Artigo atualizado às 17h48 com as declarações de Catarina Martins

O ativista Rafael Marques disse hoje que a ação de Luaty Beirão é um “feito histórico” que despertou consciências sobre Angola cumprindo um dia de greve de fome por cada ano do Presidente José Eduardo dos Santos no poder.

“O Luaty, rebelde como sempre, terminou os 36 dias que significam também os 36 anos de poder do Presidente da República. É simbólico e é também uma declaração, uma prova de resistência do Luaty. Foi um dia de greve por cada ano no poder do Presidente José Eduardo dos Santos”, disse à Lusa o autor do livro “Diamantes de Sangue”

Rafael Marques

Para Rafael Marques, que visitou na semana passada os 15 acusados de prepararem um golpe de Estado, o fim do protesto é uma notícia que deve “alegrar todos” considerando que a greve de fome de Luaty Beirão foi “um feito histórico que fica para os anais da História angolana”.

“Não há aqui vitórias nem derrotas porque o importante aqui foi o despertar para a realidade e para as injustiças que nós passamos e também fazer compreender ao Presidente José Eduardo dos Santos, e ao seu regime, que o mundo mudou e a opinião que o mundo hoje tem sobre o regime já é completamente diferente e, por isso, ou dialoga com a sociedade e encontra saídas ou continuará a ser isolado na cena internacional”, afirmou Rafael Marques.

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O ativista angolano Luaty Beirão, internado sob detenção numa clínica de Luanda, terminou hoje a greve de fome de protesto, mas avisou que não vai desistir de lutar pelo fim da “greve humanitária e de Justiça” em Angola.

“Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve. Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardamos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso país também parem a sua greve humanitária e de justiça”, afirmou Luaty Beirão, na carta enviada pela família à Lusa e na qual anuncia o fim da greve de fome, que na segunda-feira completou 36 dias.

Para Rafael Marques, os jovens, considerados presos de consciência pela Amnistia Internacional, devem ser “imediatamente” libertados.

“Eles estão presos de forma injusta e por acusações ridículas e o apelo deve continuar no sentido de eles serem libertados imediatamente. O presidente José Eduardo dos Santos não pode continuar a usar o sistema judicial para amedrontar as pessoas, para aterrorizar os cidadãos de bem”, acrescentou, referindo-se ao julgamento dos jovens, cujo início está marcado para o dia 16 de novembro.

“É o Presidente quem dá instruções diretas ao Procurador-Geral da República, logo a prisão destes jovens é uma instrução direta do Presidente da República a quem cabe agora dar instruções diretas para que o Ministério Público retire as acusações ridículas contra estes jovens”, sublinhou o ativista, que apelou também ao fim do “clima de intimidação” no país.

Rafael Marques

“É importante fazer o apelo porque estão a verificar-se movimentos militares estranhos e que estão a preocupar as populações e está-se a criar um clima para atemorizar as pessoas e nós temos de acabar com esta cultura do medo e os abusos de poder”, concluiu Rafael Marques, que se encontra em Lisboa.

Amnistia aplaude

Já a presidente da Amnistia Internacional Portugal, Teresa Pina, congratulou-se com o anúncio do fim da greve de fome do ativista angolano Luaty Beirão, que considerou ter sido “um ato de bravura e coragem”. 

Em declarações à agência Lusa, a responsável da Amnistia Internacional Portugal classificou o fim da greve de fome como uma “boa notícia”, pois não houve “perda de vida humana”.

“É um ato de enorme coragem e de grande bravura por parte de Luaty, que decidiu que deveria terminar a greve de fome por entender que deve entrar noutra fase para enfrentar a questão”, disse.

Presidente da Amnistia Internacional Portugal, Teresa Pina

Teresa Pina salientou que a “AI respeita as vontades individuais e não se intromete neste tipo de decisões”.

No entender da presidente da AI Portugal, com o fim da greve de fome evitou-se a deterioração da situação.

“Quero dizer também que a nossa expectativa mantém-se agora reforçada. Esperemos que se abra um novo capítulo no caso, designadamente que se olhe para o que está em cima da mesa: acusações num processo que envolve prisioneiros de consciência e que o julgamento não tenha lugar, que sejam retiradas acusações e as pessoas libertadas”, sublinhou.

Teresa Pina adiantou que, na quarta-feira, a organização vai ser recebida na embaixada de Angola em Lisboa, onde irá apresentar as suas mesmas preocupações e entregar uma petição, com cerca de 40 mil assinaturas, para a libertação dos ativistas angolanos detidos.

“A embaixada de Angola respondeu ao nosso pedido de audiência [efetuado na semana passada]. Vamos ser recebidos amanhã [quarta-feira]. Esperamos, já num ambiente de menor tensão, ter a oportunidade de abordar a questão dos direitos humanos”, concluiu.

“Ele quando falou comigo, na segunda-feira, já encarava essa possibilidade, de terminar a greve de fome. Era mais do que provável, de certo modo rendia-se aos apelos dos colegas e nomeadamente o último, que foi feito pela esposa, por causa da filha”, disse o advogado Luís Nascimento à Lusa.

Até segunda-feira, Luaty Beirão cumpriu 36 dias em greve de fome, protestando contra o que dizia ser o excesso da prisão preventiva e exigindo aguardar julgamento em liberdade, como prevê a lei angolana.

O músico e ativista, que também tem nacionalidade portuguesa, é um dos 15 ativistas angolanos em prisão preventiva desde junho, sob acusação de atos preparatórios para uma rebelião em Angola e um atentado contra o Presidente da República.

O início do julgamento, que envolve outras duas arguidas em liberdade provisória, está agendado para 16 de novembro, no Tribunal de Cacuaco, nos arredores de Luanda.

Ana Gomes

A eurodeputada Ana Gomes saudou a decisão do ativista angolano Luaty Beirão de por fim à greve de fome, que considerou um “grande alívio”, elogiando a sua determinação e dos restantes presos em “mostrar a face do regime” angolano.

“A luta continua, a vitória é certa, é o grito da guerra de independência de Angola, que eu agora ecoo, 40 anos depois, saudando esta decisão do Luaty Beirão de por fim à greve de fome, para grande alívio nosso”, declarou a deputada, à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu, que decorre em Estrasburgo, França.

Ana Gomes, eurodeputada do PS

Ana Gomes destacou “a determinação” de Luaty Beirão “e dos outros presos em mostrar a face deste regime, que é realmente antidemocrático e ladrão”, considerando que desempenharam um “papel essencial”, pondo em marcha um movimento de “solidariedade internacional, que é precisa para que Angola efetivamente vá por uma via democrática, que é sem dúvida a aspiração do povo angolano, agora quando celebra 40 anos de independência do colonialismo português”.

Também Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, já reagiu ao fim da greve de fome de Luaty Beirão. Em declarações aos jornalistas a partir da sede do partido, a bloquista elogiou a atitude do ativista angolano que, “com a sua greve de fome, com a sua coragem”, “trouxe os olhos do mundo para o que se estava a passar em Angola”.

A bloquista disse também que já ninguém pode “ignorar a ditadura que se vive em Angola, o atentado às mais básicas liberdades e a situação em que estão estes ativistas”. A partir de hoje, “já nada será o mesmo”.

Catarina Martins apelou ainda a que os “olhos do mundo se mantenham em Angola”, até porque, acrescentou, “não há nenhuma forma de existir um julgamento justo para estes ativistas”, cujo “único crime que cometeram foi estarem a ler um livro”. Nesse sentido, “o Estado português não pode ficar calado” e deve ter “uma voz clara para exigir a libertação imediata destes ativistas”.