Uma jovem afegã, casada contra a sua vontade, terá sido apedrejada até à morte por tentar fugir com outro homem, conta o Guardian.

Um vídeo de 30 segundos, não verificado, mostra um grupo de homens a atirar pedras contra uma mulher que estava dentro de um buraco, e algumas pessoas que estão a assistir ao apedrejamento sem qualquer tipo de reação. O Guardian conta que o incidente aconteceu numa aldeia da capital da província afegã de Ghor, Ghalmeen, que está sob controlo de grupos armados talibãs.

A mulher, Rokhshana, tinha 19 anos e foi acusada de adultério depois de estar com um homem muito mais jovem do que aquele com quem foi forçada a casar. Rokhshana já tinha tentado fugir há alguns anos para o Irão, quando a sua família insistiu que casasse com um homem mais velho. Depois da fuga voltou e foi forçada a casar-se. Desta vez tentou fugir já enquanto mulher casada e foi punida com a morte por apedrejamento.

Segundo a BBC, as autoridades locais de Ghor culparam um grupo de talibãs pelo assassinato, mas alguns ativistas em Cabul já vieram alertar para a necessidade de não serem tiradas conclusões precipitadas. A co-fundadora do Instituto de Pesquisa para Mulheres, Paz e Segurança, Wazhma Frogh, disse ter sido informada de que os agressores não era talibãs mas sim líderes religiosos locais, avança o Guardian. O que mostra como o problema é mais profundo já que este hábito brutal não é um exclusivo dos radicais. 

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Wazhma explicou que, embora não querendo de maneira alguma ilibar os talibãs das atrocidades que já cometeram, as autoridades locais tentam culpar o grupo sempre que podem.

“Normalmente eles colocam as culpas sobre os talibãs para encobrir a sua própria espécie. É claro que os talibãs também o fazem, mas não podemos negar que os líderes locais também”, disse.

“Este é o primeiro incidente nesta área (este ano), mas não será o último”, disse a governadora Joyenda à AFP. A governadora explicou que as mulheres têm problemas em todo o país, mas que em Ghor a situação é mais complicada porque ainda existem muitas atitudes conservadoras.

A BBC relembra o caso de uma outra mulher que foi barbaramente espancada e incendiada, em março, no centro de Cabul, depois de ter sido acusada, falsamente, de ter tentado queimar uma cópia do Alcorão. Nessa altura vários protestos surgiram em todo o país, condenando o modo como as mulheres afegãs são tratadas, bem como a inexistência de uma suficiente proteção legal. O Guardian acrescentou que também as ativistas dos direitos das mulheres são habitualmente perseguidas pelos rebeldes.

A lapidação na tradição de Moisés e no Evangelho de São João

O apedrejamento ou lapidação das mulheres adúlteras – assim como dos homens “surpreendidos a dormir com uma mulher casada – fazia parte da lei mosaica e pode encontrar-se no Antigo Testamento nas leis sobre o casamento do versículo 22 do Deuteronímio. Mas essa tradição foi contrariada no cristianismo, que incorporou na sua doutrina a chamada “Perícopa da Adúltera”, que integra um dos textos fundamentais do Novo Testamento, o Evangelho de São João, mesmo sendo discutível que essa passagem tenha sido copiada dos manuscritos deixados pelo apóstolo. Vale a pena recordá-lo:

Cada um foi para sua casa; mas Jesus foi para o monte das Oliveiras. De madrugada voltou ao templo, e todo o povo ia ter com ele; e Jesus, sentando-se, o ensinava. Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adultério, puseram-na no meio de todos e disseram a Jesus: ‘Mestre, esta mulher tem sido apanhada em flagrante adultério. Moisés nos ordenou na Lei que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?’ Isto diziam, experimentando-o, para ter de que o acusar. Jesus, porém, abaixando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Como eles insistissem na pergunta, levantou-se e disse-lhes: ‘Aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro que lhe atire uma pedra’. Tornando a abaixar-se, continuou a escrever no chão. Mas ouvindo esta resposta, foram saindo um a um, começando pelos mais velhos, ficando só Jesus e a mulher no lugar em que estava. Então levantando-se Jesus, perguntou-lhe: ‘Mulher, onde estão eles? ninguém te condenou?’ Respondeu ela: ‘Ninguém, Senhor.’ Disse Jesus: ‘Nem eu tampouco te condeno; vai, e não peques mais’.