Um milímetro não costuma fazer assim tanta diferença. Não é por uma bola bater uma semente de mostarda ao lado, no poste, que vai deixar de entrar na baliza. Tão pouco é a espessura de uma folha de papel que falta ao guarda-redes que se estica todo e, mesmo assim, não consegue alcançar uma bola rematada à sua baliza. A décima parte de um centímetro é muito pouca coisa e não costuma fazer diferença no que quer que seja, mas JJ não quis saber. Quando começaram a questioná-lo sobre suplentes a fazerem as vezes dos titulares, o treinador avisou que não ia “fugir um milímetro” do que planeou para a Liga Europa. Lembrou que a prioridade dos leões está dentro e não fora e que, por isso, não ia mudar por nada o que tinha vindo a fazer na Europa.

Jesus parece bruxo. O jogo nem cinco minutos dá ao relógio quando o Sporting começa a ficar preocupado. Na pressa de apertar o adversário e roubar a bola que o Lokomotiv tinha na metade do campo dos leões, Adrien Silva sai disparado contra Ndinga, a bola ressalta no pé direito do português e vai logo ter com Maicon. O brasileiro está acampado à entrada da área, mas dentro de jogo por a bola vir do capitão do Sporting. Vira-se, corre um pouco e remata sem que Marcelo Boeck toque na bola. Era o nono golo sofrido na prova e a certeza de que não era desta que os leões fechariam uma partida sem a baliza importunada. Nisto JJ tem razão: a equipa não muda. Só que, a partir daí, começa a contrariá-lo.

O único toque na bola que dá sem querer corre-lhe mal, mas todos os que Adrien dá depois, com intenção, são bons. Com William em Lisboa, os leões dão muita bola ao capitão e os passes que lhe saem do pé ditam como o Sporting ataca. E ataca bem e melhor com o passar dos minutos. O Lokomotiv dá uma ajuda: defender é algo que só faz no seu meio campo e os russos é que parecem não fugir um milímetro desta regra. Adrien tem sempre tempo e espaço para lidar com a bola e com isso deixar que João Mário se afaste dele e vá pedir a bola mais à frente. Um nunca se engana a passá-la, o outro é o que mais tino tem a correr com ela nos pés. Bryan Ruiz anda entre Montero e os médios enquanto a bola se farta de viajar entre Gelson e Matheus — que é como quem diz, de um lado ao outro do campo sem que um russo lhe toque pelo meio.

Os leões jogam bem e fazem o que querem aos 20’, quando o avançado colombiano sai da área, pede a bola, passa-a de primeira para a direita e corre para a área. É lá que faz o 1-0 com o cruzamento de Esgaio que lhe para no pé, porque a bola desvia vários centímetros na cabeça de Denisov. O Sporting começa, de vez, a ser dono de tudo e roça os 70% da companhia da bola até ao intervalo. Naldo e Ewerton nem um segundo dão para Niasse pensar como dominar os passes que os russos lhe fazem, na ocasional bola que recuperam, e isso dá descanso aos leões — podem arriscar. Os extremos partem em sprints para a área e, num deles, Gelson tabela com Montero para ficar com a bola na área e a rematar por entre as pernas de Guilherme. Antes, outro toca-e-vai já dera ao colombiano uma assistência para Bryan Ruiz picar a bola por cima do corpo do guarda-redes do Lokomotiv.

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epa05043200 Bryan Ruiz (R) of Sporting CP scores the 2-1 lead during the UEFA Europa League group H soccer match between Lokomotiv Moscow and Sporting CP at Lokomotiv stadium in Moscow, Russia 26 November 2015. EPA/MAXIM SHIPENKOV

Dois golos na Liga Europa, ambos marcados fora. Bryan Ruiz dá-se bem com esta prova. Foto: EPA/MAXIM SHIPENKOV

O Sporting fechava a primeira parte descansado, a trocar a bola como queria e a chegar perto da baliza russa com cada tabela rápida que tentava à entrada da área. Jogava bem à boleia de Adrien e João Mário, os que mais vezes mexiam na bola (58 e 42 toques), e do golo e das assistência de quem menos a cheirava (Fredy Montero, 18 toques). Os leões fugiam muito do que tinham feito na competição (há 29 anos que não marcavam três numa primeira parte europeia) e, na segunda parte, aproximaram-se do que as equipas de Jorge Jesus costumam fazer: a ganharem em jogos europeus, encolhem-se e abrandam. Culpa também dos russos, que em dez minutos assustam com três remates e veem um, de Manuel Fernandes, bater na barra, depois de Ricardo Esgaio o desviar para a própria baliza. O Lokomotiv solta-se, passa a jogar mais rápido e a atacar com mais jogadores, obrigando o Sporting a afastar-se da estratégia. Mas não piora.

No segundo contra-ataque que os leões montam em Moscovo o quarto golo aparece. Matheus Pereira sai disparado da direita, parte a sprintar para o centro e Gelson solta um passe para a bola se encontrar com a corrida do extremo, que volta a fazer a bola passar entre as pernas de Guilherme. Aqui, acalma de vez. A equipa deixar de dar tanta velocidade aos passes com que quer chegar à baliza russa e JJ começa a dar minutos a quem menos os tem tido na época. André Martins e Alberto Aquilani entram e o Sporting chega menos vezes à área russa. Bryan Ruiz remata ao poste, aos 69’, e Gelson quase marca, aos 74’, à medida que o Sporting foge do que fez até ao intervalo.

O Lokomotiv aperta os leões, que deixam de fazer questão de defender longe da área. Por isso deixam que Manuel Fernandes tenha mais que tempo para garantir que nem um milímetro falta à bola que cruza para que, na área, seja Ricardo Esgaio a deixar Mirachenko dominar de peito e rematar para bater Marcelo Boeck. É o quarto golo que se marca em Moscovo por entre as pernas dos guarda-redes, o 4-2 fecha a partida e confirma que o Sporting se desvia, em muitos milímetros, do que fora até aqui. Os 45 minutos até ao intervalo foram dos melhores que os leões fizeram esta época. A equipa fartou-se de ter a bola e de a trocar como quis perto da área para, 11 anos depois, voltar a marcar quatro golos além-Alvalade em competições europeias.

E mais, porque há quase quatro anos e três meses que o Sporting não marcava mais golos que o adversário num jogo europeu fora de Portugal. Isto faz com que os leões possam continuar na Liga Europa caso, na última jornada, ganhem ao Besiktas de Ricardo Quaresma em Alvalade. Para terem esta hipótese, a equipa fugiu, e muito, do que tinha feito até aqui na Liga Europa.