O momento de fraqueza do setor bancário é uma das vulnerabilidades portuguesas apontadas no relatório de avaliação nacional de riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. A entrada de novos acionistas e de montantes significativos de capital, são fatores especificamente sinalizados como potenciadores de uma “conjuntura atrativa” para estratégias de branqueamento de capitais e de organizações criminosas, refere uma síntese deste documento, disponibilizada ainda pelo anterior governo.

“Algumas instituições em situações de maior debilidade financeira tornam-se bastante permeáveis à entrada de novos acionistas que permitam, através de significativas entradas de capital, ajudar a combater a difícil situação em que se encontram.

Esta conjuntura pode revelar-se assaz atrativa, no quadro de estratégias de BC (branqueamento de capitais) de organizações criminosas, na medida em que lhes pode inclusivamente permitir exercer um certo nível de controlo da própria instituição financeira objeto da entrada de capital”.

A crise e o programa de ajustamento, com exigências crescentes de capital, pressionaram o setor bancário em Portugal a procurar novos investidores. Neste momento, há pelo menos duas instituições, o Banif e o Novo Banco, que procuram novo capital e acionistas privados.

No caso do Banif, o objetivo é o de sinalizar a entrada de novos investidores (que substituam o Estado) até ao final do ano, antes de entrarem em vigor as novas regras de resolução bancária, segundo as quais os grandes depositantes poderão vir a ser chamados a assumir os custos de recapitalização (bail-in). O banco liderado por Jorge Tomé procura, há mais de um ano, investidores que substituam o Estado no capital, depois da ajuda pública de 1.100 milhões de euros. No caso do Novo Banco, o processo de venda pode ser relançado ainda este ano, depois de uma primeira tentativa falhada em 2015.

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A avaliação dos riscos de lavagem de dinheiro em Portugal põem, assim, no topo da lista de vulnerabilidades do setor bancário a titularidade e a necessidade de financiamento.

O documento lembra que a pressão sobre as instituições bancárias, carentes de um maior nível de liquidez, “aumenta necessariamente o risco de abrandamento dos procedimentos de identificação, indispensáveis para apurar a ilegalidade e legitimidade dos fundos aplicados por clientes/investidores”.

E até as medidas dos bancos para desalavancar o balanço e reforçar a solidez resultam num aumento dos riscos. Uma política de concessão de crédito bancário fortemente restritiva empurra os agentes económicos para modelos de financiamento alternativos, “utilizando critérios porventura menos exigentes e mais vulneráveis à entrada de capitais de origem ilícita”.

Esta foi a primeira avaliação nacional dos riscos (ANR) de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo desenvolvida para responder a uma recomendação do Grupo de Ação Financeira (GAFI) já de 2012, segundo a qual os países devem identificar e avaliar os riscos a que estão expostos e prever medidas para os atenuar.

O relatório síntese de julho de 2015 foi o último documento oficial divulgado no site do portal do XX Governo, da coligação PSD-CDS. E propõe alterações legislativas, designadamente ao nível do código penal em que defende que o alargamento dos crimes subjacentes ao branqueamento de capital a todos que tenham uma prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a um ano.

Restrições à circulação de dinheiro e títulos ao portador

É ainda proposta a restrição da circulação de numerário, bem como o uso de títulos financeiros ao portador. Recomenda-se, igualmente, a avaliação de eventuais medidas legislativas para reduzir os riscos associados a organizações sem fins lucrativos, como associações, fundações e cooperativas.

As organizações sem fins lucrativos são outra das vulnerabilidades evidenciadas no relatório, uma vez que são instituições que não estão sujeitas a obrigações em matéria de prevenção e controlo do branqueamento de capitais. Não obstante, representam um factor de risco devido à sua eventual utilização abusiva para fins de branqueamento, e sobretudo, de financiamento do terrorismo.

Nessa medida, sugere-se a introdução de regras de identificação obrigatória de doadores e beneficiários, bem como de conservação de documentos e de garantia de idoneidade dos seus responsáveis.

Corrupção por trás de apenas 3% das suspeitas comunicadas

Fora do setor financeiro, as atividades imobiliárias e o comércio de bens de alto valor unitário (carros, jóias, barcos), estão, também, no radar dos riscos de lavagem de dinheiro por permitirem pagamentos em numerário, bem como o jogo online.

A criminalidade informática (burla) é uma ameaça de risco médio, que tem vindo a intensificar-se com o aumento significativo dos crimes neste meio.

O principal crime por trás dos processos de branqueamento de capitais investigados em Portugal é a fraude e burla fiscal, que apresentam um risco alto e são responsáveis por 60% das comunicações de operações suspeitas que foram entretanto confirmadas em 2012 e 2013.

Apesar de a corrupção ser um crime típico subjacente ao branqueamento de capitais, apenas 3% das comunicações confirmadas apresentam alguma relação com este crime. Na sequência dos alertas, houve em 2013 dois casos de fundos de antigos funcionários estrangeiros bloqueados por suspeitas de corrupção.

As operações de maior risco em matéria de branqueamento de capitais:

  • Operações em numerário, sobretudo quando realizadas em instituições de pagamento;
  • Carrossel do IVA no domínio da fraude fiscal;
  • Utilização de contas de particulares para passagens de dinheiro;
  • Utilização da banca eletrónica;
  • Contas abertas por não residentes, sobretudo em zonas fronteiriças;
  • Contas abertas em representação de clientes na Zona Franca da Madeira;
  • Utilização de sucursais de instituições de crédito em centros offshore.