Pequim voltou hoje a acordar sob uma espessa nuvem de poluição, fazendo prever nova semana com “péssima” qualidade do ar na capital chinesa, que teve apenas cinco dias com sol no mês passado e está sob alerta máximo.

A densidade das partículas PM 2.5 – as mais finas e suscetíveis de se infiltrarem nos pulmões – supera os 300 microgramas por metro cúbico, 12 vezes mais do que o máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde.

As autoridades locais colocaram a cidade em alerta vermelho – o mais alto – numa decisão inédita. Os infantários e as escolas de ensino básico e médio suspenderam as aulas, enquanto as empresas foram aconselhadas a adotar “um sistema de trabalho flexível”. Nos próximos três dias, os automóveis irão circular alternadamente, de acordo com o último número da matrícula: um dia pares, noutro ímpares.

“Os especialistas apontam que a China, para reverter a situação desastrosa em que se encontra, precisará de 15 a 20 anos”, disse à Lusa um consultor português na área do ambiente, Renato Roldão, radicado em Pequim desde 2008.

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Especialista em alterações climáticas, Renato Roldão, 36 anos, é o único europeu do escritório de Pequim da Inner City Fund (ICF) International, consultora norte-americana a quem foi adjudicado um projeto de assistência técnica ao desenho e implementação do comércio de emissões de carbono da China. As persistentes vagas de poluição que assolam grande parte do norte do país coincidem com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21), a decorrer até 11 de dezembro, em Paris, e na qual aquele consultor participa.

Ministros e altos responsáveis de cerca de 200 países estão esta semana na capital francesa para concertar os pontos mais importantes de um texto que se deverá converter na sexta-feira num histórico acordo global. Em Paris, a China defende a diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, com os primeiros a assumir “mais responsabilidades partilhadas” no objetivo de limitar a subida da temperatura média do planeta.

Estima-se que o país asiático tenha libertado entre nove e dez mil milhões de toneladas de CO2 em 2013, quase o dobro dos Estados Unidos da América e cerca de duas vezes e meia mais do que a União Europeia.

Para Renato Roldão, o problema “neste momento, não é técnico”, mas mais de “decisão política”. Cerca de dois terços da energia consumida na China assentam no carvão, apesar de o país ser o maior investidor em energias renováveis entre as nações em desenvolvimento – 89 mil milhões de dólares, só em 2014. Mas, “uma coisa é a instalação, outra coisa é a utilização”, lembra o consultor português.

“A China tem um problema muito grave neste momento: o sistema elétrico é regulado, e o sistema de injeção das renováveis na rede não é baseado em ordem de mérito”, aponta. Ao contrário da Europa – explicou o técnico português – a China carece de um sistema de consumo de energia que cobre um valor adicional a quem consome energia produzida a partir de combustíveis fósseis.

A opinião pública, até há poucos anos “pouco atenta” às questões ambientais, passou também a ser mais exigente: “As pessoas não gostam de viver nesta situação”, afirma Renato Roldão, que em 2002 esteve em Pequim pela primeira vez. Nessa altura, “o ar era bem mais poluído; a diferença é que não se faziam medições”.

Hoje, os governos de mais de 400 cidades e municípios chineses avaliam a densidade de PM2.5 e divulgam os resultados de hora a hora. Mas, para reduzir as emissões, o “gigante” asiático “terá de fazer um sistema de comércio de carbono, criar uma taxa de carbono, renovar o tecido industrial, elaborar uma nova política de transportes e ter cuidado com o processo de urbanização”, inumera Renato Roldão. “É uma escala completamente diferente”, conclui.