A bola ia a fugir da área com pressa, com tudo para ser traiçoeira. A prudência aconselhava a bater-lhe de primeira, com força, e fazer tudo para que fosse em direção à baliza. Porque dominá-la, tentar matá-la na relva, ali com tantos adversários por perto, seria sempre arriscado. É preciso ter muita calma para a colar bem ao pé e João Moutinho teve-a aos montes porque, depois de amansar a bola, ainda conseguiu fingir o remate que dois dinamarqueses tinham a certeza que ia disparar. Enganou-os bem, deixou-os deitados na relva e depois ainda teve uma pitada de sangue frio para bater a bola em jeito e fazê-la entrar na baliza bem junto do poste direito. Era golo e significava muita coisa além do 1-0 à Dinamarca.

Do pé direito de João Moutinho saiu a bola que garantiu a qualificação para o Europeu de 2016. Ainda resta um jogo por fazer e Fernando Santos já se pode gabar de ter feito melhor que Paulo Bento. A seleção vai com seis vitórias na viagem para o Campeonato da Europa de 2016 quando, a caminho para o de 2012, Portugal conseguiu apenas cinco. Mas diferenças há muitas e continuariam a existir por muita calma que Moutinho tivesse. A começar nos golos. Aqui as contas são outras já que parece ter havido contenção tanto à frente como atrás: há quatro anos chegou-se ao Euro depois de se rematarem 21 bolas para balizas alheias e de 12 terem entrado nas redes portuguesas. Agora, e para já, a seleção nacional vai com nove golos marcados e quatro sofridos.

Mas de lá para cá houve algo que não mudou e tem a ver com as bolas que entram na baliza adversária. Porque a maioria ainda vem do mesmo homem e só podia ser Cristiano Ronaldo, que na anterior qualificação marcou cinco, os mesmo que leva agora contados. O problema é que agora há mais motivos que o costume para dar razão a quem se lembra de dizer que a seleção está dependente das vezes em que Ronaldo acerta na baliza dos outros — há quatro anos, outros nove jogadores marcaram durante a qualificação, enquanto agora apenas Miguel Veloso (contra a Arménia) e João Moutinho (agora frente à Dinamarca) marcaram. Ainda falta jogar uma partida, no sábado, diante da Sérvia.

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O peso de Ronaldo nas contas dos golos não é mesmo novidade, pois a cantiga já era esta em 2008, quando a seleção nacional chegou ao Europeu da Áustria e da Suíça à boleia de oito golos marcados pelo então extremo do Manchester United. A seleção fez 14 jogos nesse apuramento (quase o dobro dos que realizará neste) e isso ajudou a que, além do capitão, outros 12 jogadores conseguissem marcar golos. Quatro anos antes Portugal foi anfitrião do Europeu e por isso ficou imune à aventura da qualificação e, em 2000, aconteceu algo que se repetiria nos dois apuramentos seguintes — Portugal a apurar-se em segundo lugar do grupo. Neste caso foi com Humberto Coelho a mandar. Só cairia nas meias-finais da prova, empurrada por um penálti de Zinedine Zidane.

Eram os tempos em que a geração de ouro estava a ficar graúda. De Jorge Costa e Fernando Couto a aguentarem a muralha lá atrás, de Rui Costa a ser um poeta dos passes, de Luís Figo não encontrar adversário que não conseguisse fintar e de Nuno Gomes a preparar-se para marcar uma catrefada de golos no Europeu da Holanda e Bélgica. Até lá chegar, a seleção marcou 25 golos e sofreu três, o melhor registo de sempre em qualificações para Campeonatos da Europa. Antes, em 1996, conseguira terminar o apuramento com o melhor ataque de sempre (29 golos), quando os tais graúdos ainda eram miúdos a crescer e havia um, Domingos Paciência, que marcava mais que os outros. Era a seleção de António Oliveira que um chapéu de Karel Poborsky expulsaria dos quartos-de-final do Europeu.

Essa foi a segunda participação em Europeus, 12 anos depois da primeira. É aqui que se percebe que a história de Portugal nos Europeus é uma espécie de círculo que partiu e agora regressa ao mesmo sítio. Porque em 1984 os jogadores que ficaram conhecidos por “Patrícios” foram a França e por lá ficaram até às meias-finais, onde quase pregaram uma partida à seleção anfitriã. Havia um pequeno genial cujo pé esquerdo tanto deu nas vistas que de lá saiu com a alcunha de Chalanix a liderar uma equipa em que a raça era a maior das qualidades. E Fernando Cabrita no banco de suplentes, a sorrir com os resultados que os jogadores que treinava lhe davam. Agora é a vez de Fernando Santos, a quem não é fácil desfazer a cara cerrada que veste durante os jogos, a ver o que conseguirá fazer em França, no próximo verão. À bientôt!