6 livros sobre o terror…

De grupos anarquistas à “violência dos intelectuais”, dos métodos terroristas às estratégias da polícias — esta lista começa em Dostoievski e acaba em Don de Lillo. Veja aqui a fotogaleria com as capas das obras que se seguem:

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1. Os possessos, de Dostoievski

O título deste romance de Dostoievsky de 1872 nem sempre é traduzido assim (também se tem escolhido, nas várias línguas, chamar-lhe “Os danados” ou “Os demónios”, por exemplo); mas esta é a tradução que prefiro. Os “possessos” não são apenas os terroristas ao estilo do Naródnaia Vólia (A vontade do povo), o grupo que na Rússia nasceu oficialmente pouco antes da morte do escritor ou os bombistas suicidas islâmicos dos nossos dias; somos todos, na medida em que sejamos presa da vertigem de utopias como as que Dostoievski conheceu bem nos seus tempos de socialista sem Deus – ou a recriação do Califado. Dostoievski (por muito que custasse a Vladimir Nabokov) foi um dos grandes criadores do século XIX – e os seus personagens, com os seus dilemas morais e filosóficos, as suas caraterizações psicológicas e sociais, serão para sempre nossos contemporâneos, num século XIX de que nos reaproximamos – ou já entrámos – a passos largos (vide Eça de Queiroz). Apetece usar, neste contexto, que não é o do original, o fabuloso título de um livro de Philippe Muray: O século XIX através dos tempos.

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2. The dynamiter, de Robert Louis Stevenson

O autor de O dinamitador é Robert Louis Stevenson, outra figura importante da literatura oitocentista (nasceu na Escócia em 1850; morreu cedo, em 1894, nas Samoa). É uma novela de aventuras “policiais” que envolve um grupo terrorista, e é também um conto moral, de um escritor mais conhecido como autor de livros para “bibliotecas de rapazes”, como A Ilha do Tesouro, A flecha negra ou O Senhor de Ballantrae, mas também de O estranho caso do Dr. Jeckyll e Mr. Hyde (intitulado nalgumas versões em português O médico e o monstro). A sua reputação literária é hoje considerável. Numa nota do autor, escreve: “Devíamos horrorizar-nos mas era connosco, por tanto tempo termos namorado o crime político; sem o ponderar seriamente, nem o seguir argutamente das causas às consequências; mas antes com um infundado ardor sentimental, como um miúdo com as histórias de cordel, aplaudindo o que era especioso.” Este livro foi publicado postumamente numa série de “noites árabes” – o que lhe dá hoje uma nova actualidade. A história passa-se em Londres, essa – diz ele – “Bagdade do ocidente”.

3. O agente secreto, de Joseph Conrad

Joseph Conrad

Joseph Conrad escreveu sobre um “agent provocateur” infiltrado num grupo terrorista

Continuamos no século XIX (embora em termos puramente cronológicos este livro pertença já ao século XX – 1906). The secret agent, de Joseph Conrad, é um dos mais reputados romances do autor – e um clássico a vários títulos. O “agente secreto” não é um espião – é um agent provocateur, um agente da polícia infiltrado num grupo terrorista anarquista, disposto a sacrificar aos seus desígnios – além das eventuais vítimas – um “bombista” inocente. Estamos outra vez no mundo do terrorismo revolucionário totalmente “endógeno”: o dos propagandistas pelo “acto” e da estratégia da catástrofe nos seus próprios países. Numa análise superficial, o livro pode ser simpático aos teóricos da conspiração – para quem “o inimigo somos (sempre) nós”. Aí se aproxima de O homem que era quinta-feira, de Chesterton, em que todos os membros de um grupo anarquista são polícias infiltrados. Mas Conrad sabia que também os havia bem reais. (Conrad terá dito a um amigo que escreveu este livro porque não se sentiu capaz de, como gostaria, escrever um sobre “o verdadeiro anarquista, o milionário” — passados uns anos coube a Pessoa escrever “O banqueiro anarquista”.)

4. A boa terrorista, de Doris Lessing

Estamos já decididamente nos nossos dias, mas ainda no terreno do terrorismo revolucionário puramente interno, com este The Good Terrorist (1985), um romance da Prémio Nobel de 2007, a escritora sul-africana Doris Lessing, membro do Partido Comunista até 1956 (saiu quando do brutal esmagamento pela União Soviética da revolta húngara). Um crítico entende que o terrorismo retratado por Lessing no seu livro corresponde “à violência dos intelectuais” que Lenine aparentemente desprezava. É um terrorismo de vencidos, de gente que não se vê capaz de desencadear a revolução das supostas “massas”, que conhecem mal e não lhes dão ouvidos. O terrorismo que nasce da impotência. O livro de Lessing ocupa um dos capítulos do ponderoso estudo académico Plotting Terror – Novelists and Terrorists in Contemporary Fiction, de Margaret Scanlan, que também analisa Lisbonne, dernière marge (Antoine Volodine, 1990), outra história de terroristas iludidos, desiludidos, arrependidos ou ainda em potência. O estudo não contempla – mas poderia contemplar, nesta veia – The Black Album, um romance do celebrado Haneif Kureishi ou How German is it (Wie deutsche ist es), do austro-americano Walter Abish.

5. Crisis Four, de Andy McNab

Quem quiser encontrar na ficção toda a informação que se possa imaginar quanto às questões específicas que estão na mente de todos, tem de recorrer não aos clássicos mas à literatura dita popular ou, a outro nível, a John le Carré nalguns dos seus mais recentes romances (como Um homem muito procurado, na perspetiva cada vez mais enviesada do brilhante escritor inglês). Têm sido publicadas dezenas de thrillers (entre muitos outros, por exemplo, os do luso-americano Daniel Silva) onde ficamos a conhecer em pormenor métodos terroristas, situações que espelham incidentes reais ou realmente possíveis, ameaças, logística e lógica do terrorismo e da actuação da polícia ou das forças armadas, armas, gentes, contextos, etc. Em representação de todos, Crisis four é uma boa amostra. Os livros de Andy McNab são dos mais legíveis e sob o pseudónimo com que os assina está um antigo sargento muito condecorado das forças especiais britânicas que conhece diretamente, por assim dizer, o terreno que pisa. E qualquer leitor deste romance de 1999 já saberia, sem precisar de o sofrer na própria pele, que no terrorismo islâmico these people don’t care, survival isn’t an issue. Uma particularidade (que não é nova a não ser na escala da sua “industrialização”) que faz grande parte da sua terrível eficácia.

6. Mao II, de Don de Lillo

Este livro de Don de Lillo é mais uma história de terrorismo totalmente indígena, na origem, no pessoal e nos objectivos. Poderia considerar-se melhor escolha um livro não incluído nesta lista que lida diretamente com o terrorismo árabe, o que o torna mais actual: Der Auftrag, de Friedrich Dürrenmatt, mas apesar do ilustre autor não me deixou grande impressão nem me parece fazer jus a todos os encómios que recebeu. (Publicado em português: A missão – ou da observação do observador dos observadores.) Mas além da superioridade literária de De Lillo, ele já deu o seu contributo para a literatura sobre o terrorismo que neste momento está mais na berra – se me permitem o mau gosto da expressão nestes momentos de tragédia. É bastante recente o seu O homem em queda (2007) e logo a seguir aos atentados contra as Torres de Nova Iorque De Lillo escreveu um longo artigo sobre aquele ataque cujo título bem pode servir de epígrafe a todas as reflexões sobre a situação que vivemos no dealbar do século XXI: As ruínas do futuro.

… e 6 filmes para o compreender

Alfred Hitchcock, Kevin MacDonald, Uli Edel e outros filmaram vários tipos de terrorismos — irlandês, alemão, islâmico e não só. Veja aqui os posters dos filmes que se seguem:

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1. “O agente secreto”

“The Secret Agent”, filmado em 1996 com argumento e sob a direção do dramaturgo Christopher Hampton (o da adaptação teatral e cinematográfica das “Ligações Perigosas” com John Malkovitch) não é a única versão cinematográfica do romance de Joseph Conrad. É mais fiel do que a versão que Hitchock filmou em 1936, que tomava toda a espécie de liberdades com o original literário. A série de três filmes cuja filmagem a BBC tinha programado para este ano – 40 horas – ainda segue provavelmente mais à letra o texto. Já tinha havido uma outra mini-série da BBC baseada na mesma obra, em 1992. Conrad dizia que a sua história girava em torno do drama de Winnie Verloc; nisso Hitchcock foi fiel ao autor do livro: Mrs. Verloc, na pessoa de Sylvia Sydney, grande estrela da época, encabeça o elenco – o Sr. Verloc é apenas “o marido dela”. O filme de Hitchcock chamou-se em Portugal “À 1 e 45”. Em inglês chamava-se “Sabotage”, um termo de cujas variações pelos vistos Hitchcock gostava: fez outro filme chamado “Saboteur” na sua fase inglesa. Por estranho que pareça, o filme dele intitulado “Secret Agent” nada tem a ver com isto.

2. “Chacal”

“The day of the jackal”, um filme que está muito bonzinho com os seus quase cinquenta anos (como o tempo passa), retrata uma forma de terrorismo que não é a que mais nos preocupa hoje: a que recorre ao chamado “magnicídio”, o assassinato da figura pública, do “tirano”, neste caso por intermédio de um “profissional” a soldo. O alvo neste filme é o General de Gaulle e os comanditários gente ligada à Argélia Francesa. É uma adaptação de um romance de Frederick Forsyth, autor de tantos best-sellers e um bom exemplo de como livros literariamente medianos têm dado filmes acima da média, quando tantos grandes livros dão maus filmes. Forsyth é, neste particular, um felizardo: basta lembrar também “Cães de guerra” (“The dogs of war”, 1980, mais uma magnífica interpretação do magnífico Cristopher Walken). “O chacal” (“Jackal”, 1997) não é uma nova versão da mesma história, embora tenha algum parentesco com ela: tem a curiosidade de referir marginalmente a ETA e o IRA, dois grupos que recorreram tanto ao terror indiscriminado como ao “magnicídio” ou à sua tentativa e ao assassinato ciblé, embora talvez já estejamos esquecidos.

3. “Decisão crítica”

Realizado mediocremente em 1996 por Stuart Baird – que, até agora, depois de ser um montador premiado, tem sido um realizador medíocre, “Executive Decision” tem um lugar garantido nesta história, que é o de ter “adivinhado” com uns anos de antecedência o cenário do 9/11: um grupo de terroristas árabes apossa-se de um avião de carreira para o precipitar sobre a Casa Branca; só os líderes da expedição conhecem o carácter suicida da operação; a maioria dos participantes julga que está a executar um sequestro para trocar reféns por camaradas presos. Kurt Russell e Steven Seagal são os heróis que impedem a consumação do atentado. Nem sempre cá estão quando são precisos. O 9/11 teve outras representações cinematográficas, das quais talvez a mais dramática seja o filme de Paul Greengrass “O voo 93” (“United 93”, 2006) sobre o avião que os passageiros conseguiram desviar do alvo. Greengrass realizou outro “docudrama” (chamemos-lhe assim, por facilidade de expressão) sobre o “Domingo Sangrento” irlandês (“Bloody Sunday”, 2002), uma visão muito parcial mas cinematograficamente eficaz de um conflito em que a brutalidade da democrática repressão exercida pela “livre Inglaterra” pediu meças muitas vezes à brutalidade terrorista.

https://www.youtube.com/watch?v=3dyQBOBTmHw

4. “One day in September”

“One day in September”, de 1999, foi dirigido por Kevin MacDonald, um cineasta vindo do documentarismo, e reconstitui o mortífero ataque do grupo palestino “Setembro negro” aos atletas israelitas que participavam nos Jogos Olímpicos de Munique (o “Munique” de Steven Spielberg conta a história da longa e implacável “vingança” de Israel). Recebeu em 2000 o Oscar de Melhor Documentário de Longa Metragem. Usa muitas imagens de arquivo e inclui entrevistas com personagens que viveram o episódio, incluindo o único terrorista sobrevivente à data das filmagens. Este atentado teve a novidade de ser seguido em direto pela televisão (falamos dos primeiros anos 70). Marca uma nova fase do terrorismo moderno. Os grupos terroristas palestinos foram dos primeiros a compreender o partido a tirar dos novos meios de comunicação social e dos nossos novos hábitos de consumidores, que multiplicam como nunca – e são um involuntário mas essencial e automático instrumento – do “terror”, naquilo a que já se chamou uma “relação simbiótica”. Kevin McDonald editou com o crítico Mark Cousins uma excelente antologia de textos sobre os documentários com o muito sugestivo título de Imagining Reality (imaginar a realidade).

5. “Bom dia, noite”

Uma ação terrorista europeia vista do interior pelo realizador do premiado “La Cina é vicina”, um dos mais promissores cineastas da segunda vaga do mais antigo “novo cinema italiano”. É mais uma conseguida “reconstituição histórica”, que também se serve de documentos fílmicos televisivos da época dos acontecimentos. Baseando-se no testemunho publicado de uma das participantes na operação, Marco Bellochio encena em “Buon giorno, notte” (2003) o rapto e assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Estamos aqui, por um lado, no domínio do “magnicídio” e, por outro, do terrorismo que ainda hesita entre a “diplomacia coerciva” e os desígnios mais apocalípticos que hoje nos confrontam. No entanto, a lógica, a psicologia e as tensões internas destes grupos são aqui competentemente dramatizadas. Guardadas as devidas distâncias e com todas as necessárias particularizações, ajuda a compreender os mecanismos que funcionam invariavelmente em todas as versões dos movimentos terroristas. E como o terrorismo quase nunca é a reação de pobres e oprimidos à sua pobreza e à sua opressão, embora seja praticado em nome deles.

6. “O Complexo Baader Meinhof”

Não há muitos filmes que contem do princípio ao fim a história de um grupo terrorista, como faz esta produção alemã de 2008 (“Der Baader-Meinhof Komplex”) dirigida por Uli Edel, com argumento de Bernd Eichinger (o realizador de “A Queda”, sobre os últimos dias de Hitler no bunker de Berlim). A Fracção do Exército Vermelho (a Rote Armee Fraktion, em alemão impressiona mais) registou no seu activo revolucionário assaltos a bancos, atentados à bomba, assassinatos e sequestros. É claro que, embora só dissolvido oficialmente em 1998, este movimento não viveu realmente muito tempo e morreu na prática com a prisão e morte dos seus principais cabecilhas. No terrorismo europeu, a ETA e o IRA, que ainda nos podem parecer hoje mais remotos do que as Brigadas Vermelhas ou a Fracção do Exército Vermelho, e os “anos de chumbo”, tiveram uma muito maior longevidade e uma relevância política incomparavelmente mais vasta e profunda: intervinham o nacionalismo e a religião. O cinema, no entanto, em Espanha e na Grã-Bretanha, respetivamente, não lhes deu um grande papel a não ser quase sempre episódica ou incidentalmente (pode ser lida aqui uma interessante “Historia de ETA en veinte películas”, da Cinemanía).