Em português, Sant Pere d’Or significa São Pedro do Ouro. É daí que deriva o nome de uma terra pequena, mas cheia de História, perdida entre as serranias da Catalunha: Santpedor. Se não fosse por lá ter nascido um dos maiores ídolos do futebol catalão, Santpedor estaria muito provavelmente votada à indiferença e teria apenas para mostrar ao mundo os muitos vestígios medievais que pululam no centro histórico. Mas em Santpedor nasceu Pep Guardiola, jogador e treinador de futebol, independentista convicto e candidato às eleições regionais que se disputam no próximo domingo.

El noi de Santpedor (tradução: o miúdo de Santpedor), como Guardiola é carinhosamente tratado por aquelas bandas, não tem quaisquer hipóteses de ser eleito, pois ocupa o último lugar das listas do Juntos Pelo Sim à região de Barcelona. Isso, no entanto, não impediu que a pequena vila fosse invadida por jornalistas nos últimos meses. Em maio, quando o Barcelona jogou contra o Bayern para a Liga dos Campeões, o povo dividiu-se entre o apoio ao filho da terra (que treina os alemães e tem um estádio com o seu nome ali) e o apoio aos blaugrana. Numa coisa todos parecem estar de acordo: Santpedor quer a independência da Catalunha tão rapidamente quanto possível. Como Pep.

“Já não há volta atrás”, diz o treinador catalão neste vídeo. Mais à frente, explica o que um amigo economista lhe perguntou:

“Pep, imaginas-te um dia a ter a plena soberania para fazer um Estado próprio a partir do zero? Fazer tudo desde o zero? Com os melhores economistas para fazer uma economia mais próspera e mais justa? Com os melhores juristas que façam as melhores leis? Com o fator de identidade que é a língua? Esta é a possibilidade que temos, de fazer um país novo, desde o zero, mais justo para todas e para todos.”

Pouco depois, cita o cantor e também candidato eleitoral Luís Llach:

“Esta é a maior revolução democrática que existiu nos últimos anos.”

A descrição idílica que Guardiola faz de uma Catalunha livre parece contrastar com o que têm dito os partidos anti-independência nos últimos dias, bem como com o que tem feito manchetes nos jornais de Madrid: que o país não será reconhecido por ninguém; que sairá da União Europeia; que os catalães não vão poder levantar dinheiro; que não vão ter acesso às reformas e, last but not least, que o Barcelona vai deixar de jogar na Liga Espanhola.

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Ainda esta terça-feira, o primeiro-ministro espanhol — que anda há vários dias em campanha sob o lema de que há uma Catalunha que está a ser silenciada — voltou a descrever o líder da Generalitat, Artur Mas (do Juntos Pelo Sim), como “uma ameaça” para os próprios catalães. “Em Espanha, a lei vai ser cumprida e vai-se respeitar a unidade do nosso país e a soberania nacional. É a minha obrigação”, disse Mariano Rajoy em entrevista à rádio Onda Cero.

A entrevista não passou despercebida aos jornais catalães, que rapidamente escreveram que Rajoy demonstrou fraco conhecimento da Constituição espanhola. É que o primeiro-ministro deu a entender que os catalães, uma vez a região se separasse, perdiam o direito à nacionalidade espanhola. Ora, a lei fundamental do país proíbe-o. O El Periódico e o Ara, abertamente independentistas, noticiaram a gafe e assinalaram uma aparente contradição entre o facto de Rajoy se escudar na Constituição para impedir a separação da Catalunha e não saber o que lá está escrito.

Até ao último voto…

Mas voltando a Pep. A decisão de se juntar a uma lista eleitoral pela independência não surpreendeu ninguém, escrevem o El Mundo e o El Confidencial. É que o treinador, outrora estrela dos relvados no Barça, sempre apoiou a secessão catalã. E agora que o seu nome aparece em último lugar da lista de candidatos a deputados pelo círculo de Barcelona, até a casa dos pais, em Santpedor, serviu de base à campanha pelo sim. O líder das listas, Raül Romeva i Rueda, dormiu lá uma noite.

Apesar de estar num lugar não-elegível e de a campanha que faz se reduzir a uns quantos vídeos promocionais, o nome de Guardiola dá notoriedade à candidatura do Juntos Pelo Sim, que está, segundo todas as sondagens, a caminho de uma enorme vitória eleitoral. Para lá de Pep e Luís Llach, o Juntos Pelo Sim conseguiu atrair vários escritores e figuras públicas para as listas — além de ter recebido o apoio de muitas pessoas em toda a Catalunha. O mais recente veio de um grupo de cientistas proeminentes, que querem ver a ciência mais financiada no novo Estado.

Daqui até domingo, todos os partidos vão apostar tudo por tudo pelo voto dos muitos indecisos que ainda há. Rajoy continuará por terras catalãs; o líder do PSOE Pedro Sánchez vai puxar o histórico socialista Filipe González para a campanha; Pablo Iglesias vai tentar aumentar a influência do Podemos no país e Albert Rivera, dos Ciutadans, vai querer consolidar o segundo lugar que os estudos de opinião lhe apontam. Para isso recorre a uma carismática cabeça-de-lista, Inés Arrimadas.