Condenado a ser um dos Governos mais curtos da história, se se confirmar que os partidos de esquerda vão chumbar o programa do Executivo no Parlamento, sobra o que podia ter sido: um Governo político e de políticos – mas sem pesos pesados da máquina partidária; limitado aos nomes disponíveis para governar por duas semanas e que opta por promover uns e desfazer-se de outros. Há cedências ao PS mas há sobretudo sinais de que, agora, os olhos estão postos no Parlamento.

Entre limitações e cedências, eis os nove possíveis sinais que o novo Governo de Passos Coelho nos dá:

1. Governo limitado. Pedro Passos Coelho foi indigitado a formar Governo na quinta-feira da semana passada, pelo que teve cinco dias para pegar no telefone e fazer convites. No final, acabou por não mexer muito nem na orgânica do Executivo, nem nos nomes. Criou apenas dois novos ministérios, e autonomizou um terceiro, o dos Assuntos Parlamentares. Entre os ministros, saíram os que quiseram sair, com Paulo Macedo e Pires de Lima à cabeça – mas se fosse pelo líder do PSD tinham ficado. Saíram também os mais polémicos ou menos bem-sucedidos, de Nuno Crato a Paula Teixeira da Cruz, passando por Anabela Rodrigues. Mas, de resto, as alterações de fundo contam-se pelos dedos de uma mão.

Não é um Governo para destrunfar, antes pelo contrário. E não é seguramente o Governo que Passos gostaria de deixar como marca, mas dadas as circunstâncias, e sabendo à partida (mesmo não admitindo) que não é um Governo para governar, o primeiro-ministro decidiu privilegiar o essencial e mudar aqui e ali para marcar posições. Pode dizer-se que se trata de um elenco mais digno de remodelação do que de tomada de posse de um novo Executivo.

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2. Objetivo: pacificar. Afastados os mais polémicos. Um dos erros que foi apontado a Passos Coelho na legislatura anterior foi o facto de ter segurado com unhas e dentes dois dos seus ministros que mais estiveram debaixo de fogo: Paula Teixeira da Cruz, que foi alvo de duras críticas no âmbito da reforma judicial e dos problemas associados ao programa Citius, e Nuno Crato, muito criticado pelas falhas na colocação de professores e no mau arranque do ano letivo que passou. 

Nem um nem outro saíram, nem quando houve remodelações em curso. Mas agora os nomes escolhidos para aquelas duas pastas são duas personalidades vistas como pacíficas. Na Educação, a vice-reitora da Universidade de Coimbra Margarida Mano: independente, sem experiência governativa, que integrou as listas de candidatos a deputados da coligação mas ainda virgem politicamente. E na Justiça, o deputado Fernando Negrão que recentemente foi até elogiado pelo PS de António Costa quando disputou com Ferro Rodrigues o lugar de Presidente da Assembleia da República, acabando por perder. O trabalho de Negrão, enquanto deputado na anterior legislatura, foi reconhecido por todas as bancadas parlamentares depois de ter presidido à comissão de inquérito ao BES.

3. Um ministério para o Parlamento e um diplomata para negociar. Uma das poucas novidades na orgânica do novo Governo é a criação de um ministério autónomo para os Assuntos Parlamentares, que antes apareciam agregados ao Ministério da Presidência. Depois de perder a maioria no Parlamento, este é um sinal claro de que Passos reconhece a importância de ter um gabinete inteiro concentrado nas negociações que o Governo teria de travar no Parlamento para aprovar leis – caso tivesse de governar com a esquerda unida na Assembleia da República.

E para liderar esse ministério, Passos escolheria (ou escolhe) um diplomata low profile em vez de um guerreiro político: Carlos Costa Neves, até aqui deputado do PSD e ex-líder do PSD-Açores. Essa é mais uma mensagem deixada por Passos Coelho: para o combate parlamentar Passos prefere um diplomata, um negociador, em vez de um tubarão que faria a luta com outro tipo de armas. Até aqui, havia nomes fortes do aparelho partidário apontados como possíveis candidatos a esta pasta – Marco António Costa ou Aguiar Branco, por exemplo. Mas a escolha acabou por recair sobre um nome mais simpático, e que há muito que não está na linha da frente do quadro político nacional. Costa Neves foi eurodeputado, deputado do parlamento regional dos Açores, secretário de Estado dos Assuntos Europeus e ainda ministro da Agricultura. 

Nota curiosa: para os Assuntos Parlamentares, Passos escolheu precisamente uma figura emblemática dos Açores. Um gesto que está a ser visto como um piscar de olho ao PS, já que na linha da frente do Parlamento os socialistas pretendem pôr Carlos César, ex-presidente do Governo Regional dos Açores.

4. Uma cedência. Mais cultura para agradar à esquerda. Ao contrário do que sempre disse nos últimos quatro anos, Passos cede e cria um ministério para a Cultura – uma velha bandeira da esquerda, que António Costa chegou a imprimir no seu programa eleitoral. Com isso cai o também polémico secretário de Estado Jorge Barreto Xavier, e é promovida uma mais discreta secretária de Estado, Teresa Morais, que passa agora a acumular as pastas que já tinha da Igualdade e Cidadania com a da Cultura.

5. Uma aposta: a reforma do Estado. Era agora (se fosse) o tempo da tão prometida reforma do Estado. Para mostrar isso Passos cria mesmo um novo ministério (que também era uma ideia socialista) inteiramente direcionado para a Modernização Administrativa. E no leme põe uma figura independente e prestigiada: Rui Medeiros, constitucionalista e professor de Direito da Universidade Católica. Curiosamente o dossiê da reforma do Estado, que antes estava nas mãos do muito político Paulo Portas, passaria agora para as mãos de uma personalidade nada política e sem qualquer experiência governativa. 

6. O reconhecimento de um erro: mais peso ao ensino superior. Passos mantém o ministério da Educação agregado ao Ensino Superior e à Ciência, não autonomizando nenhuma das áreas, mas a substituição de Nuno Crato pela vice-reitora de Coimbra Margarida Mano evidencia uma mudança de estratégia: se até aqui o enfoque maior era no ensino básico e secundário, setores onde Crato mais mexeu e mais polémica causou, agora o enfoque seria no ensino superior, que terá sido descurado na anterior legislatura.

É pelo menos para aí que aponta o perfil de Margarida Mano, muito mais virado para a academia. Especialista em gestão virada para a educação, Margarida Mano era até aqui vice-reitora da Universidade de Coimbra com o pelouro do planeamento e das finanças.

7. Estabilidade no núcleo duro. Um núcleo duro resistente e sem trocas de pastas para dar mostras de continuidade e de estabilidade. Não é certo que a manutenção fosse assim tão evidente se houvesse mais certeza de que o Governo iria de facto governar, mas, para já, o sinal é de estabilidade. Além de Passos e Portas nos lugares cimeiros, mantém-se também Maria Luís Albuquerque nas Finanças, Rui Machete nos Negócios Estrangeiros, assim como Aguiar-Branco, Marques Guedes, Luís Pedro Mota Soares e Assunção Cristas. Também Jorge Moreira da Silva, que entrou a meio da anterior legislatura mas que sempre foi um homem de confiança de Passos no partido, se mantém firme no Ambiente.

Provavelmente se não quisessem ter saído, também Paulo Macedo e Pires de Lima se tinham mantido nas suas posições.

8. CDS estabilizado. A avaliar pelo número de pastas, nem menos peso, nem mais peso para o CDS no novo Governo (mas mais peso para Portas). As mudanças que advieram da crise irrevogável de 2013 terão sido suficientes para estabilizar as relações de força entre a coligação e agora o CDS aparece com o mesmo número de pastas e sem caras novas: Paulo Portas mantém-se como número dois do Executivo, Assunção Cristas mantém-se na Agricultura e Mar, Luís Pedro Mota Soares mantém-se no Emprego e Segurança Social e, à falta de Pires de Lima, a Economia continua nas mãos dos centristas, desta vez sob o comando do até aqui secretário-adjunto de Portas e um dos homens de maior confiança, Miguel Morais Leitão.

Portas sai assim intocável neste novo Governo, segurando indiretamente a Economia e mantendo os seus ministros nos sítios-chave. 

9. O Governo dos disponíveis. À exceção do constitucionalista Rui Medeiros, os novos rostos são todos promoções do anterior Executivo, deputados eleitos ou ex-governantes, evidenciando que se trata fundamentalmente de um elenco possível entre as personalidades disponíveis para o efeito. Teresa Morais, Leal da Costa e Morais Leitão sobem na hierarquia, já que eram secretários de Estado no anterior Governo e passam agora a ministros, mas os restantes foram todos encontrados ora no Parlamento ora nos órgãos dos partidos. Calvão da Silva, por exemplo, era atualmente presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, e é mais reconhecido enquanto homem do aparelho do PSD do que enquanto ex-governante.

Certo é que ao contrário do que se especulava Passos não recorreu tanto ao aparelho puro e duro, preferindo usar algumas das cartas que tinha disponíveis dentro do Governo ou do Parlamento. Ora por vontade, ora por serem as opções disponíveis num cenário de Governo que promete ser curto.