Um cantor de ópera abandona o palco a meio da atuação. Recebe a notícia de que a namorada o deixou e nesse momento decide partir ao encontro da sua história de amor perdida. A carta do adeus precipita a viagem pelos lugares da memória partilhada pelos dois amantes, que é ao mesmo tempo uma jornada pelos locais mais emblemáticos da herança cultural europeia em geral, e da produção musical em particular.

Está montada a trama do espetáculo “Be With Me Now” que foi especialmente concebido para assinalar o quinto aniversário da Rede Europeia de Academias de Ópera (ENOA). Estreado em julho no Festival d’Aix-en-Provence, passou por Amesterdão, Munique e chega agora a Lisboa, onde vai ser apresentado no dia 10 de novembro, pelas 21 horas, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.

Partindo de “A Flauta Mágica” de Mozart a narrativa segue o percurso de Tamino por diferentes cidades europeias, acompanhado pelos músicos em palco que tocam obras inspiradas nos países que ele visita. Se está em Espanha o alinhamento incorpora ritmos de Zarzuela, com uma peça de Pablo Luna, ao passo que em França se escutam as canções de Cabaret, de Britten, do mesmo modo que ao chegar a Itália um dos cantores interpreta uma peça de Bellini, da ópera “Romeo e Julieta”. A crise provocada pela saída do tenor desencadeia afinal uma série de provações e aventuras que podemos acompanhar numa tela onde as imagens complementam a textura sonora dada pelas vozes às melodias.

A produção envolve cinco cantores e quatro instrumentistas que asseguram a performance nesta viagem ao longo de quatro séculos de música europeia mas também pelas capitais mais importantes ao nível da criação artística. Um espetáculo invulgar construído como uma colagem, numa versão moderna do que ficou conhecido como “pastiche”, a conjugação numa mesma obra de árias e composições com linhagens distintas.

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O ensemble dirigido por MaNOj [sic] Kamps, músico do Sri Lanka radicado na Holanda, protagoniza a diversidade da música composta no continente europeu incluindo ainda repertório clássico de Lambert, Stravinsky, Wagner, Häendel e Mitterer a par de duas criações contemporâneas compostas especialmente para o efeito. “Tristia” do belga Daan Janssens e a peça que constitui o epílogo da narrativa, “What the Night Brings” assinada por Vasco Mendonça, confirmam a ópera como arte viva. “Be With Me Now” é também uma oportunidade para ouvir a flautista Ana Filipa Lima, formada na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo no Porto.

A demanda pelo amor perdido permite a combinação de diferentes épocas numa mistura de estilos operáticos e teatrais, mergulhando no teatro popular com a mesma profundidade que na ópera clássica. O espetáculo revela-se uma amostra representativa da Europa no momento atual evidenciando, pela forma como está estruturado, o modo como é pensada a música hoje. E com a história de “Be With Me Now” somos capazes de fazer um périplo pelo continente que nos deu criações tão importantes e famosas como os “Noturnos” de Chopin, essência do Romantismo compostos ao longo de quase vinte anos, ou “O Anel dos Nibelungos” de Wagner.

A Fundação Calouste Gulbenkian é membro da rede ENOA que reúne instituições de 10 países, a par de 14 entidades em parceria, com a ambição comum de gerar oportunidades de desenvolvimento e formação junto dos centros de excelência no conhecimento artístico. Outra vantagem desta rede de academias de ópera é permitir a divulgação do trabalho dos jovens criadores no espaço alargado da União Europeia. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a obra do compositor Vasco Mendonça “The House Taken Over” apresentada no Festival d’Aix-en-Provence em 2013.

Os jovens criadores de ópera contemporânea reforçam a vitalidade da tradição Europeia e a qualidade da produção operática atual. E podem através da música lembrar que o património, cultural e musical em primeiro lugar, deve ser compartilhado por todos. As emoções sentidas quando se escuta uma ária numa representação teatral podem unir e apagar as diferenças, afinal o que importa é o poder da arte como elemento de ligação universal entre os povos. Entre o ontem e o amanhã, na música podemos encontrar-nos.