No dia em que Cavaco Silva veio a terreno dizer que é ele quem decide quem vai nomear – e não os jornais -, António Costa aproveitou a visita a Bruxelas para uma conversa com os eurodeputados do PS, onde mostrou confiança que o Presidente o vai mesmo indigitar como primeiro-ministro, se lhe levar um governo com maioria de esquerda. Os dados que António Costa terá usado na reunião levaram um dos presentes a acreditar que o líder do PS tem um argumento novo para convencer Cavaco – e convencê-lo rapidamente: tendo o PS a única solução maioritária na Assembleia, só ele pode garantir que tem um Orçamento em vigor logo no início de 2016 que cumpra as metas do défice acordadas com a Comissão Europeia.

Na discreta conversa em Bruxelas, o secretário-geral do PS insistiu por mais do que uma vez que PCP e Bloco não vão colocar em causa os compromissos europeus. E apontou um risco para o país, que virá se Cavaco quiser dar posse ao Governo PSD/CDS, mesmo havendo um acordo maioritário à esquerda. Eis, portanto, o trunfo:  medidas extraordinárias em vigor que vão cair, a 31 de dezembro, se não for aprovado rapidamente um orçamento para 2016. E só a esquerda, dirá Costa, estará em condições de aprovar rapidamente esse orçamento – garantindo o cumprimento das metas orçamentais.

Dito de outra forma: o PS deitará sempre abaixo o governo de direita (se tiver maioria à esquerda), ficando o Governo de Passos em gestão e sem poder para aprovar leis. Se o Presidente não desse posse ao PS, o país iria viver em duodécimos até haver novo Governo e novo orçamento. Situação que, com a queda das medidas extra, deixaria logo em risco o défice do próximo ano.

A chave na mão do Presidente

A preocupação de alguns eurodeputados, ao que apurou o Observador, é a mesma que outros dirigentes nacionais do PS já manifestaram no Largo do Rato. É que para o argumento valer, Costa tem que garantir desde já que PCP e BE aprovam o 1º orçamento da legislatura. E que aprovam, com ele, a permanência de parte dessas medidas extraordinárias. A missão não parece fácil: entre elas está a sobretaxa de IRS e o corte de salários da função pública – que a esquerda propunha devolver na íntegra no primeiro momento. Aceitarão?

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Em Bruxelas, António Costa mostrou também confiança nisso – até confiança num acordo mais global. Mas é aqui, sobretudo no plano político, que o PS entra em território ainda incógnito face ao papel que o Presidente da República ainda terá no processo. Na reunião, Costa admitiu que não vai ser fácil fechar a negociação. E, nos bastidores, há socialistas que admitem ter dúvidas que podem fugir ao controlo do partido. “O Presidente tem a chave na mão”, admite fonte do secretariado nacional, contactada pelo Observador. “Pode exigir, por exemplo, que PCP e BE integrem o Governo”. E esse é um ponto onde as negociações ainda não chegaram – e é um passo que ninguém sabe se os dois partidos estão dispostos a dar.

PS admite deixar cair mais uma medida, para dar espaço ao BE

Para já, é nas contas que as reuniões técnicas à esquerda se têm desenrolado. Mário Centeno, o homem que fez o cenário macroeconómico do PS, anda à volta dos números para acomodar exigências de ambos os partidos. Segundo fontes contactadas pelo Observador, o encontro de terça-feira com os bloquistas foi visto como “animador” para os lados do Rato. Fala-se já de um trabalho de distribuição das propostas do BE pelos primeiros três anos da legislatura (nomeadamente o descongelamento das pensões), com uma folga extra que virá de uma medida que o PS deixou cair: o crédito fiscal aos mais pobres, bastante criticado por Catarina Martins durante a campanha – e que implicaria forte despesa pública a partir de 2017.

Antes, no início do processo, os socialistas já tinham deixado cair mais duas propostas do seu programa – que lhe eram, aliás, centrais: a redução da TSU e o novo mecanismo para negociar despedimentos nas empresas.

A próxima reunião com os bloquistas, onde o PS dirá o que cabe ou não no seu cenário macroeconómico, ficou entretanto adiada para esta sexta-feira, já depois do PS fazer as suas próprias contas – e de Costa dar o aval sobre os limites em que o partido admite ceder.

PCP concentra-se em desbloquear contratos coletivos

Do lado do PCP, as informações mais fiáveis vêm ainda da primeira reunião, onde os socialistas assumem ter ficado “de boca aberta” com a abertura dos comunistas. “As exigências do PCP foram mais centradas em matéria laboral do que em questões orçamentais”, diz a mesma fonte da direção do PS. Sobretudo na revogação de boa parte das medidas aprovadas pela direita (com a troika), para desbloquear os contratos coletivos – dando uma ajuda importante à CGTP, que viu o número de trabalhadores abrangidos por contratos coletivos descer de cerca de 2 milhões para pouco mais de 200 mil, em apenas quatro anos”. A juntar a isto, Jerónimo de Sousa quis também a anulação dos contratos de concessão da Metro de Lisboa e do Porto, da Carris e STCP – empresas públicas onde o partido comunista tem forte representação laboral.

Mesmo assim, há alguns sinais de que nem tudo são rosas, neste processo de diálogo à esquerda. As declarações de Jorge Cordeiro e de Ilda Figueiredo, dizendo que o PCP aprovará o Governo PS, negociando depois as medidas uma a uma, na AR, deixaram apreensivos alguns socialistas. “Chegar a um acordo com os dois já é difícil, juntar-lhe a exigência de cumprir o Tratado Orçamental… vai ser preciso muito jeito. Isto é tudo muito bonito, mas… só acredito quando chegar ao fim”, explica um dirigente do PS.

Esta sexta-feira, António Costa estará de volta a Lisboa. E o processo negocial dos socialistas com a esquerda devem entrar em fase final: Costa e Centeno têm reunião marcada, para definir até onde admitem ir, nomeadamente na troca de medidas do programa socialista com as do BE e com outras do PCP. A direita está, até lá, em stand-by: Costa quer assegurar que tem hipóteses de chegar a uma maioria antes de dizer um não definitivo a Passos. A carta prometida, com as exigências do PS, ainda nem seguiu para São Bento.