Perante o compromisso de Portugal receber 5 mil refugiados até 2020, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) comenta que o número de pessoas a serem acolhidas é “generoso”. Ainda assim, sublinha o responsável pela ACNUR em Portugal, Beat Schuler, “isto ainda é só o início e não o fim” e que “a Síria está a produzir um número cada vez maior de refugiados”.

“É um começo e um esforço incríveis para um país como Portugal dizer ‘nós conseguimos aceitar 5 mil pessoas'”, afirmou ao Observador o responsável pela ACNUR, que também tem sob a sua alçada outros quatro países do Sul da Europa: Itália, Grécia, Espanha, Malta e Chipre. “Estou muito feliz por as preparações estarem finalmente num estado avançado em Portugal.” Schuler esteve em Portugal entre terça e sexta-feira para aferir a capacidade e disponibilidade de várias instituições e organizações do país para o acolhimento de refugiados.

Segundo o jornal Público de sexta-feira, há 100 instituições e 144 municípios disponíveis para acolher refugiados no país. Destes últimos, Lisboa foi o que abriu a porta a um maior número de pessoas: ao todo, 500. Para tal, a Câmara Municipal de Lisboa já anunciou que vai alocar cerca de dois milhões de euros ao acolhimento de meio milhar de refugiados.

A nível nacional, Portugal pode receber 70 milhões de euros da Comissão Europeia para receber refugiados. Além disso, no caso de ser necessária a construção de infraestruturas para acolher temporariamente refugiados, o Banco para o Desenvolvimento do Conselho Europeu “já nos deu bons sinais de que estariam disponível para fazer empréstimo ou um donativo, dependendo da situação“, garantiu Schuler. “Eles estão disponíveis para ajudar se Portugal precisar de um centro de boas-vindas e transição para refugiados, onde as pessoas realocadas chegariam e onde poderiam ficar durante algumas semanas para depois serem preparadas para irem para os sítios onde vão viver.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sítios esses que não serão, no caso de muitos, aqueles que idealizaram quando partiram para a Europa. Apesar de agora 24 países da União Europeia estarem abertos a receber refugiados distribuídos pelo primeiro sistema de quotas implementado na comunidade, é sabido que a maior parte daqueles que fogem à guerra pretende chegar à Suécia e sobretudo à Alemanha.

“Vai fazer parte do trabalho de todos aqueles que trabalham com os refugiados explicar-lhes quais são as regras e as suas possibilidades e que nem todos podem ir para o sítio que imaginam ao início“, explica Schuler. “Penso que essa questão é facilmente resolvida se o acolhimento for bem feito. Podem chegar pessoas cá a Portugal que vão começar a pensar: ‘Bem, o tempo aqui é bom, as pessoas são simpáticas, os meus filhos vão à escola… Sim, a língua é difícil, mas tenho aulas’.”

Primeiros refugiados chegam entre outubro e novembro

Os primeiros refugiados chegam a Portugal “entre o fim de outubro e o início de novembro”, explica Schuler. Até essa altura, resta esperar. “Já toda a gente está quase pronta para ajudar”, disse Schuler, que admitiu ter notado um aumento de instituições e de pessoas a oferecerem apoio depois de a fotografia de Aylan Kurdi, o menino sírio de três anos morto numa praia turca ter dado a volta ao mundo no início de setembro.

“Mas os mecanismos de realocação são um pouco lentos e burocráticos, levam o seu tempo”, contrapõe. “A nossa vontade era poder pegar em 250 pessoas e conseguir metê-las imediatamente num avião para Portugal, mas infelizmente as coisas não são tão fáceis quanto isso”, lamentou, para depois deixar um desejo: “Espero que esta enorme vontade de ajudar os refugiados ainda exista daqui a dois meses, quando eles finalmente chegarem”.

Segundo Schuler, Portugal deverá receber 1 600 refugiados num espaço de “seis a 12 meses” e que estes deverão chegar “entre o fim de outubro e o início de novembro”. Os restantes 3 400, que perfazem o total de 5 mil acordados em Bruxelas, chegarão ao país até 2020.

Esta é uma pequena fatia dos 120 mil refugiados que, tendo dado entrada em Itália e na Grécia, aguardam que lhes sejam reconhecido o estatuto de refugiados. A maior parte dos países da União Europeia (UE) comprometeu-se a recebê-los num sistema de distribuição por quotas — do grupo de 28 países, apenas a Hungria, Eslováquia, República Checa e Roménia opuseram-se a esta resolução. A Finlândia absteve-se.

“Não vai ser o suficiente para estabilizar a situação”

Logo após o anúncio da resolução europeia, a ACNUR emitiu um comunicado onde dizia que “um programa de realocação por si só, nesta fase da crise, não vai ser o suficiente para estabilizar a situação”, referindo que bastam apenas 20 dias para entrarem outras 120 mil pessoas na Europa — isto se forem tidos em conta o número médio de 6 mil entradas diárias nos meses de verão, altura em que é invariavelmente registado um pico.

Ao Observador, Schuler refere ainda outros dados, que dizem respeito à quantidade de refugiados da Síria que vivem hoje em campos de refugiados nos países vizinhos, como a Turquia e o Líbano. “Só a Turquia tem mais de 2 milhões de sírios refugiados no país e o Líbano, um país pequeno, tem mais de um milhão. Neste momento, uma em cada quatro pessoas no Líbano é um refugiado sírio.”

Ao todo, estima-se que o número de refugiados sírios seja superior a 4 milhões — sendo que apenas cerca de 300 mil chegaram à Europa. Ou seja, aproximadamente 7,5% daqueles que fogem da guerra que assola aquele país desde 2012, quando começaram os primeiros protestos contra o regime de Bashar al-Assad.

Por isso, tendo em conta estes números, Schuler defende que “a Europa precisa de mostrar solidariedade com estas pessoas”, passando depois a falar de outras regiões do mundo. “Os países do Médio Oriente, como a Arábia Saudita, podem e devem fazer muito mais do que aquilo que têm feito para tentar apresentar uma solução a nível mundial para este problema (…). Tal como o Canadá, os Estados Unidos e a Austrália. Sem estes, não é possível dar uma resposta global a este problema.”