Não é por acaso que conversas de café começam muitas vezes assim.

Uma pessoa chega sozinha, senta-se e fica à espera da deixa. Ouve alguém falar da primeira vez que fez isto ou aquilo e tem a oportunidade para se juntar ao palavreado. Histórias destas há muitas, são fáceis de contar e a memória costuma fixá-las bem. Porquê? Ora por terem causado nervos suficiente para a pele se parecer à de uma galinha, ou pela ansiedade que tirou horas ao sono ou, simplesmente, porque essa tal experiência nunca tinha acontecido. É por isso que Quim chega, puxa uma cadeira, senta-se e a memória dá-lhe logo algo para dizer: “Ahhh, quer falar sobre esse jogo atípico”. É isto que lhe sai da boca ao perceber que a conversa é para ser sobre o 10 de setembro de 2008.

Lembra-se se tudo. Não estava nervoso e muito menos ansioso, por isso a culpa só pode estar no que aconteceu pela primeira vez nesse dia.

A primeira (e única) partida pregada pela Dinamarca

A seleção nacional perdeu um jogo de futebol. A parte inédita é que fê-lo contra a Dinamarca e a maneira como o fez ajudou a preservar a memória. Portugal jogou bem, houve alturas em que chegou a jogar nas horas e as jogadas de ataque era tantas que os golos falhados também eram muitos. “Estávamos a fazer dos melhores jogos nos últimos tempos”, recorda Quim, que tudo via desde a baliza. O 1-0 parecia tranquilo até os dinamarqueses marcarem três em oito minutos e garantirem que o guarda-redes saía do Estádio de Alvalade com a memória cheia. “É daqueles jogos que não esquecemos. Jogámos muito bem e acabámos muito mal. No balneário foi uma tristeza imensa, como é lógico”, lamenta, com a voz embalada num sotaque de conformismo. Nunca mais se esqueceu.

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LISBON, PORTUGAL - SEPTEMBER 10: Deco of Portugal scores a penalty during the FIFA2010 Group One World Cup Qualifying match between Portugal and Denmark at the Estadio Jose Alvalade on September 10, 2008 in Lisbon, Portugal. (Photo by Clive Rose/Getty Images)

Deco marcou de penálti o segundo golo da seleção à Dinamarca, em 2008. Foto: Clive Rose/Getty Images

Foi a primeira e a única vez que os dinamarqueses ganharam em Portugal. “Fomos um pouco na onda da desconcentração na parte final do jogo. Não estávamos à espera. Depois de uma exibição que, até ali, estava a ser muito boa. Fomos um pouco abaixo”, diz Quim. Não está num café, mas parece, pois está descontraído a falar para uma chamada que atende do Observador. O homem que guardava as redes da seleção e hoje toma conta das do Desportivo das Aves espera agora que aconteça o contrário — que Portugal garanta o apuramento para o Europeu de 2016 ganhando à Dinamarca, na quinta-feira (19h45), em Braga. E lá voltamos às histórias sobre primeiras vezes.

A primeira vez em Braga

A culpa, agora, é da cidade. A federação marcou para Braga o jogo que se tornou decisivo e obrigou a seleção nacional a empacotar as malas e seguir para o norte do país. Os bilhetes esgotaram, as bancadas vão estar atoladas de ruído de apoio e Fernando Santos, feliz da vida, até já agradeceu a casa cheia que estará no Estádio AXA. Esta será o décimo jogo de Portugal na cidade que dizem ser dos arcebispos e o dos 30.296 adeptos que estarão no recinto que haja pelo menos um a fazer figas. Porque este encontro não pode correr como o primeiro.

Em 1986 a federação resolveu agendar um jogo dos amigáveis contra a República Democrática Alemã. Pela primeira vez marcou-o para Braga, no velho Estádio 1.º de Maio. Esta não era a Alemanha de Schumacher, Briegel, Brehme ou Rummenigge, a que metia medo, mas chegou para derrotar a seleção (3-1) e fazer com que de nada servisse o golo de Fernando Gomes. Era fevereiro e dali a uns meses a seleção ia viajar para Saltillo, no México, para fazer um Mundial que é recordado pelo quão mal correu. O Observador quis juntar à conversa alguém que tivesse estado no tal jogo de estreia em Braga, mas o plano saiu furado porque as chamadas para António Veloso, Jaime Pacheco e Carlos Manuel não foram atendidas. O café fica para depois.

Jogo entre Malta e Portugal disputado em La Valletta, da fase de qualificação para o campeonato do mundo de futebol do México de 1986. Terminou com a vitória de Portugal por 1-3. Fernando Gomes festeja a marcação do segundo golo de Portugal. Arquivo DN © Proibido o uso editorial sem autorização da Global Notícias.Esta fotografia não pode ser reproduzida por qualquer forma ou quaisquer meios electrónicos, mecânicos ou outros, incluindo fotocópia, gravação magnética ou qualquer processo de armazenamento ou sistema de recuperação de informação, sem prévia autorização escrita da Global Notícias.

A imagem não é de Fernando Gomes a festejar o golo à RDA, mas sim a Malta, na qualificação para o Mundial de 1986. Mas a celebração deve ter sido parecida. Mas Foto: Global Imagens/Arquivo DN

Depois deste houve mais oito jogos da seleção nacional em Braga. O último aconteceu em 2012 e teve direito a golos de Hélder Postiga, Bruno Alves e Silvestre Varela para resolver um problema que o Azerbaijão aguentou durante mais de uma hora. Ao todo, os jogos em Braga deram à seleção quatro vitórias (3-0 ao Azerbaijão em 2012, 2-0 à Escócia em 2002, 2-0 a Israel em 2000 e 1-0 à Bélgica em 1987) , dois empates (0-0 com a Albânia em 2010 e 0-0 com o Paraguai em 2003) e três derrotas (1-2 com a Itália em 2002, 0-2 com a França em 1997 e o 1-3 com a RDA em 1986).

Haverá uma primeira vez de Fernando Santos?

Ninguém quererá ver a parte das derrotas a aumentar para quatro e por isso é que vamos continuar nesta conversa das primeiras vezes. Ainda? Isso mesmo. Porque caso a seleção nacional vença os dinamarqueses — mesmo que precise apenas de um empate para garantir o apuramento direto rumo ao Europeu –, Fernando Santos vai ser o primeiro a conseguir ganhar seis jogos consecutivos numa campanha de qualificação.

Ora aí está. Este selecionador e esta seleção podem tornar-se nos primeiros a fazer isto como deve ser, pois já houve quem o fizesse de forma separarada. Aconteceu entre os apuramentos para os Mundiais de 2002 e 2006: o bigode de António Oliveira venceu três a caminho da Coreia e do Japão e o de Scolari ganhou os restantes enquanto rumava à Alemanha. Uma vitória é o que falta para Fernando Santos fazer o que ninguém fez antes. Se o conseguir já se poderá estar à mesa do café a falar das primeiras vezes que houve entre duas seleções de futebol e uma cidade. E quando é que Fernando Santos começou esta onda de jogos a ganhar? Ah pois é, contra a Dinamarca, em outubro do ano passado.

Seja a ganhar ou a empatar, Quim acredita que Portugal fará a parte que falta: “Não tenho dúvidas. A seleção tem feito um apuramento muito bom, tem vindo a melhorar nos últimos tempos com o mister Fernando Santos e, mesmo que as exibições não encham o olho, não vai facilitar. Vão-nos qualificar de certeza para o próximo Europeu. Somos melhores e vamos prová-lo em campo”. Depois é só pedir uma bica e por-se à conversa.