Dave Haynes faz parte da equipa de business development (desenvolvimento de negócios) do britânico Seedcamp e não tem dúvidas: “Lisboa é uma óptima cidade para vir acelerar [desenvolver] empresas. É possível fazê-lo aqui com ótima qualidade de vida, mas é preciso que o façam com acesso a bom capital e só com o tempo é que esse investimento vai aparecer”, explica ao Observador, à margem do evento que reuniu representantes de 75 programas de aceleração de startups mundiais, o European Accelerator Summit.

Na sede da Beta-i, associação para a promoção do empreendedorismo responsável pelo programa Lisbon Challenge, falou-se de Lisboa, de startups, de como crescer e identificar oportunidades, de tendências para o futuro, de investimento. E de como fazer a diferença. Estiveram presentes especialistas de 17 países. No final, houve o primeiro TechCrunch Meetup de Lisboa, com a presença de Mike Butcher, editor na publicação norte-americana TechCrunch e cofundador das incubadoras TechHub.

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O Seedcamp não é novo na cidade. Há quatro anos que aquele que é um dos mais prestigiados programas de aceleração da Europa vem a Lisboa conhecer startups portuguesas, tendo já apoiado e investido em nomes como a Codacy, CrowdProcess ou Hole19. Depois de, em 2014, ter lançado um fundo de investimento de 20 milhões de euros, assume-se agora como um founder’s first round fund, ou seja, como um fundo para investimentos muito iniciais. Na quinta-feira, há mais um evento só para ouvir projetos portugueses. Terão a sorte de uma Codacy?

“Até que o dinheiro chegue a Lisboa, é preciso ajudar os empreendedores a encontrá-lo noutros sítios. Importante é que as empresas tenham uma visão global. Se não existir capital em Lisboa, têm de perceber como se podem juntar a outras localizações, onde há investimento e os mercados são maiores”, refere Dave Haynes.

Para crescer, o também empreendedor explica que “os programas de aceleração devem dar às equipas que estão a acelerar uma perspetiva muito internacional” e que “estabelecer boas relações com os Estados Unidos e Londres deve ser uma prioridade“, bem como com outros ecossistemas, como Berlim. Lisboa é a “a nova Berlim”? Entre risos, Haynes responde: “claro que sim”.

“Lisboa é uma cidade que vai atrair muito talento, porque tem empreendedores com uma mentalidade global, que não pensam necessariamente em barreiras fronteiriças e, desde que sejam criadas as condições certas, Lisboa pode atrair tantos fundadores como Berlim atraiu. É preciso galvanizar o ecossistema”, referiu.

Amisha Miller, do departamento de investigação da Kauffman Foundation, a fundação norte-americana que tem como missão ajudar a desenvolver o ecossistema de empreendedorismo, está pela primeira vez em Portugal. Diz que não sabe muito sobre as startups portuguesas, apenas que a comunidade está a crescer e que, segundo os estudos da fundação, isso pode estar relacionado com a crise económica pela qual o país passou.

“O que vemos é que quando as economias têm um problema, o que se espera é que os empreendedores ajudem a economia a crescer outra vez”, explica ao Observador, acrescentando que os programas de aceleração acabam por estimular a criação de mecanismos de financiamento.

“Quando os programas de aceleração abrem portas em determinado mercado, o nível de financiamento para startups locais aumenta três vezes e apenas um terço deste investimento vai para as startups que estão a ser aceleradas. O resto não”, explica Amisha Miller.

“Em 2020, o ecossistema dá a volta”

Importante é que estes programas mantenham o foco e definam objetivos, as estratégias que querem adotar para ajudar as empresas a crescer. E, tal como Dave Haynes, considera que a ausência de capital nos programas de aceleração não é preocupante. É preciso é saber atrair investidores particulares, “pessoas que têm muito dinheiro e que querem investir”.

“Outra coisa importante a fazer é educar as empresas que estão a acelerar sobre como investir no futuro”, referindo-se a casos de sucesso em que a empresa é vendida a uma maior ou é admitida em bolsa e tem capital disponível para investir noutras startups. “Vemos isto acontecer em todas as comunidades e é necessário ao ecossistema – empreendedores que saem e voltam a investir”, explica ao Observador.

Ricardo Marvão, um dos fundadores da Beta-i, concorda e diz que em dez anos, o ecossistema “dá a volta”, ou seja, quando os empreendedores da primeira leva saem do ecosistema para voltar a entrar também como investidores doutras empresas.

“Quando começámos em 2010, não havia nada. Depois, começámos a inspirar as pessoas, foram criados os primeiros protótipos, as primeiras rondas de investimento e agora estamos na fase em que começam a surgir as primeiras saídas, como a Digisfera que ainda agora foi comprada pela Google. Vão surgir mais acontecimentos destes nos próximos anos e os empreendedores vão acabar por dar a volta ao ecossistema . Voltam e acabam por criar um fundo de investimento ou uma escola, etc. E eu acho que isso vai acontecer em 2020″, diz.

Miklos Grof, fundador da Fundacity – plataforma online que liga startups a investidores de todo o mundo – , diz que os portugueses precisam de se focar em projetos que realmente façam sentido em Lisboa e evitar que o ecossistema se especialize em algo para o qual não tem competências.

“Acho que Portugal deve começar a criar clusters em indústrias onde se quer especializar. Focarem-se na indústria com pensamento global. Olharem para todos os competidores à volta do mundo que estejam a fazer algo semelhante a mim e tentar ser o número um”, diz ao Observador.

Aos empreendedores portugueses, deixa duas dicas: foquem-se no produto e falem com os utilizadores. “Quando conseguirem isto, o investimento chega”, afirma.