O Governo de Passos e Portas tem vários ministros novos mas alguns deles estiveram envolvidos em casos judiciais antigos. É o caso de Fernando Negrão e a Universidade Moderna ou Costa Neves e o caso Portucale. Calvão da Silva atestou mais recentemente a idoneidade de Ricardo Salgado.

Comecemos por Fernando Negrão, novo ministro da Justiça. Juiz de círculo que passou por várias comarcas do interior até chegar ao Tribunal da Boa Hora onde fez parte do coletivo que julgou Costa Freire, ex-secretário de Estado da Saúde de Leonor Beleza no início dos anos 90, e José Beleza, irmão da ex-ministra da Saúde de Cavaco Silva, Negrão foi nomeado diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) entre 1995 e 1999. Era a época em que os casos judiciais terminavam com prescrições de gaveta e em que a investigação criminal era muito marcada pelo caso da Universidade Moderna onde se investigava suspeitas de gestão danosa da administração daquela instituição liderada pela família Braga Gonçalves misturadas com guerras maçónicas que tinham o filho do reitor, José Braga Gonçalves, como protagonista. Em suma: todos os jornais procuravam saber novidades do caso Moderna.

Estávamos em março de 1999. O Diário de Notícias (DN) avança com a notícia em primeira página de que vão ser realizadas buscas judiciais à Universidade Moderna.

A informação é desmentida, as buscas não se chegam a realizar-se e a jornalista que assina a notícia, com o apoio da direção editorial do DN, denuncia Fernando Negrão, então diretor nacional da PJ, como a fonte da notícia em conversas telefónicas com a jornalista Margarida Maria ocorridas a 5 e 9 de março de 1999 e ouvidas por dois membros da direção editorial do jornal.

Pressionado por Cunha Rodrigues, então procurador-geral da República, e por Vera Jardim, ministro da Justiça do governo de António Guterres que lhe retira a confiança política, Negrão é obrigado a demitir-se. Mas o problema não fica por ali.

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Concentrado em fazer do caso Negrão um caso exemplar da luta contra a violação do segredo de justiça, Cunha Rodrigues empenha-se pessoalmente e ordena um inquérito rápido – a abertura da investigação era obrigatória por o crime ser público, isto é, o Ministério Público (MP) estava sempre obrigado a investigar como magistratura que zela pela legalidade. Negrão é acusado do crime de violação do segredo de justiça pelo MP com os testemunhos dos jornalistas do DN logo em 1999 e acusa Cunha Rodrigues de montar uma cabala conta si por profundas divergências sobre a lei orgânica da PJ e o modelo de investigação criminal.

Sendo juiz de círculo, do quadro do Tribunal Criminal de Setúbal, teve de ser um tribunal superior, a Relação de Lisboa, a analisar o requerimento de abertura de instrução criminal apresentado pelo advogado Proença de Carvalho. A desembargadora Margarida Blasco (mais tarde, diretora do Serviço de Informações e Segurança por indicação do primeiro-ministro Durão Barroso e atualmente inspetora-geral da Administração Interna por nomeação de Miguel Macedo em 2012) fica com o caso nas mãos, liderando as sessões de instrução que acabam por transformar-se num quase julgamento num das salas da Relação de Lisboa. Os jornalistas do DN mantém a sua versão, Fernando Negrão contesta e Margarida Blasco acaba por não pronunciar o atual ministro da Justiça a 31 de maio de 2000 por entender que não existia uma alta probabilidade de o mesmo ser condenado em julgamento. As versões contraditórias apresentadas e o facto de a desembargadora ter considerado as conversas ocorridas como privadas, foram decisivos para o arquivamento.

O MP ainda recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça mas um ano mais tarde, em 2001, o caso ficou definitivamente encerrado. Eleito nas eleições legislativas antecipadas de 2002 para deputado nas listas do PSD e mais tarde ministro da Segurança Social do governo de Santana Lopes (2004/2005), Fernando Negrão voltou a ser considerado suspeito de um novo caso de violação de segredo de justiça relacionado com um inquérito da PJ do Algarve e com o seu ex-diretor nacional adjunto Sousa Martins mas o caso não teve os mesmos desenvolvimentos do caso da Moderna. Estava em causa uma investigação sobre a autoria de panfletos anónimos sobre o presidente da Câmara de Ourique, José Raúl dos Santos, do PSD.

Costa Neves e o caso Portucale

Damos agora um salto no tempo para o ano de 2005 – últimos dias do governo de Santana Lopes, primeiro-ministro que tentava discutir a vitória nas eleições legislativas antecipadas marcadas pelo Presidente Jorge Sampaio com José Sócrates, o novo líder do PS.

Pressionados por Abel Pinheiro, então diretor financeiro do CDS/PP e figura muito influente no partido de Paulo Portas, Nobre Guedes (ministro do Ambiente), Telmo Correia (ministro do Turismo) e Costa Neves (ministro da Agricultura) assinam um despacho a declarar o interesse pública da Herdade da Vargem Fresca, propriedade do Grupo Espírito Santo. Era o que bastava para ser viabilizar o abate 2.500 sobreiros e abrir o caminho à construção do projecto turístico da empresa Portucale.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal, contudo, tinha aberto um inquérito por suspeitas de trafico de influências e estava a ouvir todas as conversas e a seguir todos os passos dos protagonistas desse caso, com destaque para Abel Pinheiro e as respetivas suspeitas de financiamento partidário ilícito que recaíram sobre o CDS/PP – partido que tinha indicado dois dos três ministros envolvidos no caso.

Costa Neves foi constituído arguido em 2007 por suspeitas de tráfico de influências, dois anos após o início das investigações, mas acabou por não ser acusado no final do inquérito – Nobre Guedes tinha visto os indícios recolhidos contra si serem arquivados num despacho intercalar dado em 2006 e Telmo Correia nunca passou de testemunha.

Quando foi conhecida a notícia da sua constituição de arguido, e antes de ser conhecida a decisão do MP de arquivar o caso contra si, Costa Neves viu Carlos César, então presidente do governo regional dos Açores e hoje líder parlamentar do PS, elogiar-lhe a honestidade e sair em sua defesa. Mais tarde, no final do julgamento, Abel Pinheiro e os restantes arguidos foram igualmente absolvidos.

Calvão da Silva tentou ajudar Ricardo Salgado

O novo ministro da Administração Interna é um histórico do PSD, presidente do Conselho Jurisdição Nacional do partido, com uma longa carreira académica. Doutorado em Direito Civil e professor catedrático da Universidade Coimbra, Calvão da Silva acabou por ser protagonista de um episódio mediático do caso BES/GES revelado pelo jornal i. Contratado como juriconsulto por Ricardo Salgado para emitir um parecer jurídico que seria enviado para o Banco de Portugal, Calvão da Silva arriscou pronunciar-se sobre os 14 milhões de euros que o construtor José Guilherme transferiu para as contas de Ricardo Salgado que estiveram na origem de retificações fiscais que foram realizadas pelo líder da família Espírito Santo e que levaram, inclusive, o Ministério Público (MP) a pedir explicações em dezembro de 2013 ao líder da família Espírito Santo.

Afirma Calvão da Silva no parecer pago por Ricardo Salgado que tal prémio de 14 milhões de euros, que o ex-líder do BES classificou ao MP como uma “liberalidade” de José Guilherme por lhe ter dado bons conselhos imobiliários para investir em Angola, enquadra-se no “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade”.

Calvão da Silva acrescenta ainda no referido parecer o seguinte:

A liberalidade foi por conselho dado a título pessoal, fora do exercício de funções e por causa das funções de administrador bancário, não se vê por que razão censurar a sua aceitação, muito menos que possa constituir fator relevante na decisão de registo sob o prisma da idoneidade necessária a uma gestão sã e prudente da instituição de crédito”.

Isto é, o futuro ministro da Administração Interna não viu nenhum problema no facto de um presidente executivo de um banco ter recebido 14 milhões de euros de um cliente, como também não considerou incompatível por parte de Ricardo Salgado o exercício de funções de consultor em Angola para um cliente de um banco angolano que era detido maioritariamente pelo BES e que o próprio Salgado acompanhava de perto.

Este parecer de João Calvão da Silva tornou-se relevante depois de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, ter citado o mesmo para justificar a sua decisão de ter mantido a idoneidade de Ricardo Salgado depois do jornal i ter noticiado as retificações fiscais feitas por Ricardo Salgado devido à sua atividade declarada como consultor com rendimentos obtidos em Angola.