Álvaro Siza Vieira veio esta semana a Lisboa para inaugurar a exposição “Página Sagrada”, com 43 desenhos da sua autoria, feitos em 2007. Na mala de viagem, confidenciou, trouxe o livro As Mãos Inteligentes, de Juhani Pallasmaa. “É para ler à noite no hotel, no tempo que tiver.”

Em conversa com o Observador, o arquiteto portuense disserta: “Há uma grande ligação entre o cérebro e a mão, o livro fala disso, da mão que pensa, que trabalha em ligação com o cérebro.” Em ritmo lento, pesa cada palavra: “Há uma mútua influência: a mente funciona quando se faz um desenho, sim, mas a maneira como o desenho acontece, essa espontaneidade, também influencia a mente.”

A confidência não é por acaso. Siza Vieira, de 82 anos, passou a vida a riscar projetos de arquitetura, mas apresenta nesta exposição um tipo de trabalho a que está menos habituado: o desenho. Há oito anos, ao longo de quatro meses, dedicou-se à tarefa, fazendo várias tentativas até obter a versão final de cada imagem, à procura de saber, diz em tom modesto, “em que medida a mão obedece e o desenho sai espontâneo e preciso”.

“No meu caso, a atividade de desenhar tem que ver com arquitetura e aqui foi descomprometida, normalmente não faço desenhos”

O resultado são cenas bíblicas estilizadas, com episódios da vida dos apóstolos Pedro e Paulo. Deram origem a dois longos painéis de azulejos que estão em Fátima, na Igreja da Santíssima Trindade, hoje basílica. A exposição em Lisboa mostra os originais: trabalhos de lápis sobre papel, em formato A3, todos assinados, com preços entre 3 mil e 3,500 euros cada um. “No meu caso, a atividade de desenhar tem que ver com arquitetura e aqui foi descomprometida, normalmente não faço desenhos”, acentua.

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O convite para fazer os painéis de azulejos foi-lhe dirigido pelo arquiteto grego Alexandros Tombazis, que ganhara o concurso internacional para construção da basílica, enquanto o tema de S. Pedro e S. Paulo foi uma proposta de Luciano Guerra, reitor do santuário de Fátima até 2008. A inauguração deu-se em outubro de 2007, com a presença do cardeal Tarcisio Bertone, então secretário de Estado do Vaticano.

“Comecei a desenhar à noite, em casa, tenho lá uma mesa onde muitas vezes desenho arquitetura. Fazia 10, 12, 15 desenhos numa noite”

“Quando fui visitar o local, vi que era um espaço de 150 metros de comprimento, fiquei sem saber o que fazer, mas não podia dizer que não ao Tombazis, que é uma pessoa admirável”, revela. “Comecei a desenhar à noite, em casa, tenho lá uma mesa onde muitas vezes desenho arquitetura. Fazia 10, 12, 15 desenhos numa noite.”

No catálogo que acompanha a exposição, o escritor e teólogo José Tolentino Mendonça, vice-reitor da Universidade Católica, afirma não ser estranho que um criador como Siza Vieira “aborde o cânone bíblico”, recordando a obra religiosa que o arquiteto portuense projetou ao longo dos anos, incluindo a Igreja de Santa Maria, em Marco de Canaveses.

Os desenhos de Siza são “um breve e imenso teatro do sagrado”, classifica José Tolentino Mendonça. “Neles reencontramos a vertigem e a simplicidade da mensagem evangélica”, escreve, acrescentado que “a fidelidade aos elementos do relato bíblico não adota o tom hagiográfico”.

O arquiteto concorda. “São desenhos de espontaneidade”, resume. “Não fiz uma transposição rígida, é mais livre, mais ligada à vida, os personagens representados são humanos, não são deuses, há uma ligação à vida de todos nós.” Apesar da educação católica na infância, Siza Vieira admite não ser hoje um “leitor frequente” do livro sagrado dos católicos. “Tive de fazer muitas perguntas ao reitor do santuário e a teólogos, porque não conhecia em profundidade todos os episódios.”

A inauguração da exposição foi discreta e participada, contando com a presença de amigos, entre os quais o pintor Júlio Pomar. Aconteceu ao início da noite de quinta-feira, 12, na Galeria João Esteves de Oliveira, na Rua Ivens, ao Chiado – a dois passos dos edifícios que Siza desenhou para a reconstrução que se seguiu ao terrível incêndio de 25 de agosto de 1988. Pode ser vista até 7 de janeiro.