Em Barcelona mora o “teatros dos sonhos” para os jovens futebolistas. La Masia é uma espécie de Academia de Alcochete ou do Seixal que deu ao futebol mundial nomes como Iniesta, Xavi, Puyol ou Lionel Messi. Miúdos da América do Sul e do Norte, África, Ásia e de toda a Europa vivem, estudam e jogam lá para se tornarem na nova referência do clube catalão e do futebol europeu. Mas a FIFA quer que eles saiam. E que esqueçam os seus sonhos.

Tudo começou em 2013, quando o órgão máximo do futebol mundial, respondendo a duas denúncias anónimas, inviabilizou a inscrição de seis jogadores, todos menores de idade, dos escalões jovens do Barcelona. Assim, três coreanos, um francês, um holandês de origem nigeriana e um camaronês tiveram que regressar a casa. As denúncias tinham como base a violação das regras sobre as transferências de jogadores estrangeiros com menos de 18 anos. E, segundo contou, na altura, o El Pais, as queixas sobre os jogadores coreanos tiveram origem na própria Federação do país asiático.

O Barcelona chegou a admitir que não respeitou algumas regras necessárias à troca de país de jogadores menores. É que a sua inscrição só pode ser feita se forem respeitados os seguintes requisitos: se os encarregados de educação mudarem de país, por razões extra-futebol e com residência no país do clube; se a transferência se realizar dentro da União Europeia ou dentro do Espaço Económico Europeu, mas apenas para jovens com idades entre os 16 e os 18 anos; ou se o jogador, enquanto jogar no clube, viver em sua casa a uma distância menor do que 50 km da fronteira. Esta situação teve consequências que chegaram à equipa principal do atual campeão espanhol.

Em 2014, a FIFA anunciou que proibiu o Barcelona de inscrever jogadores durante um ano. Isto é, o clube catalão ficou impedido de realizar contratações entre 2014 e 2015. Para além disto teve que desembolsar cerca de 370 mil euros de multa. Tudo porque foram encontradas irregularidades na contratação de dez jogadores menores de idade. Mais tarde foi esclarecido que a decisão incidia apenas na inscrição dos jogadores. Ou seja, o Barça pode contratar, mas só os pode inscrever em 2016. No entanto, os miúdos de La Masia continuam com o futuro incerto.

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É o caso de Ben Lederman. A história do miúdo de 15 anos é contada pelo El Pais, e dá conta de como a FIFA descobriu o caso da jovem promessa americana. Foi uma entrevista a origem de todos os problemas. Ben treinava em La Masia e contou a um jornalista que tinha um sonho, que era de ser futebolista. E que um dia recebeu um coelho e chamou-lhe Messi. O órgão presidido por Joseph Blatter soube desta conversa publicada na imprensa americana e denunciou a situação. A razão é a de sempre. Desrespeito pelas regras de contratação de menores. E o americano ficou impedido de viver, estudar e jogar na escola de futebol catalã.

Fotografia da conta de Facebook de Ben Lederman

Fotografia da conta de Facebook de Ben Lederman

O pai, Danny Lederman, não aceita a decisão e refere, citado pelo jornal espanhol, que “a FIFA não pode decidir o futuro” do seu filho.

Sei que o litígio vai ser caro, mas vamos recorrer ao TAS (Tribunal Arbitral do Desporto), mesmo que já ninguém consiga repor a ilusão do meu filho de estar na universidade do futebol. Mas também penso no resto dos miúdos que estão na mesma situação e faço-o pelos seus sonhos.”

Danny conta que se mudou para Barcelona por razões profissionais e que falou com os treinadores da escola onde o filho jogava em Los Angeles, para conseguir um teste em La Masia. E conseguiu. Ou seja, os requisitos acima descritos foram respeitados, segundo conta Lederman. Agora o teste do filho pode ter terminado de vez. Sem conter a revolta, acusa a FIFA de não se importar com as crianças – acrescetando que “o que lhes importa é o dinheiro, os Mundiais e o benefício próprio.”

A FIFA não pode controlar a minha vida nem a do meu filho. Se escolhemos viver aqui deve-se respeitar esse direito. É legal. A FIFA nem sequer olhou para o nosso caso, nem sequer teve em conta o fato de já estarmos a viver aqui juntos. O problema é que não se interessam por nada.”

A terminar, Danny lança ainda a pergunta: “O que vai ser feito dos miúdos que vieram de países como os Camarões?” – como Patrice, outra promessa que não passará disso mesmo. O “Teatro dos Sonhos” do futebol jovem está a transformar-se num “Teatro dos Pesadelos”.