É um fotolivro de culto, a edição fac-símile estava esgotada há cinco anos e agora vai voltar. A Pierre von Kleist editions devolve às livrarias Lisboa, Cidade Triste e Alegre, a obra que Victor Palla e Costa Martins publicaram com várias fotografias da Lisboa dos anos 1950.

Victor Palla (1922-2006) e Costa Martins (1922-1996), ambos arquitetos e fotógrafos, demoraram três anos a fazer este “tributo de amor à cidade em que ambos nasceram e vivem”, como escreveram no texto da sobrecapa e do folheto promocional, que saiu com o pimeiro de sete fascículos do livro, em 1959. De um total de seis mil fotografias, selecionaram 200, onde estão representadas pessoas diferentes classes sociais — sobretudo do proletariado — e de todas as idades, em tarefas quotidianas e espontâneas.

Numa época em que a censura atuava para controlar a forma como Portugal era representado, os retratos mostram a realidade portuguesa tal como ela era. Sem filtros. Os autores quiseram mostra a cidade “humana e viva através dos seus habitantes — de dia, de noite, nos seus bairros, na Baixa, no Tejo — revelação ora alegre ora triste, mas sempre terna e sentida, da vida de uma cidade”. Tudo foi feito com pormenor. Há páginas com metade do tamanho habitual, páginas duplas com margem de recorte, encartes e fotografias com cores impressas litograficamente.

lisboa cidade triste e alegre

Pormenor do livro com as folhas em diferentes tamanhos. ©Pierre von Kleist editions

Uma imagem pode valer mais do que mil palavras, mas Victor Palla e Costa Martins não prescindiram delas. Ao lado das fotografias surgem excertos de poemas, da autoria de Fernando Pessoa, António Botto, Almada Negreiros, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro, Alberto de Serpa, Cesário Verde, Gil Vicente e inéditos de Eugénio de Andrade, David Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neill ou Jorge de Sena, entre outros nomes da cena literária da época. O texto mais longo surge logo na abertura e é do escritor José Rodrigues Miguéis.

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“De há cento e cinquenta anos ouve-se dizer: ‘A Província produz e paga. Quer paz, quer ordem, quer fomento e virtude. Lisboa consome e destrói. É a desordem endémica, o boato, a ociosidade. Vive da política, da vadiagem, do orçamento. Caprichosa e volúvel, ergue e adora hoje os ídolos que amanhã lapidará.'”

O livro foi um fracasso editorial e esteve adormecido durante décadas, com fascículos espalhados por diversos leitores, contou ao Observador André Príncipe, editor da Pierre von Kleist editions. Até que, em 1982, António Sena (filho de Sena da Silva) decidiu integrar na exposição inaugural da sua Galeria Ether algumas fotografias do conjunto que deu origem ao livro. Por essa altura, foram encontrados 300 fascículos por encadernar. A reputação internacional surgiria depois, associada à inclusão de Lisboa, Cidade Triste e Alegre no The Photobook: A History, Vol. 1, uma seleção dos melhores fotolivros da História que Gerry Badger e Martin Parr publicaram em 2004. Sobre a obra portuguesa, escreveram:

“‘Lisboa, Cidade Triste e Alegre’ é particularmente notável pelo uso de ideias gráficas desenvolvidas por fotógrafos como William Klein ou Ed van der Elsken, criando um livro vibrante, com uma sequência cinemática.”

O reconhecimento no estrangeiro fez disparar o preço das edições originais. Na leiloeira Christie’s, um exemplar foi levado por 9.600 libras, 13 mil euros à taxa de câmbio atual. Em 2009, a propósito do 50.º aniversário da obra, a Pierre von Kleist editions fez a primeira edição fac-símile. Os dois mil exemplares “esgotaram num ano”, lembra André Príncipe.

A partir de sexta-feira, há nova oportunidade para ter este fotolivro de culto, com o extra de uma nova introdução do crítico inglês Gerry Badger. Por ser um livro “complicado, caríssimo de fazer”, cada um dos mil exemplares custa 90 euros, explicou o editor. Estará à venda em livrarias ou através do site, com portes grátis. A apresentação acontece às 18h30, na loja A Vida Portuguesa do Intendente, em Lisboa.

“Continuamos a ouvir muita gente a perguntar pelo livro. Se houver interesse e mercado para isso, gostaríamos de estar sempre a reeditá-lo. É um livro de culto em Portugal e há uma interseção de público — tanto compram as pessoas mais velhas como os jovens que fazem coleções de fotolivros”, conta André Príncipe. O fundamental é que o comprem pelo valor do que está impresso nas páginas. Não pelo valor que pode atingir.