Que corra tudo bem e que seja feliz. E nós também“. As palavras de Maria Antónia Palla, jornalista e mãe do homem que se tornou, esta quinta-feira, primeiro-ministro de Portugal, podiam muito bem resumir a tarde: expectativa, confiança, vários sorrisos aqui e ali, mas também algumas caras fechadas. Vinte e oito dias depois de Pedro Passos Coelho ter tomado posse como primeiro-ministro, o Palácio da Ajuda voltou vestir-se de gala para receber as mais altas figuras do Estado na tomada de posse do XXI Governo Constitucional.

À chegada, Maria Antónia Palla admitia que o caminho até aquele momento não tinha sido fácil. “Estávamos todos expectantes, [até porque] nunca tinha acontecido esta solução”. “Mas é uma solução possível” e um “momento histórico”, dizia, sem esconder o facto de estar orgulhosa pelo filho, mesmo quando o acusam de ter sido ambicioso e de não ter olhado a meios para chegar a São Bento. “Ele não é nada ambicioso. Tinha o direito de pensar [nesta solução] e penso que foi bom ter pensado. Demos um passo adiante na nossa democracia”. Conseguirá ser melhor do que Passos Coelho? “Não tenho a menor dúvida. Qualquer pessoa era melhor“.

Nem todos concordam, por certo. Ainda antes de Maria Antónia Palla, Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, um dos poucos que acedeu falar aos jornalistas à chegada ao Palácio da Ajuda, reconhecia que este era “um dia singular”, mas pelos piores motivos. “É um dia em que cessa funções um Governo e um primeiro-ministro que foram escolhidos pelo povo, mas alvo de uma rejeição por parte dos partidos que perderam as eleições, e em que inicia funções um Governo e um primeiro-ministro que foram rejeitados pelo povo mas que foram viabilizados para o exercício dessas funções por um entendimento pluripartidário dos partidos que perderam as eleições”.

Palavras mais duras que fizeram aquecer a tarde fria que se instalou no exterior do Palácio da Ajuda – o tratamento de silêncio dos que foram chegando também não ajudava a mais. Primeiro – a primeiríssima – Francisca Van Dunem, nova ministra da Justiça de António Costa, que chegou ainda faltavam largos minutos para as 15 horas. Depois, ministros e secretários de Estado, cessantes e futuros, foram desfilando a conta-gotas, sem se alongarem em declarações aos jornalistas. Pedro Lomba, secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, ainda soltou um “não me matem” quando o carro onde seguia avançou ainda Pedro Lomba tinha meia perna de fora.

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Pedro Nuno Santos, novo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, estava visivelmente bem mais animado. Sobre o desafio que agora se coloca disse apenas: “Vai ser muito interessante, estimulante e vai tudo correr bem”. Tiago Brandão Rodrigues, que chegou ao Palácio da Ajuda com uma mochila às costas, competia em entusiasmo. Ele que é o ministro da Educação e o mais novo do Governo de António Costa. A boa disposição dos dois contrastava com o rosto fechado de Teresa Morais, ex-ministra da Cultura de Passos, que esteve apenas 28 dias no cargo.

Quando passavam sete minutos das 15h30, e já todos esperavam ver aparecer Pedro Passos Coelho e António Costa – a chegada estava prevista para as 15h40 -, deu-se um dos momentos curiosos da tarde: ao mesmo tempo que chegavam Catarina Martins, Pedro Filipe Soares e Luís Fazenda do Bloco de Esquerda, a pé, eis que surgiram, no mesmo carro, Rui Machete e Augusto Santos Silva, anterior e futuro ministro dos Negócios Estrangeiros.

Às 15h42, foi a vez de António Costa chegar, acompanhado pela mulher, Fernanda Tadeu. Sorridente, o socialista soltou um “até já”. Estava a minutos de se tornar primeiro-ministro. Segundos depois, chegava Pedro Passos Coelho. Sozinho. Com a passagem de testemunho consumada, o ciclo inverter-se-ia à saída: o primeiro dos dois a abandonar o Palácio da Ajuda foi Passos e, só no fim, António Costa. Nenhum dos dois falou à saída.

E, tal como na anterior tomada de posse, o protocolo repetiu-se: os familiares e convidados dos governantes foram encaminhados para uma sala própria, de onde ficariam a assistir à cerimónia; os governantes e ex-governantes ficaram com a sala principal só para si. Quanto aos jornalistas, ficavam à porta, numa sala reservada, podendo circular apenas até meia hora antes do início da sessão. De resto, todo o quarteirão em redor do Palácio da Ajuda estava, como é hábito, cercado pela PSP e no exterior e interior do Palácio da Ajuda eram muitos os seguranças que asseguravam o perímetro.

O discurso de Cavaco aqueceu a esquerda

A tomada de posse do XXI Governo Constitucional foi um primeiro round muito quente entre Cavaco Silva e António Costa. Mas já lá vamos.

Durante a tomada de posse dos ministros e secretários de Estado do novo Governo socialista, foi curioso reparar que vários governantes assinaram com uma uni-ball roller. Mas foi Maria Manuel Marques, ministra da Presidência, quem mais deu nas vistas ao ter assinado com uma caneta rosa choque. Por outro lado, houve quem surpreendesse não pela caneta em si, mas precisamente por não ter tomado posse: Jorge Oliveira, futuro secretário de Estado da Internacionalização, estava fora do país e, como tal, não conseguiu marcar presença na cerimónia. Ficou acertado com a Presidência da República que tomaria posse depois.

Voltando ao confronto entre Cavaco Silva e António Costa, à volta do ringue, os vários espectadores foram assistindo ao desempenho ora de um, ora de outro. Enquanto Cavaco Silva fazia uma série de avisos ao próximo Governo, lembrando que não abdicava de “nenhum dos poderes” que tem, incluindo a demissão do Governo, na plateia, as câmaras de televisão captavam um Mário Centeno de rosto cerrado. Catarina Martins não estava muito diferente e João Oliveira, do PCP, assistia de braços cruzados ao discurso do Presidente da República.

Quando António Costa tomou a palavra, as câmaras centraram-se então em Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Durante o discurso, o primeiro-ministro empossado fez questão de lembrar que responde apenas perante a Assembleia da República (em resposta a Cavaco Silva) e foi fazendo várias críticas ao caminho escolhido pelo anterior Executivo. Passos, inexpressivo, e Portas, várias vezes com mão a tapar o queixo, iam ouvindo as palavras do socialista. Mesmo a terminar, o agora primeiro-ministro ainda saudou o antecessor: Passos esboçou um sorriso indecifrável, Portas acenou com a cabeça. Estava passado o testemunho.

Mas nem toda a gente assistiu ao primeiro confronto entre Cavaco Silva e António Costa e à tomada de posse do novo Governo. Houve quem se atrasasse ou aparecesse só no final, mesmo entre familiares dos novos governantes. Rui Costa, cunhado de Ana Paula Vitorino, nova ministra do Mar, e de Eduardo Cabrita, ministro-Adjunto de Costa, chegou já no fim da cerimónia e não conseguiu ouvir as palavras do Presidente da República e do novo primeiro-ministro português. Mas ainda a tempo de falar com o Observador. Se há 28 dias, todos se perguntavam “estaremos de volta daqui a duas semanas?”, a convicção é de que este Governo é mesmo para durar. “Estou muito confiante no trabalho deles. Espero que ninguém tenha saudades” de Passos Coelho.

Entre os convidados que assistiram à cerimónia estava também Vítor Pereira, presidente da Câmara Municipal da Covilhã. O autarca socialista gostou imenso das palavras de António Costa: um discurso digno “de um grande estadista”. Como autarca e dirigente socialista, Vítor Pereira fez questão de marcar presença na tomada de posse do novo Governo, consciente que o próximo Executivo terá “grandes desafios”, mas “esperançado” de que o próximo Governo seja melhor do que o anterior. Até onde pode chegar? “Depende sempre e apenas da vontade dos deputados”, lembrou. Para Cavaco Silva, só críticas: foi um “discurso que não fica bem a um Presidente da República” e que não é “mais do que um fator de instabilidade” desnecessário.

Um primeiro-ministro num carro elétrico

Ao mesmo tempo que saíam os convidados, começavam também a sair os primeiros ex-governantes. Fernando Montenegro, Aguiar-Branco, Costa Neves e Leal da Costa saíram juntos, a pé, em direção oposta ao círculo de jornalistas.

Depois saíram os representantes do Bloco de Esquerda e do PCP, parceiros do PS no Parlamento. À esquerda, quem ouviu Cavaco Silva a dizer que este Governo nascia de uma crise política não gostou. Primeiro, Catarina Martins. À saída da cerimónia a bloquista deixou clara a sua posição: “O Presidente da República continua a ter um equívoco sobre a formação deste Governo. [Cavaco Silva] optou por fazer o país ter esse compasso de espera, mas o Governo que é agora indigitado é o Governo que vem não de uma crise política mas sim de uma legitimidade das eleições de dia 4 de outubro. Este Governo é fruto do que os portugueses decidiram no dia 4 de outubro quando foram votar. Há uma nova maioria na Assembleia da República, há um novo governo para travar o empobrecimento em Portugal“.

Também o comunista João Oliveira criticou as palavras de Cavaco Silva. “Depois da crise política que o senhor Presidente da República criou com a nomeação de um Governo do PSD e do CDS-PP que não tinha condições para entrar em função, agora finalmente põe-se fim a essa crise política com a nomeação de um Governo que possa entrar em plenitude de funções“.

Com a passagem de testemunho, fecha-se também um ciclo: é altura de largar o fato de ministro e voltar aos bons velhos hábitos. Quando há quatro anos tomou posse, Pedro Mota Soares, agora ex-ministro da Solidariedade e Segurança Social, causou espanto ao aparecer de moto no Palácio da Ajuda. Depois, as apertadas regras de segurança obrigaram-no a seguir mais vezes de carro do que o contrário. Hoje, já sem o “Sr. ministro” atrás do nome, voltou à sua pequena Piaggio Vespa e entregou a pasta.

E se uns fecham um ciclo, outros começam um novo. Por isso mesmo, no final, houve quem não resistisse a eternizar o momento. Com o Palácio da Ajuda a servir de fundo, Pedro Nuno Santos e a namorada aproveitaram para tirar uma selfie e documentar o dia em que um dos homens fortes de António Costa tomou posse como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

António Costa uma foi das últimas pessoas a deixar o Palácio da Justiça. Sem prestar declarações aos jornalistas, o agora primeiro-ministro seguiu viagem num curioso carro elétrico: um Nissan Leaf, azulado, que contrastava com todas as máquinas que foram desfilando no Palácio da Justiça. Momentos antes, Fernanda Tadeu, a mulher do agora primeiro-ministro, atirava aos jornalistas: “Estou muito orgulhosa e muito confiante“.