O termo técnico é falca. É a cortiça que não está no tronco do sobreiro mas sim nos ramos da árvore. Durante muito tempo, não servia para nada. Fazia-se a poda ou os ramos caíam pela lei da gravidade e ela ali ficava, a ver a cortiça do tronco, branca e nobre, ser retirada para criar rolhas e outros objetos. Mas depois começou-se a reparar nos galhos que iam para o lixo: “a madeira apodrecia e a cortiça ficava impecável anos e anos”. E começou-se a aproveitar a falca, que saiu do chão mas nem por isso deixou de estar escondida: até há pouco tempo, era usada exclusivamente para fazer o isolamento das casas.

“Começámos apenas agora a assumir o material, que é fabuloso”, diz Toni Grilo, designer e diretor criativo cuja função é criar novas marcas e que numa visita à fábrica Sofalca, em Abrantes, percebeu que tinha tudo para pôr de pé um projeto de mobiliário original: a Black Cork.

“No início o grande desafio foi convencer o diretor da fábrica de que este era um material nobre e fabuloso”, conta Toni Grilo ao Observador. “Ele dizia: ‘Está bem, podemos fazer peças com esta cortiça. Mas ela é preta. Vamos tapá-la? Vamos barrá-la? Vamos cobri-la?’. E eu: ‘Não, vamos assumir como está’.”

Cut chair2 - Toni Grilo

A cadeira desenhada pelo diretor criativo, Toni Grilo, é atualmente o bestseller da Black Cork. Já foi vendida para restaurantes, particulares e “até para um pianista”.

Todas as peças da marca, lançada em 2014 numa das mais importantes feiras de design e decoração, a Maison & Objet, em Paris, são feitas em cortiça preta a partir de blocos que são transformados em cadeiras, candeeiros ou outro mobiliário de design na fábrica que existe desde os anos 60 mas até há muito pouco tempo servia apenas para abastecer a construção civil. 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do momento em que sai da árvore até levar uma etiqueta, todo o processo é feito de forma sustentável. “A cortiça branca é colada, ou seja, há aditivos, e o processo não é tão ecológico como se pensa”, diz Toni Grilo. “A nossa é bem diferente. Tiramos a cortiça durante a poda dos sobreiros, ou seja, dos ramos, portanto tiramos também a madeira. É algo em total respeito pela árvore, que é protegida em Portugal, e é algo que temos de fazer. Depois da poda temos um sistema para separar a cortiça do ramo. De um lado ficamos com a madeira, do outro com o granulado, que é branco. Esta madeira é utilizada para aquecer uma caldeira gigante, e o granulado é colocado dentro de um molde, que é prensado e atravessado com água aquecida na caldeira, a 360 graus.”

[jwplatform TjHlrLNl]

Quando o molde volta a ser aberto, sai um bloco de cortiça maciça, preta e a fumegar, mas sem pegar fogo. “A cortiça não arde”, diz Toni Grilo. “Aliás, dizem que a cortiça surgiu porque havia muitos incêndios no Mediterrâneo e foi a própria árvore que criou aquela película cheia de ar em forma de defesa, como uma espuma.” Continua o designer: “O que o calor faz é aglomerar a cortiça. Sem cola, sem aditivos, sem nada. É um pouco como as pipocas: a cortiça expande-se e como está prensada aglomera. Fica um material muito leve, eficiente e eterno, porque não ganha bicho.”

A partir desse material — o mesmo que a NASA utiliza para fazer o isolamento das suas naves e que muitas vezes também incorpora cortiça reciclada –, o diretor criativo tem desafiado outros designers portugueses a desenharem peças para se juntarem às que ele próprio criou. 

Com uma matéria tão portuguesa, quis fazer um projeto só com designers portugueses, a nova geração. Ninguém os conhece e é uma pena, porque temos bons profissionais. Tenho recebido contactos de estrangeiros e por vezes até de nomes estabelecidos, mas quero manter isto português.”

Para já são 15 peças. Na nova coleção — que voltará a ser apresentada na Maison & Objet, em 2016 — serão mais 18. “Com a cortiça preta podemos fazer muita coisa, mas eu quis dar uma imagem da marca muito simples, quase minimalista”, diz Toni Grilo. “Têm de ser peças fáceis de entender, porque a cortiça é algo estranho para um estrangeiro. Se a peça tem demasiado carisma, não funciona, é demais. Tem de haver uma espécie de intemporalidade do design, e aí o meu desafio, quando faço os convites, é quase dizer: ‘não sejas tão designer assim’.”

Inteiramente feita em Portugal, e apesar de haver “um frenesim com o nosso país na Europa, com várias marcas de mobiliário a serem produzidas no norte”, a Black Cork nasceu direcionada para o mercado internacional e tem no estrangeiro grande parte da sua faturação. “Não há tanta cultura do design em Portugal e ainda é muito difícil vender design contemporâneo cá”, diz o diretor criativo.

Vendo as peças da marca e o banco em forma de bola, a mesa que se monta com um saca-rolhas ou o candeeiro com luz personalizável, não se percebe como este design não há-de estar em todas as casas portuguesas. E dá vontade de dizer: a falca já fazia falta.

Nome: Black Cork
Data: 2014
Pontos de venda: Verso Branco (Rua da Boavista, 132-134, Lisboa); Portcorner e Architonic.
Preços: 75€ a 490€

100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.