As organizações com mecenas empresariais de elite têm mais facilidade em conseguir ter as suas mensagens divulgadas pelos órgãos de comunicação social. Até aqui nada de novo. O problema aqui está nas organizações que se dedicam a negar as alterações climáticas e que, por terem contactos influentes, conseguem ter tanta ou mais expressão nos media do que as demonstrações científicas que validam as mudanças no clima que estão a acontecer no planeta. As conclusões foram publicadas esta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change.

Negacionismo nas publicações anglo-saxónicas

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Estados Unidos

  • 28% no Wall Street Journal
  • 25% no New York Times

Reino Unido

  • 19% no Daily e Sunday Telegraph (direita)
  • 11% no Guradin/Observer (esquerda)

Poles Apart/Reuters Institute

Em 2011, um relatório do Reuters Institute for the Study of Journalism – “Poles Apart” – reviu as publicações cépticas e negacionistas nos órgãos de comunicação e confirmou que eram as publicações anglo-saxónicas, em especial as norte-americanas, que mais espaço davam a este tipo de artigos. O relatório acrescentou, ainda, que os jornais assumidos como de direita publicavam mais histórias negacionistas do que os que se assumiam de esquerda.

O papel dos mecenas para levar a mensagem mais longe

Para perceber como é que as instituições “anti-alterações climáticas” influenciam os órgãos de comunicação e os decisores políticos, Justin Farrell, investigador na Universidade de Yale (Estados Unidos), analisou as redes de contactos de 4.556 indivíduos e 164 organizações dedicadas a promover pontos de vista contrários aos que confirmam as alterações climáticas e cruzou com informação sobre as instituições, dentro da rede de contactos, que receberam financiamento de mecenas empresariais entre 1993 e 2013, conforme publicou na Nature Climate Change.

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Quando comparados os 40.785 textos produzidos pelas organizações que negam as alterações climáticas, entre 1993 e 2013, e os 25 mil artigos (escritos ou verbais) produzidos pelos órgãos de comunicação (The New York Times, The Washington Times e USA Today), pelos presidentes do país ou pelo Congresso, Justin Farrell concluiu que quem tem mecenas empresariais tem mais facilidade de ver os artigos publicados nos media. E, à luz destas conclusões, o autor questiona-se até que ponto o lóbi empresarial poderá influenciar as questões científicas.

A rede de contactos: os pontos vermelhos representam as 164 instituições e os pontos pretos os mais de 4.500 indivíduos - Farrell (2015) Nature Climate Change

A rede de contactos: os pontos vermelhos representam as 164 instituições e os pontos pretos os mais de 4.500 indivíduos – Farrell (2015) Nature Climate Change

Jornais anglo-saxónicos dão mais voz ao negacionismo do clima

O estudo comparativo de 2011 reviu três mil artigos, dois de cada um dos países estudados – Brasil, China, Estados Unidos, França, Índia e Reino Unido –, de dois períodos de três meses, um em 2007 e outro em 2009-2010. A primeira conclusão é a de que todos os jornais analisados, com excepção do jornal francês Le Monde, aumentaram o número de artigos cépticos ou negacionistas do primeiro para o segundo período. Mas o aumento só é expressivo nos Estados Unidos e Reino Unido.

Dos artigos negacionistas analisados:

  • 80% eram dos Estados Unidos ou Reino Unido;
  • 40% dos artigos negacionistas encontravam-se nas páginas de opinião ou editoriais;
  • Um terço das vozes cépticas citadas ou mencionadas são políticos;
  • 86% das vezes em que foram citados políticos pertenciam aos jornais anglo-saxónicos;
  • 90% dos cépticos/negacionistas citados no Brasil, China, França e Índia, questionam a responsabilidade das atividades humanas nas alterações climáticas. 60% no caso dos Estados Unidos e Reino Unido.

Ser céptico, anti-socialista e anti-comunista

Durante a guerra fria, os norte-americanos adquiriram uma postura anti-socialista, disse ao Observador Carlos Teixeira, investigador no Instituto Superior Técnico. Até cientistas, como Fred Singer ou Fred Seitz, assumiram desde essa altura que “todas as questões que exigissem do Estado uma resposta que implicasse um aumento da ação do Estado, seriam negadas”. “Não era um debate científico, era um debate político.”

Mas o biólogo aponta um problema ainda pior, think tanks (grupos de reflexão), “financiados e desenvolvidos pela indústria petrolífera, para produzir diariamente comunicados de imprensa, relatórios e livros negacionistas”. Os “especialistas” que escrevem estes relatórios admitem que não produzem ciência, mas que vão à ciência para tirarem as suas conclusões, contou Carlos Teixeira. Mas depois são postos lado a lado com climatologistas para discutirem as alterações climáticas. As estratégias destes negacionistas passam por “criar dúvidas, desestabilizar e protelar o avanço legislativo”.

“Os próprios negacionistas admitem que vamos ter regulamentação, porque eles próprios têm como objetivo último atrasar a legislação”, afirmou Carlos Teixeira.

O cepticismo nos Estados Unidos “tem raízes fortes, está bem organizado e está melhor financiado”, afirmou o relatório da Reuters Institute, como foi agora confirmado pelo artigo da Nature Climate Change. No relatório é referido que os think tanks negacionistas das alterações climáticas têm paralelo com think tanks que afirmavam que não havia prova científica de que o tabaco provocasse cancro ou que as chuvas ácidas e o buraco do ozono eram causados pelos vulcões.

É um facto que, mesmo nos Estados Unidos, existem diferenças entre partidos: os republicanos são mais negacionistas do clima do que os democratas. E, entre os republicanos, os elementos do Tea Party são os que mais escolhem esta posição. “Levar as alterações climáticas a sério significa implementar regulamentação pelo governo, ir atrás da indústria, aumentar as taxas, interferir nos mercados – tudo isto uma maldição para a agenda conservadora”, disse à Nature, em 2011, Joe Bast, diretor do instituto céptico do clima Heartland, citado pelo relatório “Poles Apart”.