A realidade “é um filme de terror” e o PS anda um bocado “a brincar como se isto fosse o filme do Bambi”. Costa sorri, mas ouve o aviso deixado por uma professora. No dia em que a campanha rumou ao litoral, o líder socialista recebeu um novo alento com os resultados do défice, que lhe deram o discurso que lhe estava a faltar contra a coligação. E depois de ouvir o aviso de que não andava a mostrar o “pesadelo” da realidade, Costa irritou-se e inflamou o discurso atirando a Portas o “dinheiro dos submarinos que comprou” e “as brincadeiras e a roubalheira dos amigalhaços do BPN”. Estava feita a entrada a pés juntos, no dia em que começou a passar a bola ao socialista que lhe quer suceder no futuro.

Um dia chega a radicalização do discurso, que por norma anda associado a equilíbrios nas sondagens. Ontem foi o dia. Costa deu uma guinada na estratégia central de campanha, deu enfoque às acusações políticas, quando até aqui se tinha concentrado mais nas políticas públicas. O dia até esteve recheado delas, em eventos com mensagens políticas definidas, mas à noite chegou a altura de se concentrar na luta direta contra o adversário com alvo nas justificações de Paulo Portas e Passos Coelho para o aumento do défice por causa do adiamento da venda do Novo Banco. Portas disse que era um ajustamento estatístico e ouviu do líder socialista a acusação:

“Ó doutor Portas, não era um mero registo contabilístico quando os défices aumentaram porque tivemos de registar os submarinos que o senhor comprou? Não era um mero registo contabilístico quanto tivemos de mobilizar dinheiro para procurar estabilizar o sistema bancário depois das brincadeiras e da roubalheira dos seus amigalhaços do BPN?”

E com isto, Costa deu resposta ao conselho de uma professora que ouviu durante uma visita ao instituto I3S, ainda por inaugurar. A professora citou Pacheco Pereira, que comparou a realidade a um filme de terror e não ao filme do Bambi, para dizer a Costa: “O PS está a brincar com isto como se fosse o Bambi”. Costa não se atrapalhou na resposta, lembrou que o Bambi até “foi mal escolhido” porque é um filme bem triste. Mas se até chegar ao distrito de Aveiro, Costa pode ter andando um pouco “Bambi”, com os dados do INE ficou com um sorriso nos lábios e os argumentos no punho que foi batendo no palanque enquanto discursava.

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O PS acredita que este pode ser o momento de viragem da campanha para Costa, que viu que a estratégia levada até agora não o fazia descolar nas sondagens e na caravana esse equilíbrio sentia-se por não sentir a onda vencedora nas ruas. Mas o que está por detrás pode no entanto ser uma presente envenenado deixado por Passos Coelho: uma provável recapitalização do Novo Banco deverá fazer resvalar o défice deste ano e dar ao PS piores condições para governar caso seja eleito. Ou seja, piora a base de partida para o futuro Governo que para atingir as metas acordadas com Bruxelas terá de levar a cabo medidas adicionais.

Perante esta dificuldade, o PS apressou-se a dizer, pela voz do cabeça-de-lista por Aveiro, Pedro Nuno Santos, que números do défice são “uma herança pesada, mas o PS está pronto para governar” e que nada mudará nas medidas que o partido quer levar a cabo: “As medidas do PS são a única forma de sair do buraco em que Pedro Passos Coelho nos meteu”. O deputado lembrou ainda que se houver (e disse que é muito provável que haja) uma capitalização do banco, “quem terá de injetar dinheiro é o fundo de resolução e os contribuintes portugueses”. E Costa foi na mesma senda, garantindo: “Com este resultado não temos de alterar em nada o nosso programa, porque tínhamos uma previsão com o serviço da dívida que conforta este resultado. Porque tínhamos uma previsão realista. Apesar deste fracasso do Governo, podemos dizer que o nosso programa mantém-se sólido mantém-se credível e é uma base para uma nova política”.

E na base dessa nova política está a educação e a inovação. E foi sobre estas duas áreas para as quais preparou eventos com mensagens específicas: uma visita a uma escola para falar dos cortes no ensino especial; uma visita ao Conservatório de Música de Águeda para mostrar as dificuldades dos alunos por causa do corte no financiamento do ensino artístico; um debate sobre educação em Oliveira de Azeméis, onde prometeu rever os exames de admissão de docentes e garantir-lhes que as reformas que fizer não serão contra os professores; e uma visita ao centro I3S, o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto, para garantir que vai investir na investigação e dar contratos de trabalho a bolseiros .

O dia do início da preparação do futuro do partido

Costa gostou de ouvir o “jovem turco”, que chamou para o seu núcleo duro apesar de ser uma relação mais tática do que próxima. Tratam-se por “você”, mas o atual líder socialista aproveitou para brincar com aquele que pode vir a disputar a liderança a seguir à sua no partido; seja depois das legislativas (caso perca) seja depois de abandonar o Governo.

Os dois rodeados por alunos e jornalistas numa escola em Águeda, de fato e gravata – para “ajudar a proteger a voz”, justifica Costa – para uma jogada: “Olhe que isto tem um profundo significado político. Eu passo-lhe a bola”. E passou. Pedro Nuno Santos, conhecido por ser mais a esquerda, recebe a bola política com gosto. Ainda lhe dizem que os sapatos que tem calçados não servem para o futebol, mas não era essa a jogada naquele momento. Afinal o que tinha aos pés era o tal “significado político”. Junte-se futebol e política: “Jogo com o pé esquerdo e direito”, disse.