O nervosismo cresce à direita, à medida que António Costa continua a sua ronda pelos partidos de esquerda, recolhendo abertura e propostas para um Governo alternativo. No preciso momento em que Passos e Portas enviavam um documento ao PS com as suas propostas para uma negociação, a conversa já estava noutro pólo: “Tudo isto é muito bonito, mas o que interessa agora é o que faz o Presidente”, dizia um dos membros da coligação ouvido pelo Observador. Nos corredores, a dúvida é sempre a mesma: será que o Presidente aceitará dar posse a um Governo com o apoio do PCP e BE?

“No limite, quem decidir pode vir a ser o próximo Presidente da República”, afirma ao Observador um dirigente dos partidos da coligação PSD/CDS, esperando que Cavaco Silva, devido às “reservas conceptuais”, não dê posse a um Governo PS+PCP+BE, mesmo que estes partidos derrubem o Governo minoritário PSD/CDS. A reservas conceptuais são seriam mais do que aquelas que Cavaco expressou publicamente logo que convidou Passos a procurar um acordo com o PS, após as eleições.

O Governo a empossar deverá dar aos portugueses garantias firmes de que respeitará os compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado Português e as grandes opções estratégicas adotadas pelo País desde a instauração do regime democrático e sufragadas, nestas eleições, pela esmagadora maioria dos cidadãos.
Em particular, exige-se a observância das obrigações decorrentes da participação nas organizações internacionais de defesa coletiva, como a NATO, e da adesão plena à União Europeia e à Zona Euro, assim como o aprofundamento da relação transatlântica e o desenvolvimento dos laços privilegiados com os Estados de expressão portuguesa, nomeadamente no âmbito da CPLP.

Uma recusa do Presidente em empossar um governo com PCP e Bloco (que têm inscrita nos seus programas a proposta de saída da NATO ou mesmo a hipótese de saída do euro), teria, mesmo assim, uma implicação política de consequências imprevisíveis: não podendo este Presidente convocar logo eleições (limitação que tem nos últimos seis meses de mandato), o Governo Passos/Portas ficaria em gestão até abril (quando termina outra limitação, a de que a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos primeiros seis meses). Dito de outra forma, novas eleições legislativas só poderão ter lugar a partir de abril.

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Porque ninguém tinha presente o cenário de um Governo de esquerda, há mais teses a circular. Como esta: e que tal se Cavaco aceitar dar posse a PS+CDU+BE, exigindo-lhe um acordo escrito? “Nomeava-os mas com condições expressas num documento. Assim, podia-os demitir se não cumprissem e era esse Governo [o de esquerda] que ficava em gestão”, adianta outro alto responsável da coligação, para quem a grande questão é a legitimidade eleitoral das soluções encontradas.

Vale a pena sistematizar. “Na verdade, ninguém sabe como é que o Presidente faria. Ele vai dar posse a um governo da coligação, que teria de fazer convites a ministros para 15 dias? Ou vai dar-lhes diretamente a eles?”, questionava um centrista. Ninguém, na verdade, sabe a resposta.

Nuno Morais Sarmento, ex-ministro da Presidência e ex-dirigente do PSD, considera que a Constituição “deixa um espaço grande” à interpretação do Presidente e lembra o episódio de 2005 em que o então Presidente da República, Jorge Sampaio, demitiu o Governo liderado por Pedro Santana Lopes, havendo uma maioria absoluta que o sustentava (PSD+CDS). “Pode haver uma maioria no Parlamento e o PR achar que não lhe serve. Foi o que aconteceu com Santana“, diz ao Observador.

O ex-ministro  sublinha, assim, que “juridicamente nada impede” o Presidente de dar posse a um Governo PSD/CDS e que também “nada obriga” a empossar um Governo PS+PCP+BE.

Também Pedro Santana Lopes, ex-primeiro-ministro e ex-líder do PSD, já disse, por seu lado, que o Presidente não devia empossar um Governo que conte com o apoio de partidos da extrema-esquerda.

“Cavaco Silva foi muito claro quando excluiu a possibilidade de formação de um Governo que integrasse posições ao arrepio do respeito que é devido aos compromissos internacionais do Estado português. Penso que o PR não deve deixar apodrecer a situação e deve reassumir a iniciativa” e indigitar Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, defendeu Santana em artigo de opinião este fim de semana no DN. Segundo este ex-governante, “se houver algo mais para dialogar, para esclarecer e para negociar que seja feito no Parlamento e que cada um assuma as suas responsabilidades”.

Pelo meio, a metodologia do PR de ter apenas chamado a Belém, no dia a seguir às eleições, Pedro Passos Coelho também já começa a ser criticada. Cavaco está esta segunda-feira reunido com António Costa, um encontro que só marcou depois de o secretário-geral andar pelas sedes dos partidos de esquerda a recolher apoios para derrubar Passos. “Agora com o fogo ateado, vem com uma mangueirita”, critica um dirigente partidário.