Mafalda tem 23 anos, Andreia tem 24 e Rui tem 26. Dois são realizadores e uma é produtora — e estiveram envolvidos em curtas-metragens e documentários que saíram das escolas para as salas. Esta semana, são exibidos no 1º Festival Internacional de Cinema de Economia e Gestão, no Instituto Superior de Econonia e Gestão, em Lisboa.

“O festival pretende ampliar a oferta cultural da escola, sempre no contexto da área na qual dá formação, a Economia e Gestão”, disse ao Observador Bruno Cativo, organizador do festivalEntre 28 e 30 de setembro estão 13 filmes em competição, em três categorias — “Competição Curtas-Metragens”, “Competição Documentários” e “Competição Filmes Escolares”. Fora de concurso serão exibidos mais cinco filmes, no âmbito da mostra FESTin, Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, parceiro do festival.

O Observador falou com três estudantes de cinema da Universidade Lusófona, com filmes a concurso. Eles explicam o que correu bem, o que correu muito bem e o que correu mal.

Rui Neto, 26 anos, realizador

Rui Neto é o realizador de Bestas (2014), com Joana Nicolau, e de Rastos de Pó (2013), dois filmes a concurso na secção “Curtas-metragens escolares”.

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O primeiro filme que realizou, Rastos de Pó, uma curta-metragem de ficção, foi financiado pelos cinco membros da equipa. O custo do filme? Cerca de 100 euros. “Utilizámos material próprio e da faculdade e a rodagem foi em locais gratuitos, ou aos quais tínhamos acesso. Só suportámos os custos da alimentação para os atores e as deslocações“, explica o realizador. “Mas isso foi em termos de dinheiro, porque, por exemplo, precisámos de uma rampa de madeira para o décor do filme e não tivemos que a pagar porque foi construída com ajuda”, explica.

Para realizar Bestas, recorreram a uma campanha de crowdfunding. Para isso, foi realizado um vídeo no qual era apresentada a equipa. “A nossa intenção foi criar uma forma mais pessoal, mais rápida e mais apelativa de partilhar a campanha nas redes sociais”. Pediram 500 euros, conseguiram 525. Cerca de metade dos custos de produção, um pouco mais de mil euros.

Só havia um problema: “Fizemos a campanha, mas a plataforma ficou com uma percentagem de 5% do valor angariado. Como foram  sobretudo amigos próximos e familiares que nos ajudaram teria sido melhor pedir-lhes diretamente para uma conta bancária”, conta Rui.

Para além do crowdfunding, solicitaram ainda financiamento ao Instituto do Cinema e do Audiovisual, que chegou mais tarde. E as cerca de 25 pessoas da equipa também contribuíram. Este modelo de financiamento pode não ser o ideal, em especial para uma longa-metragem, porque os custos são mais elevados, reconhece o realizador.

Acho que termos consciência de que não existe financimento liberta-nos a nível criativo. Quando somos financiados, somos de certa forma constrangidos por quem paga e não podemos ter tanta liberdade”, diz Rui Neto.

Rui Neto

Rui Neto já realizou dois filmes: Rastos de Pó e Bestas

Um filme de ficção vive, em grande parte, do trabalho dos atores. E, aqui, também é preciso encontrar soluções alternativas, por exemplo com atores amadores. O pagamento? Apenas a alimentação e as deslocações. “No Rastos de Pó os miúdos não eram atores sequer. Um era meu vizinho, o outro fui buscá-lo à escola onde fiz o quinto e o sexto ano e o terceiro era amigo de um vizinho meu”, conta Rui. Essa falta de experiência não era um problema: “Eu queria alguém inserido no ambiente onde se passa o filme”. A história é inspirada num episódio real e retrata parte da cultura de um bairro, tal como é vivida por um grupo de jovens, com os seus preconceitos, hierarquias e espírito de sobrevivência.

No caso de Bestas, a personagem principal do filme também não era um profissional. Já Rogério Jacques, o ator mais conhecido a participar no projeto, foi escolhido depois de Rui o ter visto num poster de uma peça de teatro. “Dizemos logo aos atores que o trabalho não é remunerado. Enviamos o guião e se eles gostarem as próprias agências facilitam”, reconhece Rui. Mais: no caso de Bestas, a maior parte do guarda-roupa era dos próprios atores.

O filme conta a história de Lucas, um miúdo de 13 anos que jura vingança ao homem que abusa da mãe, em troca de uma vida miserável. Ganhou o Grande Prémio Universidade Lusófona para Melhor Curta-Metragem de Final de Licenciatura 2014; foi distinguido pela Academia Portuguesa de Cinema com o Grande Prémio Sophia Estudante 2015, cujas recompensas incluem apoios para a produção de uma próxima curta-metragem; e o júri do Fantasporto 2015 atribuiu-lhe a Menção Especial de Criatividade.

No circuito de festivais,  passou pelo Festival Internacional de Escuelas de Cine, no Uruguai, onde foi o único filme português selecionado; fez parte da selecção oficial da edição deste ano do Farcume: Festival Internacional de Curtas-Metragens de Faro; esteve em competição no festival European Short Films  de Amarante; no Festival Porto7; e foi  projectado em Veneza, no âmbito da competição internacional do Ca’Foscari Short Film Festival. Como carta de recomendação, chega?

“Bestas” (2014), de Rui Neto e Joana Nicolau será exibido no dia 28 de setembro, no Auditória CGD, às 18h45m.

Andreia Lourenço, 24 anos, produtora

Atualmente produtora na Benfica TV, Andreia esteve envolvida na produção de O Mal e a Aldeia, outro dos filmes a concurso na secção “Curtas Metragens Escolares” e conhece bem o processo de financiamento de um filme. “São instituições como o ICA e este tipo de festivais que nos continuam a dar o incentivo para continuar. Trabalhar em cinema em Portugal continua a ser um desafio todos os dias. E não só em termos de produção, mas também de espectadores. Poucas pessoas vão ao cinema, apesar de haver cada vez mais cinema e mais festivais”, diz.

Tal como no caso dos filmes de Rui Neto, a equipa é que financiou este filme, que nasceu como um projeto de final de curso. “Apesar de podermos pedir ajuda financeira à Lusófona e ao ICA, para arrancarmos com o projeto tivemos que entrar nós com  dinheiro. Apenas depois de o filme estar concluído é que chegam as verbas, só que não chegam para pagar o filme. Mas já sabíamos que isso ia acontecer”, refere Andreia. O filme foi pago pela equipa de cerca de 30 pessoas, excluindo os atores.

O mais importante para realizar o projeto? Para a jovem produtora, é acreditar. “Acreditávamos na nossa história e não desistimos de a filmar, apesar dos constangimentos relacionados com a falta de verbas”. Para Andreia, “o financiamento condiciona o filme que se faz”, mas não impede de o realizar — o que é preciso é encontrar outras opções criativas e formas alternativas de resolver os problemas.

Às vezes, as dificuldades surgem de onde não se espera: “Para a rodagem, precisávamos de uma mota daquelas das entregas, tipo caixa aberta. Mas, apesar de muitos esforços e pedidos, estava a ser difícil e começámos a filmar sem ela. Não dissemos a ninguém, só eu e o realizador é que sabíamos que não havia mota disponível. Apenas a conseguimos na véspera do dia em que seria necessária”. Era o fim dos problemas? Não era. Depois desta dificuldade, descobriram que o ator Hugo Costa Ramos não sabia guiar a mota. “O Hugo demorou mais tempo a aprender a conduzir do que o tempo que demorou a filmar a cena em si”, conta Andreia.

A estratégia é resolver problemas e adaptar-se. Acreditar no projecto, mas ser rigoroso, quer no planeamento, quer na gestão. Em especial na gestão do tempo dos atores que aceitam colaborar de forma voluntária. “No caso da Custódia Gallego, enviei-lhe o guião e ela gostou muito. Também lhe interessou o facto de ser uma comédia e ter um pouco de crítica de costumes. Nós fizemos cinco dias de rodagem mas tentámos condensar em três dias a filmagem com ela, para lhe tomar o mínimo tempo possível”, lembra Andreia.

Andreia Lourenço foi a produtora de O Mal e a Aldeia

A ideia original do filme foi de Diogo Lima — um dos realizadores –, que é açoriano. “Ele tem uma maneira peculiar de prender as pessoas. Estava muito apaixonado pela história e isso foi fundamental para convencer os atores a participarem no filme”, conta Andreia.

O Mal e a Aldeia” (2014), de Diogo Silva e David Serôdio, será exibido no dia 28 de setembro, no Auditório CGD, às 19h.

Mafalda Veiga Marques, 23 anos, realizadora

O filme realizado por Mafalda Marques é um dos quatro filmes a concurso na categoria “Competição Documentários”.  Com A Máquina, o dinheiro não foi problema. “O custo do filme foi zero”, diz Mafalda. O projeto foi um dos elementos de avaliação da disciplina “Documentário I”, do curso de Cinema que frequentou na Universidade Lusófona, em Lisboa.

Qualquer pessoa pode fazer um filme, até com uma casca de batata, como dizia o meu professor Tony Costa. Quem tem vontade, faz. O que pesa mais é a força de vontade e tentar arranjar forma de realizar a custo zero ou quase… O que pesa mais é a paixão pelo cinema.”

Engenho e criatividade não faltam à realizadora. A filmagem foi feita em casa dos avós maternos de Mafalda, nas Caldas da Rainha, com o seu próprio equipamento. Realça, no entanto, que a sua opção foi uma decisão mais emocional do que financeira. “Decidi fazer este documentário porque passei parte da infância em casa dos meus avós maternos. E sempre vivi muito no mundo de imaginação do meu avô. Um mundo único que eu quis mostrar às pessoas. Ele construía todos os brinquedos que eu queria e não conseguia ter. Chegou a construir-me um trapézio na sala. O meu avô sempre construiu máquinas, primeiro a pilhas e depois a energia solar. Desde que se reformou — trabalhava numa fábrica — que fazia máquinas sucessivas, em busca da máquina perfeita, que nunca chegou a existir.”

O documentário vive da relação íntima e  privilegiada entre a realizadora e o avô, o inventor  da  máquina. O principal problema que teve durante a rodagem foi a falta de ângulos para filmar. “O espaço na oficina do meu avô —  que foi construída dentro de casa, ao lado da sala — era muito reduzido. Só tinha três ângulos diferentes e foi assim que filmei. O espaço era muito limitado,” conta Mafalda.

Mafalda Veiga Marques

Mafalda Veiga Marques realizou A Máquina

Mafalda confessa que não tinha especial interesse pelo cinema documental, mas que o processo de realização de A Máquina fez com que mudasse de ideias. “Apaixonei-me pelo documentário”, diz.

“A Máquina” (2013), de Mafalda Veiga Marques será exibido no dia 22 de setembro, no Auditório 2, às 18h30m.

Aprender a fazer

Além dos filmes, o 1º Festival Internacional de Cinema de Economia e Gestão também organiza três master classes gratuitas com temáticas ligadas à economia e gestão na indústria cinematográfica. A primeira acontece no dia 28, no Auditório CGD, às 21h. É conduzida por António Costa, diretor de fotografia e professor universitário, e explica como se deve gerir uma equipa de rodagem. “Na sessão, falo sobre a importância da fotografia no cinema e da estética cinematográfica. Mas também sobre a necessidade de ter uma organização quase militar para fazer um filme. É importante gerir bem, porque um filme pode dar cabo de um orçamento logo no primeiro dia,” disse António Costa ao Observador.

A segunda master class acontece no dia 29, no Auditório 2, às 21h. Léa Teixeira, directora do FESTin, fala sobre como criar um festival de cinema. A última master class acontece no dia 30, no Auditório CGD, às 21h. Os atores Pedro Barroso e Ângelo Rodrigues debatem a gestão de início de carreira na área da representação em Portugal.

Há outros planos para breve. “Também temos por objectivo fomentar a produção de filmes. Pensamos criar uma seção específica para obras criadas para concorrer no festival. Nesta edição ainda não é possível oferecer prémios em dinheiro, mas na próxima edição queremos fazê-lo,” referiu Bruno Cativo.