Na passada sexta-feira o presidente da Colômbia anunciou que o país descobriu o que resta do galeão espanhol San José. Não foi uma descoberta qualquer, pois o galeão levou consigo, ao afundar-se, um dos maiores tesouros alguma vez perdidos. Os investigadores calculam que esta embarcação terá consigo um património avaliado entre os 3 mil milhões e os 17 mil milhões de dólares (entre os 2,7 mil milhões e os 15,5 mil milhões de euros).

Depois de o ter feito através do Twitter, Juan Manuel Santos revelou, num discurso em Cartagena das Índias na Colômbia no sábado passado, que estava “muito satisfeito, como Chefe de Estado, de informar os colombianos que sem lugar a dúvidas, sem qualquer tipo de dúvidas, encontrámos, 307 anos depois do seu naufrágio, o galeão San José“. Afirmou de seguida que esta “é uma das maiores descobertas e identificações de património submerso da história da humanidade”.

Imagens de sonar já permitiram detetar canhões de bronze construídos especificamente para este galeão, assim como armas, cerâmicas e outros artefactos que terão pertencido a um navio imponente para a época, com quase 50 metros de comprimento, 15 de largura e armado com 64 canhões.

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Este anúncio tornou-se já num dos capítulos mais importantes e marcantes de uma história de mais de 300 anos, pois a lenda do San José não começou nem terminou no seu naufrágio, depois de se afundar às mãos de navios ingleses. Aliás, a polémica à volta do San José começou anos depois de ter mergulhado nas profundezas do mar. Mas comecemos pelo princípio.

Da Guerra da Sucessão Espanhola… 

A morte de Carlos II de Espanha, último rei da Casa real de Habsburgo (ou Casa de Áustria), sem deixar herdeiros da rainha Maria Luísa d’Orleães da família real francesa, abriu caminho a um conflito que se tornou civil, num primeiro momento, e que depois se expandiu a uma disputa internacional pela coroa espanhola. Foi a Guerra da Sucessão Espanhola, um dos conflitos mais marcantes do século XVIII europeu.

Filipe V, neto de Luís XIV de França, membro da Casa Bourbon, reclamava o seu direito ao trono e conquistou-o. Com a sua chegada ao poder, esta Casa Real, que também detinha o trono França, conquistava a importante coroa espanhola, facto que inquietou as outras potências europeias. Mais do que todas, preocupou a Casa de Áustria, já que o imperador Leopoldo I receava especialmente o que via como uma união entre espanhóis e franceses. Reclamou por isso o mesmo trono de Espanha, invocando o seu grau de parentesco com o falecido rei, assim iniciando uma disputa que se tornou numa guerra onde meia Europa lutou pela coroa de Espanha.

Foi no meio deste conflito, que se prolongou de 1702 a 1714, que o galeão San José acabou por conhecer o seu trágico destino.

Construído em 1698 pelo duque Aristides Eslava, a embarcação zarpou de Cádiz em 1706, em plena Guerra da Sucessão. Com destino a Cartagena das Índias, na Colômbia, onde chegou um mês depois, o San José deveria dirigir-se a Portobelo no Panamá, para aí ser carregado com o ouro e outras riquezas das Índias Ocidentais. Depois de muitos atrasos em relação à logística da viagem, o navio só levantou âncora dois anos depois de ter chegado à Colômbia, tendo partido em fevereiro de 1708 para Portobelo, apoiado por uma esquadra que o devia proteger. Foi aí que carregou uma autêntica fortuna composta por ouro, prata e esmeraldas, e foi daí que, depois de alguma hesitação devido à presença na região de navios ingleses, partiu em maio de 1708 de regresso a Cartagena.

Mas não chegaria lá. Isto porque, quando já se encontrava a apenas 30 milhas do porto colombiano, o San José caiu numa emboscada que tinha sido montada pelo capitão inglês Charles Wagner. Entre as Islas del Rosario e a Península de Barú, o confronto com os barcos ingleses foi fatal para o galeão espanhol, que se afundou depois de uma explosão a bordo, levando para o fundo do mar os seus 600 tripulantes (salvaram-se apenas 11) e a sua preciosa carga.

Mas o naufrágio não seria a última batalha protagonizada pelo San José, pois há muito que duram intermináveis batalhas legais sobre a verdadeira legitimidade de explorar e de possuir o seu conteúdo, cuja localização foi finalmente estabelecida sem margens para dúvidas.

galeão san josé

Apesar de já terem sido publicadas imagens do conteúdo do San José, as dúvidas sobre o alegado tesouro que este carregava permanecem. EPA/EFE / COLOMBIA MINISTRY OF CULTURE

O mistério sobre o tesouro que transportava este galeão abriu uma série de batalhas judiciais que envolvem o mesmo número de cenários legais sobre o detentor deste património histórico. Esta situação tem mais do que uma variável: o barco era espanhol, mas foi afundado em águas colombianas e há que ter em consideração os direitos de quem o encontrou. Neste caso, e segundo os últimos desenvolvimentos, quem o descobriu foi a Colômbia. E por isso a doutrina divide-se e os especialistas não se entendem em relação a esta matéria.

…às hostilidades legais

Esta batalha legal começou nos anos 1980 quando a empresa Glocca Morra Company alegou junto da Direção Geral Marítima da Colômbia ter descoberto a localização do galeão. Perante este cenário, dois anos depois deste anúncio, o governo presidido por Belisario Betancur confirmou que ia procurar o San José, prometendo à empresa metade da carga se esta fosse descoberta. Por sua vez, a Glocca cedeu os seus direitos à companhia americana Sea Search Armada (SSA). E esta decisão não caiu bem ao presidente colombiano que, em vez dos 50% prometidos anteriormente, passou a oferecer apenas 5% do espólio. Confrontada com este volte face, a SSA processou o Estado da Colômbia.

Depois de mais de 20 anos de batalhas legais, em 2007 o Supremo Tribunal da Colômbia decidiu que a SSA tinha mesmo direito a 50% do ambicionado tesouro.

Mas não chegava. A SSA processou outra vez a Colômbia, mas agora nos Estados Unidos, reclamando uma indemnização e o direito a todo o conteúdo presente no San José, que avaliava em 17 mil milhões de dólares (mais de 15 mil milhões de euros). Mas, e surpreendentemente, o Tribunal de Columbia, nos Estados Unidos, decidiu a favor do país sul-americano em 2011. Dois anos mais tarde, o Tribunal de Recursos de Washington confirmou a anterior decisão.

Nesse mesmo ano o governo colombiano entrou novamente em ação e aprovou a Lei 1675 que legislava sobre a proteção de património submerso, protegendo-o em relação a possíveis e prováveis interferências internacionais. Ora, na prática, esta nova legislação permitia a comercialização de parte das descobertas como forma de pagamento a empresas privadas associadas à expedição, desde que não superasse os 50% do espólio encontrado, como explica o El Pais.

Agora, com a intervenção pública do atual líder colombiano no passado sábado, Espanha também quis envolver-se em todo este processo. Juan Manuel Santos declarou que o San José era “património de todos os colombianos”, declaração a que o secretário de Estado da Cultura espanhol, José Maria Lasalle, reagiu prontamente. O responsável espanhol revelou que vai “solicitar ao governo colombiano uma informação precisa sobre a aplicação da legislação em que fundamenta e justifica a intervenção sobre um navio espanhol”.

As dúvidas sobre o verdadeiro conteúdo do galeão permanecem apesar da sua recente descoberta. Tudo porque, apesar de já terem sido publicadas algumas imagens do interior, ainda não foram dadas muitas informações nem sobre o possível tesouro, nem sobre a localização onde foi encontrada a embarcação. O presidente da Colômbia classificou esta matéria como “segredo de Estado”.