Na iminência de caírem logo depois de tomar posse para o segundo Governo, Passos Coelho e Paulo Portas preparam mais do que uma equipa transitória de ministros: começam a preparar o caminho para combater o Governo de esquerda a partir da oposição. 

No cenário – mais do que provável – de o PS fazer um acordo parlamentar com o PCP e Bloco de Esquerda e de, juntos, chumbarem o programa de Governo da coligação, os líderes da coligação dispensam ficar em gestão. Ou seja, mesmo que o Presidente da República ponderasse a hipótese de não dar posse ao governo de esquerda, o líder do PSD (como o líder do CDS) diria ao Presidente que preferia entregar o poder, apurou o Observador.

À direita do plenário, apontam-se pelo menos três motivos para que António Costa tome mesmo posse – apesar de tudo o que a direita vê no método como o fará.

Primeiro, no PSD há a convicção de que há uma ilegitimidade nesse Governo, mas que essa ilegitimidade não é constitucional – apenas política. Logo nas primeira entrevista pós-legislativas, o vice-presidente Matos Correia vincou a tese: um Governo desses seria “uma fraude” e “politicamente ilegítimo”, embora admissível à luz da Constituição. Esta tese não é inteiramente partilhada no CDS, pelo menos não na sua versão pública – Nuno Melo, por exemplo, usou já o PREC como comparativo.

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O segundo motivo é mais estrutural – e coincidente com que a esquerda tem dito depois do discurso de quinta-feira do Presidente: não é concebível o país ficar bloqueado durante meses, até o próximo Presidente poder decidir o que fazer.

Por fim, um motivo mais prosaico, que tem sido o mais repetido nos bastidores: com um acordo entre as esquerdas e a direita em minoria, ficar em São Bento significaria ter que aceitar todas as leis que viessem aprovadas do Parlamento (que não seriam as suas). A ser queimado em lume brando, em clima de campanha e mesmo assim responsável pelos resultados.

Cavaco: uma ameaça ou um discurso para a história?

A confusão sobre se o Presidente estará disposto ou não a dar posse a António Costa instalou-se depois de, na indigitação de Passos, Cavaco Silva ter sido duríssimo com o projeto de união das esquerdas. No PS, vários dirigentes comentaram a hipótese de um bloqueio em Belém ao novo Governo, mesmo nos media vários comentadores viram essa ameaça como real. Um grupo de deputados (e constitucionalistas) do PS encontrou até argumentos para dizer que seria “inconstitucional” se o fizesse.

Na São Caetano à Lapa, a leitura foi diferente: viu-se uma marcação de terreno contra Costa e uma mensagem clara de que ele, Cavaco, não quer ficar associado ao que vier a acontecer depois. No discurso, linha a linha, pode até ler-se o Presidente a dizer que a última palavra é a dos deputados – pelo que serão eles a ficar responsáveis pelo que vier a acontecer.

Na semana passada, o jornal Expresso fazia manchete com uma certeza: que em Belém havia a certeza de que o Presidente não considerava a hipótese de sair de Belém deixando ao sucessor uma situação por resolver. Oficialmente, ao Observador, a Presidência recusou comentar.

Próxima etapa à direita: pôr-se de fora (totalmente)

Depois do primeiro ato da maioria de esquerda na Assembleia – a eleição de Ferro Rodrigues – a ordem agora na coligação é endurecer o discurso. Sem dar espaço a qualquer responsabilização da direita pelo que se seguir depois. Na prática, isto quer dizer que das bancadas do PSD e do CDS não virá um voto favorável ao novo Governo da esquerda. “O PCP e o Bloco vão ter que se atravessar a cada medida”, justifica uma fonte ouvida pelo Observador. Leia-se: mesmo nas medidas de contração orçamental que sejam necessárias, devido às exigências do euro, não será a coligação a salvar o PS.

Até lá, a ordem é para não dar argumentos. Passos e Portas têm já uma equipa a trabalhar no programa de Governo que têm de levar à Assembleia e, como já antecipou o Observador, estão a retirar medidas do programa eleitoral (as mais criticadas pela oposição, como o plafonamento na Segurança Social) e a abrir espaço a ideias da oposição, para que o PS tenha menos argumentos para dizer que não encontrou espaço de negociação à direita. 

Para o Executivo, Passos apostará em nomes mais ligados aos dois partidos. Com a justificação de que a época é de combate político, assim se justificará também a dificuldade em encontrar pessoas disponíveis para estar (mais do que provavelmente) poucos dias no Executivo. Com isso, Passos não conseguirá sair com a imagem que gostaria de deixar: a de uma equipa forte e que seria capaz de virar mais uma página no sentido da normalização. A dificuldade acrescida do cenário acabará por levar Passos a perder mais alguns dias para compor o elenco – sendo mesmo assim o objetivo o de haver posse no prazo de uma semana.

A cerimónia em que Cavaco silva dará posse a Passos Coelho será, agora, a próxima da guerra política – uma guerra cujo passo seguinte já ninguém finge não saber qual é – mas que ninguém consegue antever como vai acabar.