Enquanto uns criticam a demora e pressionam Cavaco Silva a decidir e a dar posse a um Governo em plenas funções, outros dão-lhe espaço e tempo. “Já foi o tempo do Parlamento, agora é o tempo do Presidente da República”, disse esta quarta-feira o deputado centrista Telmo Correia, afirmando mesmo que “qualquer que seja a decisão tomada pelo Presidente, será legítima”. A crise política, que segundo os partidos à esquerda não é crise nenhuma, ou melhor, só o é porque Cavaco Silva a criou, voltou assim a dominar o debate desta quarta-feira no Parlamento, sendo o tema escolhido para as intervenções do PS, PCP, BE e PEV. A direita só se pronunciou nas réplicas, já que optou por levar a plenário a questão do terrorismo.

À medida que os dias passam e o país continua sem Governo, o clima continua a ser de polarização no Parlamento. Passaram já 45 dias desde as eleições, como lembraram esta tarde os deputados do PCP, oito desde que o Governo de Passos Coelho foi rejeitado no Parlamento, e as recentes declarações de Cavaco Silva sobre os governos de gestão de agora e de antigamente ainda vibram entre as quatro paredes do hemiciclo – bem como o último desafio lançado pelo ainda primeiro-ministro e líder do PSD para que se faça uma revisão da Constituição. Por isso o PS escolheu o constitucionalista Bacelar de Vasconcelos para fazer a intervenção em nome dos socialistas, e os ânimos aqueceram.

Pegando no texto da lei fundamental, lembrou que “o poder político pertence ao povo” e que “é atribuição nuclear do Presidente da República ‘assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas'”, disse, mostrando-se convicto de que “é isso que em breve certamente o Presidente fará”. Mas não sem antes deixar duras críticas aos partidos da anterior maioria, que, disse, “lutam desesperadamente pela sua sobrevivência e continuam a reclamar a vitória eleitoral que lhes fugiu”. Para o socialista, “ganha as eleições quem melhor sabe interpretar os sentimentos dos eleitores”, disse, sublinhando que os resultados da noite de 4 de outubro mostraram uma “preferência” dos portugueses pelos partidos que se opunham às políticas de governação da direita.

Mas a direita não se ficou. “Ganha as eleições quem tem mais votos”, respondeu o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim, defendendo que as preferências manifestadas no ato eleitoral são “preferências positivas” e não se manifestam pela negativa. Carlos Abreu Amorim foi, de resto, um dos deputados que mais fez subir o tom das intervenções e o burburinho nas restantes bancadas ao dizer que o “único militante do PS que não tem direito a ser indigitado primeiro-ministro é precisamente aquele que se candidatou diretamente a esse cargo e perdeu”. Ou seja, António Costa.

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Cavaco Silva e os governos de gestão. “Ai aguenta, aguenta”

Foi, no entanto, Cavaco Silva e o poder que tem na mão que esteve no centro da discussão desta tarde no Parlamento. Para o PCP, é o Presidente da República o responsável pela “crise política” que se vive atualmente, e que não passa, segundo disse António Filipe, de uma “crise artificial”: “Só existe porque o senhor Presidente a criou e só subsiste porque o senhor Presidente a alimenta”. 

Para os comunistas, a atuação do Presidente nesta fase da política nacional merece “a mais veemente reprovação”, já que, apesar de ser “livre para fazer as audições que entender”, a obrigação constitucional do Presidente é “ouvir os partidos com representação parlamentar”, coisa que ainda não fez. Para António Filipe, que voltou a aumentar o grau de pressão nos ombros de Cavaco, o “único dilema constitucionalmente possível” é dar posse a um primeiro-ministro que tem apoio parlamentar maioritário ou devolver a palavra ao povo – mas isso Cavaco não pode fazer. Assim sendo, disse, “não pode inviabilizar um Governo só por não concordar com o seu programa”.

Deixar o governo em gestão até poderem ser convocadas novas eleições não é, para a esquerda, hipótese. “Os governos de gestão são incidentes de percurso no funcionamento das democracias, não são soluções”, resumiu Bacelar de Vasconcelos. No mesmo registo, também o deputado bloquista José Manuel Pureza criticou as últimas declarações de Cavaco sobre os governos de gestão, fazendo até uma comparação com uma polémica declaração de Fernando Ulrich, presidente do BPI:

“O sr. Presidente da República diz que não há razões para pressa, é a teoria do ‘ai aguenta, aguenta’ transportada para o campo do sistema de governo. Cavaco aguentou 5 meses em gestão, então porque não há de o país aguentar agora uns 8 ou 9 meses? Ai aguenta aguenta, diz o Presidente”, disse.

Certo é que nem todos têm pressa. Falando pelo CDS, o deputado Telmo Correia foi claro a defender o papel do Presidente da República, lembrando mesmo as acusações que têm sido feitas por alguns deputados da esquerda, nomeadamente pelo deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, que ontem no Twitter comparava o Presidente a um “gangster”. “Este é o tempo do Presidente”, disse o centrista, lembrando que já foi o tempo do Parlamento. Por isso, há que respeitá-lo: “qualquer que seja a sua decisão, será uma decisão legítima”, concluiu depois de criticar os acordos “poucochinhos” que foram feitos entre os partidos da esquerda “à porta fechada”.