É hora de jantar. Tocam à campainha. Uma mulher de roupão de seda abre-a com um andar de pernas sensual. À porta, o estafeta das pizzas encosta-se à ombreira e diz três ou quatro frases clichés. As pizzas vão pelo ar, debaixo da farda existe todo um corpo musculado e brilhante de óleo e, de repente, a mulher já está encostada ao sofá numa qualquer manobra sexual para dar prazer ao homem. Sim, é um filme pornográfico da velha guarda. Não admira por que razão, há alguns anos, as mulheres não quisessem nem ouvir falar desta temática — os filmes porno eram exclusivamente pensados para homens, machistas e irreais. Mas numa altura em que a internet, o YouTube e os smartphones tornaram o acesso a conteúdos sexuais facilitados, estarão as mulheres ainda tão envergonhadas para falar sobre pornografia?

As mulheres veem mais pornografia sozinhas

A revista americana Marie Claire realizou um projeto (The Porn Project) para trazer ao de cima a relação que existe entre as mulheres e a pornografia. Um total de três mil mulheres foram inquiridas e um dos dados mais curiosos é que, afinal, uma em cada três mulheres vê pornografia, pelo menos, uma vez por semana. Amanda de Cadenet, jornalista que escreve para a Marie Claire, passou os últimos dois anos a entrevistar mulheres e percebeu que aquilo que elas procuram na pornografia é algo focado em si e na sua sexualidade (para perceber o que gostam e como podem agradar-se a si próprias) e não tanto num parceiro — razão pela qual a grande maioria vê filmes pornográficos sozinha (apenas 12% disse ver com o parceiro e 17% vê para perceber o que o parceiro gosta).

Estou a trabalhar fora de Portugal e o meu parceiro está aí. Isso já pode explicar a minha relação com a pornografia. Vejo muita sozinha e, acima de tudo, sinto que funciona para mim, para a minha sexualidade e para exprimir aquilo de que gosto. Há uns anos nem me conseguia imaginar a ver filmes pornográficos mas agora descobri que gosto de pornografia gay — com homens. Não é algo que veja sempre, claro, mas normalmente nos filmes gays vemos homens bonitos e sensuais, e nos filmes heterossexuais não”, diz Sílvia*, de 33 anos, ao Observador.

Do soft-porn ao erótico-sexual

Um dos grandes tabus talvez seja o facto de que a maioria das mulheres associa pornografia aos filmes hardcore que fazem parte do nosso imaginário — e onde entram todas aquelas personagens, desde o rapaz das pizzas à professora de escola primária. Uma notícia do jornal britânico Daily Mail diz que 73% das mulheres prefere ver o chamado soft porn, 47% gosta da pornografia que envolve role play (algo como desempenhar papéis) e 21% gosta de pornografia relacionada com fetiches.

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Joana*, de 31 anos, explica-nos as suas preferências:

“Por norma fazem os filmes a pensar que os consumidores finais são sempre homens. Refiro-me a filmes em que as mulheres são sempre perfeitas, usam muito látex, saltos altos e não há o mesmo critério para os homens — que podem ser bonitos, ou não, charmosos, ou não, ter barriga, ou não. Lá está, os filmes são pensados para agradar aos homens e não às mulheres. Hoje em dia, felizmente, já existe pornografia pensada para mulheres, basta ligarmos a televisão depois da meia noite — os filmes têm casais reais, algum toque de romantismo e a pornografia está misturada com o erotismo: que é exatamente o que nós gostamos.”

No estudo da Marie Claire, apuraram-se dados interessantes:

  • 90% das mulheres vê pornografia na internet enquanto apenas 11% compra filmes ou DVDs.
  • 63% prefere porno heterossexual mas 44% gosta de pornografia com mulheres.
  • 62% usa os smartphones, 53% os computadores portáteis e 26% os iPads (a televisão não foi referida).
  • 66% nunca vê pornografia com o parceiro e 31% vê ocasionalmente.
  • 40% das mulheres prefere filmes eróticos com romance e alguma história.

“Eu vejo os filmes normais, daqueles que passam na televisão e que são muito focados no erótico-sexual. Aqueles em que há massagens e muitos toques românticos, por assim dizer. Não gosto de pornografia agressiva e hardcore — acho que essa é exclusivamente para homens. Mas isso não quer dizer que também não goste de erotismo hardcore. Não falo de bondage mas daquele tipo de pornografia em que o homem agarra na mulher, tira-lhe a roupa, puxa-lhe o cabelo e controla tudo. Esses cenários fazem as mulheres sentirem-se desejadas”, partilha Sara, de 29 anos.

E este parece ser exatamente o segredo por trás da pornografia feminina: uma mistura de 50 Sombras de Grey com De Olhos Bem Fechados (filme de 1999 com Tom Cruise e Nicole Kidman) que envolve muita tensão, muita paixão e muita sedução.

“Vejo muito porno sozinha. Também via com o meu último parceiro porque nunca era só ver. Servia como chama para acender a vontade. Não tinha interesse em copiar o que via nos filmes, era mais para aquecer o ambiente e para nos inspirar no tipo de coisas que podíamos fazer e gostar”, diz Marta*, de 24 anos.

4 motivos porque a pornografia é positiva

O jornal Huffington Post reuniu quatro razões porque a pornografia feminina faz bem — às mulheres e aos homens.

  1. Traz benefícios às relações e à vida sexual — Casais que assistem a pornografia juntos sentem-se mais comprometidos e sexualmente mais satisfeitos. 58% das mulheres diz ter mais confiança para pedir aquilo de que gosta.
  2. Assistir pornografia sozinha não é traição — E 93% das mulheres não considera que o seu companheiro as esteja a trair caso faça o mesmo.
  3. Funciona como anti-stress — Mais de 85% das mulheres usa a pornografia como uma espécie de escape fantasioso e 23% diz que ajuda a aliviar o stress.
  4. As mulheres sentem-se mais à vontade para fazer os seus próprios filmes amadores — 45% das mulheres já fez um vídeo de sexo com o companheiro ou com um ex-companheiro. E embora isto possa ser um elo de ligação entre um casal e que aumenta a confiança entre os dois, é sempre bom relembrar que a partilha deve ser feita com cautela — para que não venha parar à internet.

*Nomes fictícios: estas pessoas não quiseram ser identificadas.