As últimas notícias caíram-lhe como uma bomba: o bairro de Molenbeek, em Bruxelas, é uma incubadora de terroristas. Nunca tinha passado tal ideia pela cabeça de José Luís Costa, 37 anos. Viveu em Bruxelas, na Bélgica, durante oito anos. No quarto, decidiu mudar-se para o bairro de Molenbeek. Desconfiava que pudesse viver ali um ou outro muçulmano extremista, afinal, 80% da população do bairro é árabe e a probabilidade de tal acontecer é maior. Mas poderiam existir ali radicais islâmicos, como em qualquer outro lugar. “Um ninho de terroristas?”, questionou, surpreendido, quando conversamos sobre a forma como Jan Jambono, ministro do Interior belga, descreveu o bairro em entrevista à revista Politico, de Bruxelas. Mas agora a opinião do português solidificou-se: “Depois dos ataques de Paris, não tenho dúvida de que também o é ou foi, ao contrário do que antes pensava. Não ponho em causa que terroristas operaram lá”.

Depois do ataque sangrento que provocou a morte a 130 pessoas em Paris, na sexta-feira 13, as autoridades francesas descobriram que um dos carros utilizados para a carnificina tinha origem belga. Daí, chegaram a Bruxelas e ao bairro de Molenbeek.

Não é a primeira vez que as investigações anti-terrorismo conduzem as autoridades ao bairro árabe, onde sete pessoas foram detidas na última segunda-feira, sob suspeita de estarem ligadas aos atentados de Paris: “Há quase sempre um vínculo a Molenbeek. Temos um problema gigantesco no bairro”, disse o primeiro-ministro belga, Charles Michel, em entrevista à televisão VTM.

A equipa de investigação tinha informações de que Abdelhamid Abaaoud, o terrorista apontado como o “cérebro” dos massacres de Paris (que entretanto foi abatido na operação da polícia francesa em de Santi-Denis, nesta quarta-feira), tinha passado por Molenbeek. Mas este não terá sido o único extremista islâmico a parar no bairro belga, a lista é extensa. Por ali, terá também andado Ayoub El Khazzani, o marroquino detido quando tentou atacar o TGV que seguia de Amesterdão para Paris, em agosto, ou Mehdi Nemmouche, autor do atentado do Museu Judaico em Bruxelas, em maio de 2014. Hassan El Haski, o alegado mentor dos atentados em Madrid, em 2004, era outra das presenças no bairro. E por isso, o local já está assinalado no mapa das autoridades desde essa época.

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Françoise Schepmans, da Câmara Municipal de Bruxelas, acredita que a zona seja um ponto de encontro de redes de terrorismo. De acordo com Schepmans, vivem 97 mil habitantes em menos de seis quilómetros quadrados, 80% dos quais de origem árabe “o que facilita o anonimato a criminosos, que na maior parte do tempo estão só de passagem”, conta à BBC. 

Mapa Bélgica

A fronteira Este do bairro Molenbeek, assinalado a vermelho, fica colada ao centro histórico de Bruxelas.

O bairro de Moleenbek está encostado ao centro histórico de Bruxelas, fica a duas estações de elétrico de distância ou a cerca de 15 minutos a andar em passo pouco apressado. As casas são boas, antigas, mas confortáveis, e com os preços bem mais convidativos que as disponíveis no centro. O português José Luís Costa, que é intérprete no Parlamento Europeu, ficou curioso e foi espreitar: “Gostei, o bairro pareceu-me pacífico e um bom exemplo de convivência cultural”. Viveu ali quatro anos, os últimos da sua estadia em Bruxelas. 

Regressou a Portugal há cerca de um ano. Mas quando volta à cidade belga em trabalho, como aconteceu esta semana, reserva sempre num hotel naquele bairro: “A minha experiência lá foi muito boa, muito tranquila”. Ali, diz, tem o melhor de dois mundos. Os restaurantes são todos árabes, “embora muito bons”, e é difícil encontrar uma loja com influências ocidentais. Mas José Luís gosta dessa ideia. Hoje já conhece todos os cantos ao bairro e pode comer cous-cous no seu restaurante favorito, ir ao mercado e parar na mercearia de um senhor marroquino que já conhece bem. “A convivência cultural é muito interessante, há a riqueza da diferença cultural com o ocidente”, diz. E caso tenha outros apetites, a estação do elétrico fica mesmo a dois passos.

“Claro que a cultura árabe é muito forte”, revela o tradutor. E essa era das únicas desvantagens que encontrava ali. Não há quiosques com jornais belgas, os cafés são só frequentados por homens: “Estava ciente de que haveria pessoas que defenderiam uma visão do Islão mais aguerrida, não me surpreenderia que houvesse elementos extremistas, mas um ninho de terroristas?”. Isto já lhe parece demasiado.

Há muitas mesquitas no bairro e “é frequente ver cartazes de apoio à Palestina, mas no âmbito de uma ação legítima”. José Luís conta que também costuma haver coletas numa mercearia para ajudar o povo palestiniano, mas “sempre coisas muito discretas”.

Depois das últimas notícias que dão conta de o local ser um ponto de encontro de jihadistas, José acredita na probabilidade de se ter cruzado com algum terrorista: “Mas não notei, nunca me incomodou nada”, recorda. E continua surpreendido, um espanto de alguém que nunca desconfiou de nada nos quatro anos que ali viveu: “Acho que é uma injustiça que aquela zona fique estigmatizada, fui muito bem recebido ali. Fui assaltado mais vezes em Lisboa do que lá”, atira. O intérprete lembra ainda que, apesar da grande parte dos habitantes do bairro serem árabes, a convivência com outras culturas é saudável: “No meu prédio, por exemplo, havia uma família do Congo e as crianças congolesas brincavam com as marroquinas, filhas do meu senhorio”. Na rua, recorda, é costume ver muitos miúdos na brincadeira.

Mas nem tudo são rosas. Pelo menos para a cultura ocidental. José Luís reconhece que as mulheres devem andar acompanhadas ali à noite, dada a intensidade da cultura muçulmana: “Uma vez a minha namorada da altura veio a minha casa sozinha e não se sentiu confortável”, revela. “As mulheres na rua estão de véu. Sempre pensei em Molenbeek como estar em Marrocos, por exemplo.” 

Mas alguns conhecidos de José Luís não tinham esta mesma abertura de pensamento. De cada vez que o intérprete dizia que vivia no bairro árabe, eles olhavam de soslaio. E o tradutor também nunca conheceu nenhum português ali: “A maior parte das pessoas é do Magrebe”. 

Estação de elétricos de Molenbeek

Estação de elétricos em Molenbeek, Bruxelas

De acordo com a BBC, as taxas de desemprego e de pobreza em Molenbeek são bastante elevadas e a baixa qualidade de vida faz aparecer o crime e o tráfico de droga a cada esquina.

Quando regressou esta semana ao seu antigo bairro, José Luís recordou os anos que viveu ali: “A minha impressão é a de que é um bairro cheio de gente boa, onde gosto de voltar, com uma vida muito interessante. Temos de ter cuidado para não assimilarmos a totalidade do bairro, coisas que se passam em certos pontos. A minha impressão é a de que os terroristas só se esconderam ali”, defende.

Nas ruas de Molenbeek, José Luís percebeu que os habitantes estão chocados: “As pessoas com quem falei estão transtornadas, têm medo da estigmatização, da identificação com o extremismo”, conta.

Na quarta-feira passada, quando as atenções estavam todas viradas para o bairro de Saint-Denis, em Paris (onde morreram três terroristas islâmicos, entre eles Hasna Aitboulahcen, que se pensava ser primeira mulher bombista suicida na Europa), a comunidade de Molenbeek estava unida para homenagear as 130 vítimas dos atentados de Paris. As janelas das casas encheram-se de velas brancas. Na praça, cerca de 2 mil pessoas seguravam cartazes onde se lia “Paz” e “Eu amo Molenbeek”. Mulheres, homens e crianças de diferentes culturas juntaram-se para passar uma mensagem de harmonia: “Não aceitamos o sucedido, estamos aqui para mostrar o nosso apoio. Somos contra o terrorismo, não são cinco pessoas que vão dar má reputação à nossa comuna”, disse um dos manifestantes à Euronews.

“Não se vê de imediato, mas Molenbeek é um bairro bom. Pode ser visto como uma zona de alguma delinquência, mas é preciso lutar contra o preconceito para o descobrir”, remata José Luís, garantindo que essa descoberta valerá a pena.