É fácil descobrir onde esta imagem foi tirada. Na base da Torre Eiffel, uma mão segura uma imagem em tons sépia daquele mesmo local. Foi captada há muitos anos, quando mais de 592 mil portugueses saíram de um Portugal pobre, envolvido numa guerra nas colónias, para se encaixarem numa sociedade mais próspera e sólida. Encontraram-na em França. E por lá ficaram.

São as vidas destes portugueses de (pelo menos) coração com dupla nacionalidade que a jornalista Joana Carvalho Fernandes conta em “A porteira, a madame e outras histórias de portugueses em França”, apresentado esta terça-feira na Estação Ferroviária de Santa Apolónia, em Lisboa, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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As histórias começam na dona Hermínia “Môrreirrá” que lhe bateu à porta quando chegou a Paris como correspondente da agência Lusa. E depois desenrolam-se entre “essas coisas curiosas que faziam sentido ser contadas”, como explica a escritora ao Observador. Diz que não procurou fugir de estereótipos: “Há histórias sobre porteiras e pedreiros, pessoas com um percurso normal que foram, trabalharam, criaram os filhos e estão na idade da reforma. Mas até aí há coisas engraçadas para contar”.

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Em 2011, Joana foi para Paris escrever sobre a vida dos portugueses que vivem em França. “Eu conhecia Paris, mas esta realidade dos emigrantes portugueses não me era muito familiar. Tenho conhecidos, mas não tenho um tio em França”, explica. Ao longo de dois anos embrenhou-se na vida que os portugueses construíram nos arredores da cidade da Torre Eiffel e descobriu que ” há muitas coisas curiosas sobre a progressão dos portugueses na sociedade francesa que são desconhecidas”.

Que histórias são estas? A viagem de Joana começou no tempo dos portugueses que saíram do país ainda durante a Primeira Guerra Mundial e que deram o nome “Silva” a um champanhe francês de. E acaba nos emigrantes de hoje, que não ocupam muito espaço no livro de 124 páginas: “Sobre isso as pessoas ouviram falar demais. Mas há histórias que não são muito felizes, propositadamente. Emigraram muitos diplomados, somos muito mais qualificados do que éramos há 40 anos. Mas também emigram muitas pessoas sem muita formação”.

É nos portugueses dos bairros de lata parisienses (budonvilles) que a jornalista se concentra. “As pessoas hoje sabem a quem se queixar, sabem como ir a um tribunal. Mas há muitos portugueses emigrados em França que não reivindicam as reformas a que têm direito sequer e, em todo o caso, elas são muito mais baixas do que aquilo que seriam em condições normais. Só que eles não descontavam, nem sequer sabiam que o deviam fazer”, conta Joana ao Observador.

Entre a debandada dos anos quarenta e 60 até ao presente, Joana encontrou e falou com o número dois do governo francês, que se chama Carlos da Silva. Nasceu em França, mas os pais são portugueses e nunca viajou para nenhum outro país estrangeiro que não Portugal até aos 18 anos. “Diz que sabia de cor as estações de serviço desde a fronteira até Lisboa”, conta a jornalista. E descobriu também que a esmagadora maioria das ambulâncias em circulação na capital francesa são montadas em Portugal por um emigrante que construiu lá a sua fábrica “para ter uma desculpa para vir cá mais vezes”.

Francisco Seixas da Costa, o diplomata português que acompanhou o trabalho de Joana Fernandes em França, esteve na apresentação do livro da jornalista. “Temos de ser profundamente orgulhosos por essa emigração que os portugueses fizeram. Temos de ter noção de que esta aventura, apesar da tragédia que significa, é altamente dignificante”, afirmou.

Joana Carvalho Fernandes conta como é natural ver os emigrantes de segunda geração a recordar os tempos em que os colegas de escola franceses gozavam com o facto de os seus pais serem pedreiros e as mães terem bigode. “Os filhos brincam com o preconceito, mas isso também mostra a ligação que têm com Portugal e a forma descomplexada com que já se afirmam na sociedade francesa. Gozam, com orgulho”, retrata a jornalista.

Regressar era um objetivo quando foram.  Na altura, queriam juntar dinheiro para construir uma casa na aldeia e vir para Portugal viver a reforma. Mas os planos sofreram alterações: “As coisas mudaram um bocadinho, porque eles têm filhos. Os filhos são franceses e agora também têm netos. Às tantas, a vida deles fixou-se lá”. Se há palavra portuguesa que não esquecem é a saudade, mas França também já é o país deles: é a terra onde os filhos cresceram, o país onde os netos nasceram e aquele em que parecem confiar mais quando precisam de cuidados de saúde. Lá são habitantes da Europa central, “sentem-se mais independentes, fizeram amigos e tornaram-se um bocadinho estranhos aqui. Não ficariam 30 anos num país estrangeiro se não se sentissem bem“.

“A porteira, a madame e outras histórias de portugueses em França” está à venda por 3,15 euros na loja online da Fundação Francisco Manuel dos Santos.