As palavras estabilidade e défice andam de mãos dadas na história recente das tomadas de posse dos governos portugueses. Tanto Sampaio como Cavaco Silva tiveram durante as suas presidências tomadas de posse em que subiram o tom. Para Sampaio, as maiores exigências foram feitas em 2004, quando deu posse a Santana Lopes, pedindo-lhe até para não enveredar por nenhuma “deriva eleitoralista”. Já para Cavaco, o discurso mais duro, foi em 2011, quando deu posse pela primeira vez a Passos Coelho e avisou que “os custos de um falhanço seriam absolutamente catastróficos”.

O Observador olhou para os discursos de Cavaco Silva e Jorge Sampaio nas sete tomadas de posse protagonizadas por estes presidentes e compilou as maiores exigências feitas nos últimos 16 anos:

1. Pedro Passos Coelho, 2011 – “Os maiores sacrifícios desde que foi instaurada a democracia”

A tomada de posse do Governo liderado por Pedro Passos Coelho em junho de 2011 tinha uma gravidade acrescida devido à chegada da troika poucos meses antes a Portugal. As exigências feitas pelo Presidente não foram muito detalhadas, já que as condições do resgate constavam no programa assinado por PS, PSD e CDS e, por isso, eram bem conhecidas por quem ali estava prestes a assumir funções governativas. No entanto, Cavaco usou palavras duras para descrever os quatro anos que se seguiriam, afirmando: “Portugal vive uma situação de emergência, caracterizada por enormes dificuldades económicas, financeiras e sociais”.

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O Presidente defendeu então que a coligação teria de ter “solidez, consistência e durabilidade”, e conseguir obter “consensos partidários que vão para além da maioria”. “Não há motivos para deixar de fazer o que deve ser feito, a começar pelo cumprimento dos compromissos que assumimos perante as instituições internacionais. Os custos de um falhanço seriam absolutamente catastróficos e durariam por muitos e muitos anos, hipotecando drasticamente o futuro das gerações mais jovens”, afirmou então Cavaco Silva

2. Pedro Santana Lopes, 2004 – “Não existe margem para programas adicionais de aumento de despesas”

Depois da saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia, Sampaio viu-se perante o dilema de dar ou não posse a Santana Lopes que se apresentou como sucessor no cargo de primeiro-ministro – com uma pequena remodelação. Sampaio deu posse, mas deixou muitos avisos na cerimónia – avisos que haviam de se concretizar meses depois, quando dissolveu a Assembleia da República. “Os últimos dois anos não foram fáceis para Portugal. Agravaram-se os problemas sociais e, particularmente, o desemprego. A retoma económica é ténue. A consolidação orçamental não está garantida”, enumerou o Presidente perante o novo primeiro-ministro.

Sampaio deixou também claro que não permitiria remédios rápidos para as contas do país. “Não existe, assim, margem para programas adicionais de aumento de despesas, nem para reduções de impostos que não sejam compensadas por equivalente diminuição de despesa”, afirmou em 2004.

Mas os avisos foram também dados a nível político. “Não seria aceitável que o Governo e as administrações públicas condicionassem a juízos de mera oportunidade eleitoral a prossecução do interesse nacional a que estão obrigados“, disse o Presidente no Palácio da Ajuda, mencionando mesmo o país não estava “em condições de suportar qualquer deriva eleitoralista”. Jorge Sampaio avisou mesmo que a conjunção de todos estes fatores – “não interessa escondê-lo” – eram “um motivo de preocupação acrescida”, perante um possível cenário de instabilidade.

3. José Sócrates, 2009 – “Mais do que de reformas, o país precisa de um rumo de futuro”

A tomada de posse do segundo mandato de Sócrates deve ter dado a Cavaco Silva um pequeno deja vú, já que 24 anos antes tinha sido ele no lugar do socialista, liderando um Governo minoritário. Essa circunstância não fez com que o tom usado por Cavaco fosse moderado nas recomendações feitas para o mandato. “Sei que nos encontramos perante uma situação económica e social preocupante […] De entre os problemas que Portugal enfrenta, dois merecem particular atenção: o desemprego e o endividamento externo”, avisou Cavaco Silva.

Mas não ficou por aí. “Nos tempos difíceis que o país atravessa, exige-se uma política social ativa e um esforço acrescido de todos no apoio aos nossos concidadãos mais expostos à adversidade e ao infortúnio e às camadas mais vulneráveis da nossa sociedade“, considerou então Cavaco Silva, dizendo a Sócrates que “mais do que de reformas, o país precisa de um rumo de futuro”.

No fim do seu discurso, Cavaco Silva comprometeu-se a ser “um referencial de estabilidade” por conhecer “as dificuldades que tem de enfrentar um governo minoritário” e “as dificuldades que um Presidente da República pode colocar a um Governo” – lançando farpas a Mário Soares.