Quando um treinador pede algo aos jogadores e diz que o troco que lhe dão é “cabal”, é sinal de que a pessoa que manda está contente com quem lhe obedece. Porque cabal, explica o dicionário, é a palavra que se tem de usar quando é preciso descrever algo ao qual “não falta nada” ou que “está como deve ser”. Sabendo isto, era só ligar os pontos para chegar à conclusão que Rui Vitória gostou do que viu os jogadores fazerem entre a terceira derrota da época com o Sporting, em Alvalade, e a viagem de 10 horas que empacotou os encarnados num avião rumo ao Cazaquistão. E o técnico, mesmo assim, estava contente por ter a hipótese de fazer um bom jogo quatro dias após um jogo mau que “não foi agradável perder”.
Para isso a equipa precisava do que o treinador tem no apelido — uma vitória, único resultado que deixaria os encarnados recuarem seis horas no relógio e regressarem a Lisboa já qualificados para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões. O problema é que às 15 horas de Portugal e às 21h de Astana a equipa começou a não ser cabal. Ao Benfica faltaram várias coisas e a primeira foi dar velocidade à bola que os cazaques não tentavam impedir que estivesse mais tempo em pés encarnados. A equipa da casa tinha os jogadores atrás da linha do meio campo e mantinha-os juntos à frente da área. Por ali havia pouco espaço para a bola entrar e os cazaques pareciam construir “a fortaleza” da qual Stanimir Stoilov, o treinador, falara antes do encontro.
Por ali não havia como Jonas receber a bola nem metros de relva para Renato Sanches aparecer a correr com ela. O miúdo de 18 anos foi titular ao lado de Samaris e até ao intervalo mostrou que não era tão forte a passar a bola como é a comer metros de relva a correr com ela no pé. Fosse pelo relvado artificial ou não, o Benfica não punha a bola a rolar rápido e as trocas de bola não tinham velocidade que chegasse para obrigarem os cazaques a desmontarem a organização à entrada da área. Os encarnados tinham muita bola e faziam pouco de perigoso com ela. E, com os minutos, o problema da falta de rapidez passou a existir a duplicar — nas perdas de bola.
Sem conseguir entrar na área cazaque e apenas lograr que Jonas ou Pizzi rematassem de fora da área, os encarnados foram-se afastando uns dos outros. Os passes errados foram-se acumulando e as perdas de bola também. Muito antes de ser o señor golo da noite, Raúl Jiménez não perdia uma bola a meio campo e não a segurava depois de um central cazaque se encostar às costas do mexicano. Era o brinde que o Astana esperava, porque já parecia saber que o Benfica não seria rápido a reagir à perda de bola e aos dois passes que deixaram Twubasi a rematar para golo. A lentidão de quem perde a bola aliada à rapidez de quem a rouba dava o 1-0 ao Astana.
E, minutos depois, também deu uma falta a uns 30 metros da área, que o mesmo ganês bateu para ver os encarnados serem, outra vez, mais lentos a reagir. A bola ia para a baliza, mas a cabeça do central Aničić desviou-a (em fora-de-jogo) para garantir que dali saía o 2-0. Aos 31’ o Benfica ficava ainda mais “encostado à parede”, como Stanimir Stoilov, treinador do Astana, o vira após o dérbi com o Sporting. A equipa só descolou as costas de lá quando, pouco antes do intervalo, Jonas deixou de pedir sempre a bola à frente da área e resolveu tentar fazê-lo nas alas. Numa dessas vezes, a bola foi lá parar e o brasileiro transformou-a num cruzamento dos bons que a cabeça de Raúl Jiménez rematou para golo. O Benfica tinha mais 45 minutos para tentar ser cabal.
Nunca o chegou a ser. A segunda parte foi parecida, porque Rui Vitória esteve a pensar o que fazer até aos 64’ — quando uma (outra) lesão de Sílvio o obrigou a tirar André Almeida do banco e a fazê-lo acompanhar Anderson Talisca, que entrou para o lugar de Samaris. Antes, só Renato Sanches inventara um passe para rasgar a defesa cazaque e deixar Guedes com espaço para fazer mais do que rematar contra o guarda-redes do Astana. De resto, foi mais do mesmo: os encarnados a passarem mais tempo com a bola, a serem lentos nos passes que faziam e a verem os cazaques assustarem Júlio César um par de vezes. Mas com as substituições, as coisas melhoraram um pouco.
A genica dos 18 anos de Renato Sanches faziam com que o miúdo, pelo menos, tentasse fazer as coisas rápido. Talisca entrou com pressa para fazer a bola circular de um lado ao outro do campo e Jonas, com o cansaço, começou a jogar com menos toques na bola e a servir de pivô para a bola ir ao meio do relvado e continuar a rolar. Mas faltava uma aceleradela, alguém a dar um sprint às jogadas que queriam levar a bola até à baliza do Astana. Esse alguém foi André Almeida, que apareceu disparado nas costas de Jonas quando viu o brasileiro receber a bola à direita. O avançado lançou-lhe um passe, o lateral cruzou rasteiro, de primeira, e o toque de Jiménez bastou para desviar a bola para a baliza e o poste dar uma ajuda. O empate aparecia porque o Benfica lá conseguia acelerar como deve ser. Aí sim, ser cabal.
Faltavam menos de 20 minutos para jogar e Rui Vitória quis fechar a loja. Jonas saiu para Bryan Cristante entrar e dar mais um homem ao meio campo encarnado. Talisca ainda rematou à baliza, mas a prioridade era agora segurar o ponto que na primeira parte chegou a parecer bem distante. Não chegava para voltar a Lisboa com os oitavos-de-final na bagagem, mas bastava para, umas horas depois, uma derrota ou um empate do Galatasaray em Madrid, com o Atlético, enviar o bilhete para a fase seguinte da Liga dos Campeões. E o Atlético de Simeone deu uma mãozinha e tanto, venceu (2-0) os turcos e o Benfica está mesmo nos oitavos-de-final da liga milionária. Os encarnados só às vezes foram velozes a trocar a bola e rápidos a reagir à sua perda e isso quase fez com que saíssem do Cazaquistão ainda encostados à parece. Mas valeu-lhes o mexicano que, até ali, só tinha marcado um golo (a 29 de agosto, contra o Moreirense) e as poucas vezes em que, a atacar, o Benfica conseguiu ser cabal. Como Rui Vitória queria.