Enquanto não há acordo fechado à esquerda, no PS o debate interno continua e Francisco Assis, que esta sexta-feira vai reunir-se com apoiantes — antes de, no domingo ficar frente-a-frente com António Costa —, volta a defender que os socialistas cometem um erro ao tentarem aliar-se com os partidos da “extrema-esquerda”.

Num artigo de opinião publicado na edição online do jornal Público, o ex-líder parlamentar socialista, depois de uma longa introdução onde fala dos pontos que tocam a entrema-esquerda e a extrema-direita, e das desvantagens que isso tem para “o exercício de prudência, do reformismo e do gradualismo”, Assis escreve sobre o caso português.

Começa por criticar quem defende uma solução governativa “alicerçada num entendimento parlamentar entre o PS e os partidos de extrema-esquerda”. 

“Justificam a bondade de tal opção pela necessidade de responder à radicalização da direita e de assegurar a defesa do Estado-Providência. A sua tese é simples e clara: a direita caminhou em direção a uma posição extremista e a extrema-esquerda começa a manifestar disponibilidade para uma convivência útil com o centro-esquerda.”

Para Assis, esta tese “radica num misto de inocência e crendice”, porque “nem a direita portuguesa se tornou subitamente toda ela extremista, nem a extrema-esquerda se converteu subitamente num modelo de pragmatismo aberto à moderação”.

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Por isso, a posição de Francisco Assis é muito clara e assenta na resposta a esta pergunta:

“Será mais fácil atrair a direita, em nome do consenso europeu baseado na economia social de mercado, para posições consentâneas com a defesa do Estado-Providência, ou sensibilizar a extrema-esquerda para os méritos de um paradigma baseado na conciliação entre o mercado, a democracia representativa e um Estado-Social promotor da dignidade mas que não desresponsabilize o esforço individual?”

Para o eurodeputado a resposta é clara: há mais pontos em comum entre o PS e o PSD, do que entre o PS e o PCP e Bloco de Esquerda.

“Parece-me óbvio que aquilo que aproxima o centro-esquerda do centro-direita é bem mais vasto do que aquilo que aproxima o centro-esquerda da extrema-esquerda. Quem pensa desta forma não pode senão ter uma posição crítica em relação à possibilidade de concretização de um acordo parlamentar entre o PS, o BE e o PCP. Quem pensa o contrário tenderá naturalmente a rejubilar com tal entendimento.”

Não é novidade que Francisco Assis está contra a ideia de os socialistas formarem um governo apoiados num acordo à esquerda, mas nestes dias em que tudo se pode precipitar, o eurodeputado reafirma o que defende — e vai continuar a defender dentro do partido — e deixa um aviso ao PS.

“Considero mais adequado ao interesse nacional a existência de uma solução governativa em que a direita fique dependente das posições do PS a uma outra em que o PS se torne refém dos humores, caprichos, estratégias e tacticismos dos partidos da extrema-esquerda. Esta é que é a verdadeira questão e é em relação a ela que nos devemos pronunciar. Pela minha parte, não deixarei de comparecer a este debate que reputo da maior importância para o futuro do país e do PS.”

A ponta do iceberg

Francisco Assis desdobra-se em declarações, e pouco tempo depois de o Público disponibilizar o artigo de opinião, Assis já estava no Jornal das 8 da TVI, a ser entrevistado. E desta vez decidiu comparar o acordo entre o PS, PCP e Bloco a um iceberg. 

“Este acordo é a parte visível do icebergue. O iceberg é uma pequena parte que é visível mas a parte que é invisível é a mais determinante e é normalmente aquela que causa os maiores desastres.” 

Para o socialista, a “parte invisível” que causa mais danos diz respeito às divergências entre socialistas, comunistas e bloquistas sobre “matérias fundamentais como política económica, concepção do modelo económico e social, política económica e concepção do que deve ser o projeto europeu”. Diz Francisco Assis: “O argumento daqueles que defendem este entendimento é que nós vamos pôr de parte estas divergências mais profundas”. No entanto, essa parte invisível “está lá e estará lá sempre”.

Para o socialista, “o governo tem de saber reagir a situações novas e um governo baseado num acordo parlamentar entre partidos tão distintos, com visões do modelo económico-social tão diferentes, (…) não tem a devida coerência e consistência”.