Esta ciência pode ter sido feita em três atos, mas os efeitos da conversa devem durar bem mais do que uma peça de teatro ou uma ópera. O evento produzido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) encheu a sala do Theatro Circo em Braga, esta quinta-feira, e contribuiu para dinamizar a discussão da ciência em Portugal.

A organização em três atos tinha três perguntas: a ciência é para todos? Mais ciência é igual a mais prosperidade? É a ciência boa política? A resposta curta a todas é “sim, mas”. Este “mas” deve-se às várias questões importantes a ter em conta em cada uma das perguntas, o que justificou a discussão profunda que durou todo o dia.

Jorge Calado, que abriu o dia, falou de cultura, arte, credibilidade, de verdade e de mentira na ciência. O professor catedrático de química reforçou que para haver ciência prática é preciso haver ciência pura: “Para os efeitos chegarem ao cidadão é preciso haver cientistas puros no laboratório – porque, por exemplo, não se chega a uma evolução na medicina sem um progresso laboratorial relevante”.

O primeiro painel falou da literacia científica. José Alberto Carvalho, que foi o mestre de cerimónias de todo o encontro, recordou que uma das melhores definições de ciência tinha sido dada por um dos oradores deste painel, Carlos Fiolhais: “A melhor definição de ciência é a descoberta do mundo”.

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Martin Bauer tipificou a comunicação em ciência na Europa, apresentando o caso do Reino Unido – onde há cada vez menos jornalistas de ciência e mais especialistas de relações públicas na ciência, numa proporção de um para seis. Sobre Portugal, Bauer fez notar que há mais informação disponível nos media e citou estudos que apontam para o aumento da literacia científica.

E isso abriu caminho a Aurora Teixeira, que lembrou que a literacia científica é própria dos países ricos e que só as melhorias das condições económicas proporcionam melhor ensino e cultura e logo maior capacidade para entender a ciência.

Já Carlos Fiolhais optou por recordar Carl Sagan, um dos maiores comunicadores de sempre: “Vivemos em completa dependência de ciência, mas ninguém percebe de ciência e isso terá consequências explosivas mais cedo ou mais tarde”. E usou uma metáfora da astronomia para explicar o cenário atual: “Enquanto o público está na terra, os cientistas estão na lua”. Como os jornalistas são os intermediários da informação, pelo menos esses “têm de ser levados até à lua”. E terminou a queixar-se de que a televisão não fala o suficiente de ciência.

O segundo painel dissecou a relação entre ciência e crescimento económico. Francisco Veloso começou por elogiar o extraordinário progresso de Portugal na criação de carreiras para investigadores, que se multiplicaram por seis desde os anos oitenta; mas continuou com a análise crítica sobre o ainda baixo impacto económico da ciência, o que impede maior prosperidade.

Isabel Braga da Cruz passou um retrato assustador da indústria que nos põe a comida no prato todos os dias: “30 a 50% da produção alimentar é desperdiçada.” Isso quer dizer que pagamos demasiado para produzir alimentos que não consumimos, o que explica a quantidade de desafios que se colocam à indústria agroalimentar.

Lars Montelius pegou nos legos e na iluminação para explicar a nanotecnologia, numa aula fascinante. Ao mesmo tempo recordou que a necessidade de rentabilização da ciência produzida nunca foi verdadeiramente um investimento da universidade – e isso tem de mudar.

O terceiro ato discutiu ciência e política. Kenneth Prewitt dissecou o atual momento da ciência nos Estados Unidos, onde há menos autonomia e maior pressão para produzir uma ciência que busca resultados. Pegando no argumento da usabilidade da ciência, Prewitt alertou para que “Não há ciência básica e ciência aplicada. Há ciência em uso e ciência à espera de ser usada.” Por isso é que é fundamental manter a ciência autónoma, com capacidade de se reinventar, definindo metas rigorosas.

Tiago Santos Pereira referiu que boa ciência não é necessariamente boa política. E por isso é que a dependência política da ciência não é recomendável. Reforçando que há uma diferença clara entre política de ciência e ciência para a política, abriu caminho ao caso contado por Pedro Pita Barros, que participou no relatório sobre a reforma da saúde e esperou oito meses para ser divulgado e oito anos para começar a ser aplicado. Lembrou que um dos papéis fundamentais da ciência é impedir que a sociedade cometa disparates e foi claro: a ciência não tem de ser paternalista face à sociedade, tem de apresentar opções com vantagens e riscos para que os decisores tomem uma decisão informada.

Geoff Mulgan, do laboratório britânico Nesta, fez a audiência viajar pelas boas tradições de ciência – e também pelas más. E depois fez a pergunta chave: Mas como pode a ciência ajudar o mundo? Respondeu com duas certezas: que primeiro é preciso democratizar a forma como a ciência é feita, para perceber quais são as prioridades que as pessoas pretendem no mundo real; de seguida, é preciso partir as janelas de vidro dos locais que produzem ciência e abrir os desafios científicos aos cidadãos, até porque esta era permite que o método científico seja alargado a quase tudo o que se faz e estuda.

Só pelo prazer de ver e ouvir estes oradores já valeu a viagem a Braga. Para quem não teve essa possibilidade, uma boa notícia: toda a conferência está disponível no site da FFMS para visualização. Para todos, os que foram e os que não foram, uma última boa notícia: para o ano as conferências da FFMS voltam a Lisboa, para discutir a democracia.