A melhor recompensa de jogar na Premier League? Para Jamie Vardy, futebolista do Leicester City – e melhor marcador da competição -, não é jogar em estádios cheios, com um grande ambiente nas bancadas, ou defrontar todas as semanas alguns dos melhores jogadores do mundo. Em outubro, eis o que explicava ao jornal inglês The Guardian:

A melhor coisa em ser um jogador da Premier League é sem dúvida não ter de acordar às sete da manhã. Também não tenho saudades de ter de ir comprar refeições às estações de serviço das autoestradas. Quando tens de correr rapidamente após o trabalho, para chegares a tempo aos treinos, acabas por comer qualquer fast-food disponível, só para meteres qualquer coisa dentro do estômago

Longe vão esses tempos do trabalhador-jogador. Agora Jamie Vardy já leva 4 jogos pela seleção principal de Inglaterra (ao lado de futebolistas como Wayne Rooney, Raheem Sterling ou Gary Cahill). Aos 28 anos, está no melhor momento da carreira: 13 golos marcados em 13 jogos na Premier League, e um recorde de Ruud Van Nistelrooy, de 2003, igualado este fim-de-semana: 10 jogos consecutivos a marcar no Campeonato Inglês.

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A dispensa, a oitava divisão inglesa e a fama de bad boy:

Ninguém diria, depois deste relato, que há cinco anos Jamie Vardy, então com 23 primaveras, jogava na oitava divisão inglesa. Que era um jogador amador, com um trabalho a full-time numa fábrica de fibra de carbono, em Sheffield, e que tinha de conciliar com os treinos e os jogos.

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A sua história começou aos 15 anos, altura em que, tendo sido dispensado das camadas jovens do Sheffield Wednesday (clube agora treinado pelo português Carlos Carvalhal), chegou a equacionar desistir do futebol. E parou mesmo de jogar por um ano. “Fui dispensado por ser demasiado pequeno. Fisicamente, não era suficientemente constituído. Algo assim afeta-te muito. Estava muito zangado e chateado, e foi por isso que parei de jogar durante um ano”, explicava Vardy, em março de 2014, à BBC.

“Assim que isso [dispensa] aconteceu, pensei que nunca mais voltaria a jogar futebol. Foi realmente uma grande dor de cabeça, sendo [na altura] um miúdo”, acrescentava.

Passado um ano, voltaria aos relvados, no Stocksbridge Park Steels F.C., um clube amador pouco distante de Sheffield. Jamie Vardy passou então por alguns problemas: o maior incluiu ter de usar uma pulseira eletrónica, depois de ter sido detido por se ter envolvido numa luta num pub em Sheffield. O caso obrigou o clube a restringir o seu horário de treinos e o jogador a correr rapidamente dos jogos para a casa, já que a pena incluía um recolher às 18h30. A partir dessa altura, tinha de permanecer em casa, não podendo sair à rua.

O diretor-geral do clube, Allen Bethel, recordava esses tempos ao International Business Times, em setembro de 2014: “Tivemos alguns problemas com ele, não [falo de] problemas comigo, pessoais, mas problemas no sentido em que ele [Vardy] era um rapaz que se metia em problemas indo para Sheffield nos sábados à noite”. E Jamie Vardy admitia-o sem problemas à BBC, em 2014: “De facto envolvi-me em alguns problemas nessa altura”, recordou.

O início dos treinos full-time e o sucesso imediato

Mas em 2010/2011, ainda com 23 anos, Jamie Vardy mudou-se do Stocksbridge para o Halifax Town, um clube da liga de futebol regional inglesa – a oitava divisão do país. A liga tinha clubes profissionais e semi-amadores: o Halifax Town era semi-amador. Jamie Hardy, que segundo o International Business Times até apareceu no primeiro treino no clube sem chuteiras adequadas para o futebol, só lá ficou uma temporada, depois de muitos golos marcados: 29, para ser preciso. No início da época seguinte, 2011/2012, com apenas quatro jogos feitos (e três golos marcados) foicontratado pelo Fleetwood Town, um clube profissional da quinta divisão do país.

Gareth Seddon, avançado que jogava na altura pelo Fleetwood Town, lembra-se desses tempos, e falou deles em junho deste ano, ao jornal inglês The Guardian: “Nunca tinha ouvido falar dele”, atirou, referindo-se a Jamie Vardy. Não era o único: muitos torcerem o nariz à contratação de um jogador desconhecido da oitava divisão. Mas as reticências foram-se todas à medida que Vardy se adaptava aos treinos profissionais e a um estilo de jogo mais evoluído.

“No início, alguns de nós pensávamos: Porque contratámos este rapaz? De algumas divisões inferiores? Depois, no primeiro jogo, ele jogou de uma forma inacreditável. E nós já pensávamos algo do género: esta foi a razão pela qual ele foi contratado! Nunca joguei com ninguém tão rápido, e sou profissional há 18 anos”, recordou Gareth Seddon ao The Guardian

O vice-diretor geral do Fleetwood Town viveu de perto com Jamie Vardy e recorda ao International Business Times um rapaz que tinha de ser “acompanhado”: “Ele era alguém que devia ser acompanhado. Ele sabia como se divertir, digamos assim. Quando estava solto, era alguém que se envolvia em alguns problemas. Sabia como relaxar, mas nunca nos causou nenhum problema a sério”, lembra.

O Leicester City: e o início do sonho

A sua boa temporada no Fleetwood Town, com 34 golos marcados em 42 jogos, despertou as atenções de clubes superiores. E acabou contratado pelo Leicester City, que na altura competia ainda na segunda liga inglesa. O clube da Championship gastou, em 2012, cerca de 1 milhão de libras na sua contratação (quase 1 milhão e meio de euros à taxa de câmbio atual). À segunda época no clube, ajudou, com 16 golos marcados, o Leicester a ser campeão e a ser, consequentemente, promovido à Premier League.

A época passada, de estreia na primeira divisão inglesa, não lhe correu tão bem: a adaptação foi difícil e Vardy marcou apenas 5 golos. Esta época, leva já 13: e ainda nem a meio vamos. Estreou-se em junho na Seleção inglesa, num particular contra a República da Irlanda. Desde setembro, já foi mais duas vezes titular na fase de qualificação para o Europeu de 2016, onde quer marcar presença.

E os elogios chegam de todo o lado. O defesa do Arsenal, Laurent Koscielny, que já o enfrentou, não tem dúvidas sobre a qualidade de Vardy: “É rápido como tudo e não te dá um segundo [de descanso] em campo. Corre como um louco (…). É tão trabalhador. Presumo que é algo que sempre foi” afirmou o francês este mês, à Sky sports.

O futuro, esse ainda é incerto. Mas o presente Jamie Vardy já conquistou. Com Neymar (Barcelona), Pierre Aubameyang (Borussia Dortmund) , Gonzalo Higuaín (Nápoles) e Benjamin Moukandjo (Lorient), está na lista dos melhores marcadores das principais ligas europeias.

Gareth Seddon, que jogou com ele no Fleetwood Town, explica ao The Guardian a razão pela qual Jamie Vardy se pode tornar cada vez mais um ídolo para os fãs:

Espero que tudo lhe corra bem porque todos os fãs poderão identificar-se com ele, já que é um tipo da classe trabalhadora: a sua educação, o tipo de mentalidade típica do futebol amador que tem. Ele vem do nada, absolutamente nada.

Em outubro, Jamie Vardy concordava e só queria continuar sem defraudar as expectativas dos fãs: “Toda a minha carreira tem sido assim. No preciso momento em que estou a trabalhar arduamente para me adaptar a um novo nível [de exigência] aparece alguma coisa que me exige que continue a subir (evoluir). Não me estou a queixar, estou só a tentar lidar com a exigência de não deixar ninguém desiludido”. Por agora, não podia estar a correr melhor.