Martins sorriu porque à estreia a titular na Liga Europa seguiu-se outra no campeonato. O miúdo deu velocidade na direita para compensar a pausa de Bryan Ruiz à esquerda, mas aos 12’ arranca com rapidez a mais para receber o senhor passe que João Mário, a 30 uns metros, faz para que a bola o encontre na área. Ele viajar pelo ar, bate na relva e ressalta demasiado alto para que o extremo a domine como deve ser. Três minutos depois fá-lo bem para receber um passe de Slimani e rematar a bola rasteira, ao lado do poste. Durante muito tempo isto é do melhor que se vê o Sporting fazer. Os passes não ajudam porque saem muitas vezes mal, sobretudo entre Téo e Slimani ou Adrien e João Mário, as parcerias que mais deviam funcionar na equipa mas não que demoram a atinar.

A atacar, os leões parecem preocupar-se apenas em fazer as coisas rápido sem garantir que elas são bem feitas. É o risco em troca do calculismo e com isto as jogadas sofrem. O Nacional da Madeira não arrisca na pressão, talvez por Manuel Machado já ter muitos anos disto (já vão quase 300 jogos a treinar na primeira liga), ter visto as últimas partidas do Sporting e saber que a equipa de JJ tem andado a precaver-se muito pouco contra os sarilhos que são as bolas perdidas no meio campo contrário — são elas que dão contra-ataques ao adversário e têm mostrado como o Sporting ainda não os consegue prevenir. Ou parar. Até ao intervalo os madeirenses têm uns quatro ou cinco em que chegam à área leonina com tantos jogadores a atacar quantos o Sporting tem a defender, e só acabam a rematar porque o últimos dos passes é sempre mal feito.

A pressão e os jogadores a quererem logo roubar a bola, à queima, nunca sai aos leões, e não há uma vez em que o Sporting recupere uma bola segundos depois de a perder no ataque. Entre os sustos há uma bomba que Jefferson dispara a 30 metros da baliza para Rui Silva desviar para o lado, aos 23’, e um remate frouxo de Slimani, aos 28’, num livre combinado para deixar o argelino sozinho na área. A bola passa mais de 60% do seu tempo em pés leoninos e a companhia aumenta a partir dos 32’, quando o lateral esquerdo Sequeira vê o segundo amarelo ao derrubar Slimani com um encosto de ombro. O jogador a mais não muda grande coisa e até toda a gente ir descansar os leões não rematam uma vez à baliza madeirense. O Sporting chegava ao intervalo sem golos marcados, algo que só acontecera duas vezes — contra o CSKA e o Lokomotiv, as equipas de Moscovo que deram as únicas derrotas da época.

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Nacional's defender Nuno Sequeira (L) is shown a red card by referee Fabio Verissimo (R) during the Portuguese Liga football match Sporting CP vs CD Nacional at the Alvalade stadium in Lisbon on September 21, 2015. AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Foi a segunda vez nesta liga que o Sporting ficou com mais um jogador em campo que o adversário. Já acontecera frente à Académica, na segunda jornada. Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

Depois a bola fortalece a amizade com o Sporting e amua com o Nacional. O homem a menos nota-se, e bem, na segunda parte, e mostra como jogar com 10 bem mais tramado quando se tem de atacar do que nas alturas em que se defende. Os madeirenses deixam de conseguir lançar contra-ataque e as bolas pelo ar e passes com pressa que tentam fazer chegar a Soares, o avançado, são quase sempre bloqueados por Paulo Oliveira. Os leões passam a estar tranquilos atrás sem que ficarem certeiros à frente.

Os passes que parecerem fáceis mas acabam mal feitos sucedem-se. Ruiz não dá nada ao jogo enquanto é um meio-extremo, meio médio, e Gelson, do outro lado, repete fintas e não cruza quando tem espaço para o fazer — como Carrillo fazia, há uns anos. João Mário não vê espaços para inventar passes no meio dos madeirenses que se juntam em torno da área. E Jefferson nem por uma vez tira um cruzamento tenso, dos bons, que sempre costuma tirar — nem ele, nem ninguém. Os minutos passam, a pressa aumenta e a pressão também, porque em jogo está a hipótese de, em caso de três pontos conquistados, igualar o FC Porto no topo do campeonato e ficar com quatro a mais que o Benfica. Slimani, primeiro com a cabeça (59′) e depois com o pé direito (79′), consegue rematar a bola na área, mas a fixa sempre a mira nas mãos de Rui Silva. Pelo meio o Sporting não arranja maneira de seduzir os jogadores do Nacional a distraírem-se com os passes trocados à sua frente ou com a vontade de tentarem roubar a bola aos leões.

O tempo corria e “cada minuto que passava tornava a tarefa mais difícil”, dizia Fredy Montero, no final, enquanto bebericava água depois de entrar aos 54′. Não estava para sorrisos, embora fosse o único a ter razões para isso. Porque depois de, na área, disparar uma bomba que passou muito pouco ao lado do poste, o colombiano resolveu sair da área, ir à esquerda do ataque e tocar na bola que pouco lhe chegava. Pediu-a, virou-se, deu um passe para encontrar Carlos Mané na área e pôs-se a mexer para dar à jogada uma tabela. O português percebeu, devolveu-lhe a bola e o avançado, de primeira, rematou em jeito para fazer o 1-0 a uma equipa que além de se fartar de defender, fê-lo sempre bem. O estádio explodia com o barulho dos adeptos, o relógio estava nos 86′. O que faltava jogar não foi nada tranquilo, já que os passes que pareciam simples continuaram a ser falhados e um Nacional com 10 passou, de repente, a atacar como se tivesse 11. O golo não fez com que o Sporting controlasse, de vez, o jogo, mesmo que, antes de o árbitro dar o último apito, Mané ainda pudesse ter marcado com um remate de canhota à entrada da área.

O fim do jogo foi um alívio valente, mesmo que Jesus tenha abanado a cabeça e negado que o Sporting andou uma hora e meia ansioso com a hipótese de se manter colado a um rival e de fugir a outro. Os leões tiveram a paciência de manter um adversário encostado à área enquanto as tentativas de o desmontar não saíam bem. Valeu-lhe a confiança que hoje mora com Fredy Montero e que tanta diferença no jogador que o colombiano é quando a tem — foi o segundo jogo seguido em que começou no banco e entrou para marcar. À décima partida na temporada o Sporting voltou a não sofrer golos, algo que já não acontecia desde 9 de agosto, quando conquistou a Super Taça. Já era algum tempo, mas não tanto como o que passou desde a última vez em que os leões tiveram 13 pontos com cinco jornadas feitas no campeonato: não acontecia desde 1995/96, quando o bigode de Carlos Queiroz ainda mandava em Alvalade.

O Sporting continua sem Carrillo, mas continua também, já dizia JJ, a liderar o campeonato a par de um adversário “que tem jogadores de muita qualidade” e tem agora mais quatro pontos do que “um bicampeão”. E conseguiu-o numa noite em que quase tudo emperrou menos a confiança de um colombiano que nem sempre a tem.