Passam-lhe a bola. Ele recebe, domina-a enquanto se vira, ergue os olhos e, ali à beira da área, relembra-se onde está a baliza. Aí vê uns quantos adversários à frente e apercebe-se que tem um problema por resolver. Tem a hipótese de os tentar driblar a todos, de os ultrapassar à lei da técnica e descortinar espaço para rematar. Se resulta é bonito, o adepto aplaude e a moral incha, mas é difícil. Mais fácil é procurar alguém da mesma equipa, passar-lhe a bola, dar corda às pernas e dar o sinal de que é suposto haver ali uma tabela para que lhe devolvam a bola. Se resulta também é bonita, as palmas aparecem na mesma, a confiança aumenta e mais: não dá tanto trabalho. É por isso que há quem veja uma tabela como a melhor finta e a que, de uma vez, é capaz de driblar vários pares de pernas.

Mas se fazê-la fosse tão fácil como explicá-la por escrito o futebol era isto e mais nada. Jonas adora tabelas. Já as faz há anos e não há jogo que não tente desencantá-las perto da área. Os encarnados sabem-no e sempre que alguém lhe passa uma bola desata a correr por saber que o brasileiro está doidinho por lhe devolver o passe. O problema é que Jonas já anda em Portugal há um ano e este engodo não é novidade para jogadores e treinadores adversários. Mas até ao intervalo o Benfica insiste, em cada ataque, em fazer de Jonas o centro de todos os passes e a origem de qualquer tabela. Consegue-o logo aos 4’, quando Gonçalo Guedes faz um toca-e-vai à entrada da área e a bola que o brasileiro lhe devolve só não dá golo porque Marafona se atira aos pés do miúdo. Jonas suspira.

E volta a fazê-lo pouco depois, aos 15’, quando argentino que se fez seu amigo nesta amizade das tabelas lhe dá a bola na esquerda, arranca e, na área, recebe o passe de Jonas. Mas a bola que Gaitán pica no ar ainda é tocada por Marafona e aterra na rede que está no topo da baliza. Estas são as duas vezes em que a jogada que os encarnados mais tentam dá resultado. Tudo o resto — os cruzamentos rasteiros de Eliseu, as arrancadas de Nélson Semedo desde o meio campo, os passes com que Samaris tenta descobrir Mitroglou — não dão certo pois o Paços de Ferreira chateia o Benfica como poucas equipas o incomodam na Luz. Os castores ali chegam atrevidos, sempre com três ou quatro jogadores, de uma vez, a pressionarem a defesa encarnadas, tentando que haja logo ali um passe dos maus ou um chutão para a frente. Jonas não gosta disto e recua muita para dar mais uma opção a quem tem de passar a bola.

Consegue-o muitas vezes. Samaris e André Almeida nem sempre se mexem o suficiente para terem uns metros de espaços e, por isso, Luisão e Jardel multiplicam os passes para o lado. Aos 6’ é Diogo Jota quem apanha um para, à entrada da área, rematar rasteiro e ao lado da baliza. Com 21’ no relógio é Jardel quem se estica no tempo de espera para soltar a bola e, quando o faz, está tão pressionado que o passe vai direito a Christian, que entra na área a correr e dispara um remate que falha a baliza por pouco. Este Paços a pressionar lá à frente dá uma carga de trabalhos quando os encarnados querem começar jogadas e chateia ainda mais quando opta por contra atacar com Diogo Jota, Roniel ou Christian a correrem com a bola no pé em vez de tentar passes rápidos e diretos. As coberturas — quando um jogador fecha nas costas de quem está 1-para-1 com um adversário — encarnadas são poucas e mal funcionam. Até se vê Jonas a ir ajudar a defender perto da área do Benfica.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Paços ataca com tino, tem tudo estudado a defender e o Benfica treme porque há pouca coisa que lhe sai. O jogo só muda quando alguém de quem se esperam tabelas decide dar uma matéria nova. Muda com um golo, porque a primeira bola que Jonas recebe e não devolve a quem a passou deixa o brasileiro com espaço para se virar, correr uns metros e, à entrada da área, reparar que Marafona está onde não devia (um pouco adiantado). À ideia de não fazer a tabela do costume Jonas junta um remate de canhota, em jeito, que faz a bola entrar perto do ângulo superior esquerdo da baliza. O 1-0 aparece aos 34’ em forma de golaço. Como o inesperado resulta, Jonas volta a não fazer a tabela que lhe pedem e, à entrada da área, remata outra vez de pé esquerdo e outro golo dos bons quase aparece.

Benfica's Brazilian forward Jonas Oliveira (L) celebrates with his teammate Benfica's forward Goncalo Guedes (R) after scoring during the Portuguese league football match SL Benfica vs FC Pacos de Ferreira at the Luz stadium in Lisbon on September 26, 2015. AFP PHOTO / PATRICIA MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

A segunda parte é diferente pela energia que antes abundava e começa a escassear nas pernas dos pacences. Os de amarelo já não pressionam tanto, a defesa encarnada fica à vontade para decidir o que fazer à bola e os contra-ataques do Paços já não saem tantas vezes. O Benfica demora a aumentar o ritmo das jogadas para aproveitar a menor velocidade de reação dos adversários. Jonas é precioso por ter pés que recebem, aguentam ou devolvem a bola com certidão de segurança. É ele que aos 60’ decide acelerar um ataque encarnado, quando inventa um passe que casa com a desmarcação de Mitroglou e deixa o grego apenas com Marafona à frente. O avançado finta o guarda-redes, mas abranda demais a bola e dá o tempo que as luvas do português precisam para se voltarem a esticar e bloquear o remate que tinha uma baliza deserta como alvo.

A cada minuto contado o Paços avançava um metros a menos a cada ataque que tenta. Surgia a impressão que cada aceleração do Benfica podia demonstar a defesas dos castores e isso confirmou-se aos 67’, quando Jonas, longa da área, mandou a bola ir com pressa, pelo ar, ter com Gaitán, à esquerda da área. Tão rápida ia que o argentino teve uma carga de trabalho para a controlar e, quando a tinha dominada, já estava com dois adversários à frente. Ou seja, se ali estavam dois do Paços haveria alguém do Benfica livre — era Gonçalo Guedes, a quem o argentino passou a bola para o português, na área, a rematar ao segundo toque e agradecer ao ressalto que a desviou de Marafona, a tornou no 2-0 e deu ao miúdo o primeiro golo pelo Benfica (ao décimo encontro no campeonato). E Jonas ria e sorria ao celebrar com o menino de 18 anos.

Não havia jogadas ao primeiro toque, extremos a fintar para depois cruzarem ou éne remates a acertarem na baliza. Os encarnados abrandavam mais do que aceleravam e faziam por terem paciência para esperarem por distrações dos adversários. Foi isso que Gaitán fez, quando na esquerda não cruzou logo a bola e esperou que Guedes, do outro lado, entrasse na área. Ninguém foi atrás do português, que teve espaço para receber um cruzamento perto do segundo poste e, de primeira, passar a bola dois metros para trás. Logo para Jonas, que ciente do pouco tempo e espaço que tinha, a rematou com a biqueira da bota. O remate não foi bonito, mas eficaz para fazer o 3-0, o sétimo golo do brasileira na liga e o oitavo bis de Jonas desde que chegou ao Benfica. O Paços de Ferreira sofria três golos pela segunda jornada seguida e, com o resultado quase perdido, atreveu-se a ir uma e outra vez lá à frente, mas as bolas que levou à área do Benfica nunca deram em remate. Apenas Luisão, num canto, voltou a fazê-lo, quando saltou para usar a cabeça e rematar uma bola ao poste. O ressalto foi de Jonas, que ficou com cãibras por se esticar todo e inventar uma espécie de remate acrobático que não acertou com a bola na baliza.

O nome do brasileiro aparece em todos os parágrafos deste texto porque ele criou, participou ou acabou com todas as jogadas que o Benfica acertou. Um jogador não faz uma equipa, mas uma equipa é melhor com certos jogadores. Jonas é um deles e os encarnados devem-lhe um obrigado pela vitória que lhes permitiu reduzir para dois pontos a diferença para o FC Porto no campeonato. Gaitán costuma segui-lo de perto, mas o argentino não deu tanto nas vistas como André Almeida, o patinho que costumava ser visto como feio e que, no meio campo, fez mais que Samaris.