“Se for preciso estou cá daqui a duas semanas. Porque não?“, diz ao Observador uma funcionária pública, trabalhadora no Ministério das Finanças “há 20 anos”, que fez parte das centenas de pessoas que quiseram assistir à cerimónia de tomada de posse do novo Governo esta sexta-feira para, no fim, apertarem a mão aos governantes. Mesmo que sejam governantes por duas semanas. A trabalhar no Estado há mais de duas décadas, a auditora financeira que não quis ser identificada não se lembra de ter ido a outras tomadas de posse de outros governos constitucionais, mas a esta não queria faltar. Chegou à Ajuda “atrasada”, já o discurso de Cavaco Silva ia no adro, mas não quis deixar de estar presente para “apoiar os colegas” de ministério com quem, diz, já trabalhou de perto. Até porque é nos “maus momentos que os amigos mais precisam de apoio”, nota, admitindo que os tempos que hoje se vivem pelos corredores da governação já conheceram dias mais felizes. 

A auditora financeira sabe que estes governantes – os que já lá estiveram nos últimos quatro anos, e que, por agora, lá continuam – são “muito competentes” e por isso quis ir ao Palácio da Ajuda nesta manhã de sexta-feira prestar o seu apoio. Sem hesitar, compara o ambiente que esta sexta-feira se viveu na Ajuda quase como o de “um casamento”, onde há o firmar de um compromisso e depois as felicitações, os cumprimentos, o bolo e o champanhe. Faltou o champanhe e o bolo e, dada a dimensão do elenco governativo, houve muitos noivos e noivas para cumprimentar. Mas, tal como num casamento, a funcionária do Estado nota que “sabemos à partida que nem sempre é para durar”.

É assim mesmo, não é por isso que se deixa de tentar. Se falhar, há sempre mais peixe no mar e, por isso, lembrando que nos últimos 20 anos já passaram pelas Finanças governos de várias cores e feitios, a funcionária das auditorias financeiras não hesita em dizer que “sim”, que estará na Ajuda daqui a duas semanas “se for preciso” dar posse a um outro Governo. Preferia não o fazer, contudo, porque também não vaticina um casamento longo à esquerda. E, assim como assim, “os que já lá estão já conhecem bem o funcionamento das coisas”.

O mote tinha sido dado por Adolfo Mesquita Nunes, secretário de Estado do Turismo, momentos antes ao subir as escadas do Palácio. “Daqui a 15 dias és tu a subir esta escadaria”, disse para João Galamba, socialista apontado como provável secretário de Estado de um eventual governo liderado por António Costa. O deslize de Adolfo Mesquita Nunes (atual secretário de Estado do Turismo), captado pela RTP no momento em que este cumprimentava o socialista à chegada à cerimónia, serviu pelo menos para destapar o elefante que esteve na sala o tempo todo: afinal, o Governo tem um fim pré-anunciado para o dia 10 de novembro, altura em que os partidos da esquerda se deverão unir em torno da aprovação de uma moção de rejeição que fará cair o novo Executivo de Passos Coelho na hora. E é difícil de ignorar que os juramentos, assim como os beijinhos de parabéns e felicitações, não sejam “tempo perdido”, como faz questão de lembrar a esquerda unida, do BE ao PCP passando pelo PS.

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Sem manifestações ou protestos visíveis, o Observador encontrou entre os convidados um professor de opinião diferente. Hugo Lucas, professor do ensino secundário há seis anos, tem a certeza de que não estará na Ajuda daqui a 15 dias a ver Cavaco empossar um governo liderado por António Costa se o atual governo de Passos cair às mãos do Parlamento. “Vim há quatro anos mas não vim há seis – e também não venho daqui a duas semanas se for caso disso”, diz prontamente, justificando a sua presença na cerimónia com a vontade de querer apoiar não só a nova ministra da Educação (“que tem provas dadas”) mas sobretudo “o Governo de Portugal”.

Foi assim que tudo começou. Ou que acabou, ainda é cedo para dizer. Pedro Passos Coelho tomou posse esta sexta-feira no sítio do costume, a sala dos Embaixadores no Palácio da Ajuda. Às 12h04 já era (novamente) primeiro-ministro de Portugal em funções, mas, ao contrário do habitual, a imponente sala de lustre pesado não se encheu de sorrisos ou de entusiasmo pela legislatura que aí vem. Foi-se a alegria, ficou apenas o formalismo e a cordialidade. Ao contrário do habitual (já vem sendo hábito por estes dias dizer ‘ao contrário do habitual’), esta não foi uma cerimónia só para o leque mais restrito de ministros, mas foi também para o leque alargado de secretários de Estado. 36 no total. O que, a juntar-se aos 17 ministros, dá um total de 53 nomes para chamar e 53 juramentos para jurar. E muitas normas para seguir. O entusiasmo, assim como os jornalistas e os convidados menos restritos, ficou à porta.

Mas o elefante, esse, esteve sempre na sala.

De táxi, em carro ecológico ou à boleia para passar a pasta

Certo é que entre os membros do elenco governativo, procurava-se mostrar que o governo não estava a assinar um papel com data de validade. Paula Teixeira da Cruz, antiga ministra da Justiça, chegou às arcadas do Palácio da Ajuda no mesmo carro do que Fernando Negrão, o agora ministro da Justiça: tempo para passar pastas? 

Pedro Passos Coelho chegou com a mulher, Laura Ferreira, que se sentou na primeira fila da sala dos Embaixadores, palco da cerimónia. Jorge Moreira da Silva, que não tinha estado na tomada de posse de há quatro anos na qualidade de ministro (visto que só assumiu a pasta em 2013), chegou no seu carro elétrico com a família toda, mulher e três filhas, e Pedro Lomba, por exemplo, foi acompanhado da mulher, grávida. O novo secretário de Estado Adjunto do Vice-Primeiro-Ministro, Eduardo Nogueira Pinto, chegou de táxi. De resto, menos crianças e menos familiares do que o habitual em cerimónias deste calibre. Assunção Cristas, mãe de quatro filhos, chegou sozinha à cerimónia. 

Tudo estava pensado ao pormenor na organização da sessão, com os familiares e convidados dos governantes a serem encaminhados para uma sala própria, de onde ficariam a assistir à cerimónia, e os governantes e ex-governantes a ficarem com a sala principal só para si. Quanto aos jornalistas, ficavam à porta, numa sala reservada, podendo circular apenas até meia hora antes do início da sessão e, no fim, só depois da saída do Presidente da República. De resto, todo o quarteirão em redor do Palácio da Ajuda estava, como é hábito, cercado pela PSP.

À saída, e depois dos discursos, todos os atores políticos mostraram para fora que estavam com os dois pés firmes na tomada de posse do Governo, e não com um pé dentro e outro fora. A nova ministra da Educação, Margarida Mano, estreante nestas andanças, poupou-se nas palavras para dizer apenas que estava “muito contente e com grande confiança”, enquanto o deputado Luís Vales, que orquestrou a campanha eleitoral da coligação, preferia reforçar que estava “orgulhoso”. Todos saiam sorridentes, apesar de tudo, havia abraços e pequenas corridas em passo apreçado para “cumprimentar o novo secretário de Estado”. Virgílio Macedo e Miguel Pinto Luz, líderes distritais do PSD Lisboa e Porto, respetivamente, tinham um pequeno grupo de deputadas que ao Observador disseram ter ido à Ajuda para os apoiar.

Entre os atores políticos, como se a moção de rejeição não estivesse a caminho, reinava a esperança. O líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, até lembrou o aparente mau estado das negociações à esquerda para dizer que, “até ver”, não acredita que o Governo agora empossado seja derrubado. “Continuo a acreditar que este Governo tem qualidade para quatro anos”, disse o centrista, pouco depois de também o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, ter rejeitado a ideia de que se trata de um governo a prazo. Tanto Montenegro como Magalhães chegaram a ser apontados como nomes ministeriáveis mas ambos acabariam por optar por reforçar os seus papéis de liderança no Parlamento. 

De resto, também Passos Coelho falou mais como governante e não como derrotado. “Os portugueses deram-me mandato claro para governar. Assumo a responsabilidade indeclinável de respeitar essa vontade expressa pelos portugueses”, disse, para depois elencar as prioridades do novo Governo para – de facto – governar. No fim da festa, foram-se os Volvos, os BMW, os Volkswagen, os táxis e o carro ecológico de Moreira da Silva, e ficou a dúvida. Estaremos de volta daqui a duas semanas?