Ouvir as justificações de José Sócrates sobre a origem dos seus rendimentos desde que saiu do governo em junho de 2011 é ouvir uma espécie de disco riscado – ou ver um vídeo com o botão da repetição ligado – de permanente vitimização. Mas é também possível constatar que as versões são, em momentos cruciais, contraditórias ou conhecem uma evolução consoante as notícias que vão sendo publicadas na comunicação social.

As somas que diz terem sido doadas ou emprestadas para financiar a sua estada em Paris e os seus gastos diários também sofreram várias evoluções: de um montante original de 120 mil euros admitidos em 2013 passamos para um total de cerca de um milhão de euros na entrevista à TVI.

Estas são as conclusões que se podem retirar do cruzamento da entrevista dada por Sócrates esta semana à TVI com as entrevistas mais importantes que o ex-primeiro-ministro concedeu desde regressou à vida pública, em março de 2013.

“O Fim do Silêncio” (RTP), 27/3/2013 – O empréstimo da Caixa para viver em Paris

Foi a 27 de março de 2013, numa entrevista aos jornalistas Vítor Gonçalves e Paulo Ferreira da RTP, que José Sócrates rompeu o silêncio a que se tinha remetido desde a tomada de posse do governo de Passos Coelho a 21 de junho de 2011. A entrevista servia para lançar o espaço de comentário de Sócrates na RTP mas tinha igualmente o objetivo editorial de ouvir, pela primeira vez, a versão do ex-primeiro-ministro sobre a vinda da troika, numa altura em que grande parte da opinião pública culpava-o diretamente pela política de austeridade que o país tinha sido obrigado a seguir. O objetivo era contrariar a narrativa da coligação PSD/CDS de que o seu governo foi o responsável pelo resgate e começar a preparar terreno para uma possível candidatura presidencial.

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Ao mesmo tempo, o Correio da Manhã e o Expresso já tinham escrito várias notícias sobre o nível de vida que José Sócrates tinha em Paris e a aparente ausência de rendimentos oficias para financiar tais gastos.

Foi na parte final desta entrevista, eminentemente política, que abordou pela primeira vez a ida para Paris. O que disse Sócrates de relevante para a Operação Marquês?

  • Desmentiu ter uma vida de luxo em Paris ou algum comportamento suspeito:

(…) estou a defender-me por que esse jornal [Correio da Manhã] fez-me uma campanha verdadeiramente ignóbil, pretendendo, em primeiro lugar, afirmar que eu estaria a viver uma vida de luxo, o que é perfeitamente mentira, e, em segundo lugar, que há algum comportamento suspeito…

  • Afirma que pediu um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos [não revelou valor mas já se sabia que era de 120 mil euros] para financiar a sua estada em Paris durante um ano/ano e meio. Isto é, entre setembro de 2011 e março de 2013;

A primeira coisa que fiz quando saí de primeiro-ministro foi pedir um empréstimo ao meu banco para ir viver um ano para Paris sem nenhuma responsabilidade ao nível profissional. Fiz esse ano… ano e meio… e agora recomecei a trabalhar”

  • Diz que voltou a trabalhar recentemente. Isto é, deixa subentendido que já tinha um salário para financiar o seu modo de vida em Lisboa e em Paris. Facto que já era do conhecimento da opinião pública devido a notícias do Correio da Manhã e do jornal i.

E o que não disse?

  • Não falou em qualquer doação feita pela mãe para financiar a sua estada em Paris, como fez esta terça-feira na TVI quando revelou o valor de 400 mil euros
  • Não falou dos empréstimos de Carlos Santos Silva – empresário que só ficou conhecido da opinião pública com a Operação Marquês.

É também nesta entrevista que José Sócrates explica, pela primeira vez, como surgiu a ideia de ir estudar para Paris – numa narrativa que irá repetir-se até aos dias de hoje, até com palavras e expressões muito semelhantes.

Quando perdi as eleições achei este era o momento para viver um sonho de há muito tempo: cumprir um ano sabático, viver no estrangeiro e estudar. E, por outro lado, achei também que era a altura de recuperar alguma ligação com os meus filhos, com a minha família, foram muitos anos… queria recuperar o tempo perdido. E foi isso que eu fiz”.

A explicação para o escrutínio jornalístico e político sobre a origem dos seus rendimentos repetiu o padrão que sempre caracterizou o político José Sócrates desde o tempo em que se tornou uma figura política nacional como secretário de Estado do Ambiente do primeiro governo de António Guterres (1995/1999): “uma campanha ignóbil”. E ataca a Justiça, um dos alvos constantes da sua ação política desde 2005, por nada fazer.

O que eu quero dizer é que essas campanhas são ignóbeis e que alguma dessa imprensa vive muito uma certa impunidade com que o mundo da justiça trata essas campanhas, não defendendo os cidadãos. Este tipo de campanhas também existe no estrangeiro mas o que acontece é que lá são tratados como lixo, enquanto que aqui são tratadas com alguma consideração”

https://youtu.be/du2pj-2P-z8?t=1h26m20s

Expresso, 19/10/2013 – “Sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter”

José Sócrates inicia uma espécie de tournée de divulgação do seu livro “Confiança no Mundo – Sobre a Tortura em Democracia”. O Expresso consegue o exclusivo da primeira entrevista e a conversa com a jornalista Clara Ferreira Alves é publicada quatro dias antes da obra, que resulta da dissertação de mestrado apresentada em Science Po, ser apresentada em Lisboa por Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, e por Mário Soares.

Uma tournée de cuja eficácia o próprio Sócrates duvida, pois, segundo o Ministério Público, terá descoberto através das escutas telefónicas realizadas durante a Operação Marquês, o ex-primeiro-ministro terá organizado, com o financiamento do empresário da Covilhã, uma espécie de compra em massa de milhares de cópias da obra. Fazendo com que o livro chegasse a número 1 do top de não ficção de várias cadeias nacionais de livrarias.

Três informações importantes para contextualizar o leitor no tempo:

  • Neste momento, José Sócrates e o seu amigo Carlos Santos Silva já estavam sob escuta e vigiados no âmbito da Operação Marquês
  • Sócrates trabalhava para a Octapharma desde o início de 2013
  • O ex-primeiro-ministro tinha completado os dois anos de mestrado em Teoria Política em Science Po (os chamados M1 e M2), tendo direito ao diploma após a relização de um exame de inglês em Lisboa para certificar os seus conhecimentos avançados em língua inglesa. No início de outubro de 2013, dias antes da publicação da entrevista, tinha sido aceite no doutoramento em Science Po.

Quais as novidades face à entrevista da RTP em março? Comecemos precisamente pelas semelhanças – que são muitas e quase palavra por palavra. Porque foi para estudar para Paris?

“Quando perdi as eleições, telefonei à minha gerente de conta e pedi um empréstimo de 120 mil euros ao banco. Um ano sem nenhuma responsabilidade e levando um filho comigo. Gastei o dinheiro todo. Assim, fui para Paris, em vez de, mais uma vez, pedir dinheiro emprestado à minha mãe

E deixa implícito que o salário que recebe da Octapharma que, nesta altura, se situava em cerca de 12.500 euros mensais, financia o seu estilo de vida.

Estou como o George Harrison [um dos membros da banda inglesa The Beatles]: a felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós. Agora falam menos de mim. Sempre fui um bocado anguloso, não tenho um feitio redondo. (…) Fui o primeiro-ministro a acabar com a lei que dava a um primeiro-ministro com mais de quatro anos de cargo uma pensão vitalícia. Não recebo pensão. Não recebo nada do Estado português. Por isso trabalho para uma empresa privada. Recebi muitos convites e só aceitei o desta empresa, uma empresa suíça, porque fui convidado para trabalhar na América Latina. Não em Portugal. Precisava de um emprego

José Sócrates continua esconder da opinião pública a existência do seu amigo Carlos Santos Silva, o empresário da Covilhã que, segundo Sócrates, ter-lhe-á emprestado uma quantia indeterminada de dinheiro em numerário desde 2013.

E continua a dizer que viveu em Paris com o financiamento da Caixa Geral de Depósitos mas que gastou os 120 mil euros (montante total do crédito) no final de 2012. Na entrevista à RTP, que aconteceu em março de 2013, não referiu esse pormenor importante.

Sócrates faz questão de dizer que não pediu dinheiro emprestado à mãe. Aliás, é essa a grande diferença face às entrevistas desta semana já que Sócrates diz agora que pediu 400 mil euros à mãe – que lhe doou esse valor. Uma contradição importante.

Na entrevista ao Expresso, José Sócrates utiliza, pela última vez, uma narrativa que os seus apaniguados sempre divulgaram junto da comunicação social como justificação para os sinais exteriores de riqueza de Sócrates desde o momento em que, nos anos 90, comprou um andar num dos prédios mais caros da altura em Lisboa (o Heron Castilho, na rua Brancaamp, a 100 metros do Marquês do Pombal): a herança que a mãe Maria Adelaide Monteiro recebeu do avô que fez fortuna com o volfrâmio.

A fortuna e mentalidade de milionário está patente na narrativa (a moradia da mãe em Cascais ou o motorista da mãe) e até nas justificações para a Maria Adelaide comprar igualmente um andar no Heron Castilho por 50 mil contos (cerca de 225 mil euros em 1998), sendo vizinha do filho José: a morte de um cão.

Comprei a minha casa no Heron Castilho, onde moro. A minha mãe vivia em Cascais, numa moradia, e quando o cão dela morreu, sentiu-se sozinha e veio viver para Lisboa. Vendeu a casa de Cascais e comprou o andar por cima de mim. O 4.ºandar, que estava à venda. Combinou-se com o proprietário comprar o andar e, quando a minha mãe foi fechar a escritura, viu que a senhora que vendia, acho que era estrangeira ou ligada ao estrangeiro, tinha a casa numa propriedade offshore. Que culpa tem a minha mãe? (…) Desde que saí de primeiro-ministro, nunca tive guarda-costas ou seguranças. Tenho o motorista da minha mãe

A origem da riqueza da mãe.

(…) A minha mãe estava habituada a outro conforto. A minha mãe era filha de um tipo rico na altura, uma fortuna do volfrâmio. Quando o meu avô morreu, a minha mãe herdou uma fortuna, muitos prédios, andares, que ainda hoje ela não sabe o que fazer com que eles, quem tratava disso era o meu irmão. Conseguiu vender dois andares em Queluz que estavam ocupados… O meu avô, pai da minha mãe, que nunca conheci bem, nunca esteve de acordo com o casamento [com o pai de José Sócrates] (…)”

E as conspirações contra si – uma constante em todas as entrevistas de José Sócrates. Todos os casos judiciais e não judiciais que existem têm uma origem política, são automaticamente catalogados ataques pessoais e têm sempre o mesmo objetivo: impedi-lo de ganhar eleições.

“E o processo Face Oculta? E as escutas [que estiveram na origem de diversas certidões para investigações criminais contra Sócrates mas que foram destruídas pelo então procurador-geral Pinto Monteiro e pelo conselheiro Noronha de Nascimento]? E a acusação, pela Presidência da República, de que o governo mandou escutar Belém?”, pergunta Clara Ferreira Alves.

Vamos pôr isso em perspetiva. O caso Freeport é de 2009, para dar cabo de mim e impedir-me de ganhar as eleições. Dura de janeiro a junho, e em junho, percebe-se de que não há nada. Nem cá nem no Serious Fraud Office [organismo governamental britânico que investigou o alegado pagamento de luvas pela empresa inglesa dona do Freeport]. Em junho, lançam as campanhas das escutas: ‘o primeiro-ministro está escutar o Presidente da República’. Foi pensado por um assessor do Presidente [Fernando Lima] e, infelizmente, o senhor Presidente nunca desmentiu a noticia. Não posso acreditar que ele tenha sido cúmplice numa operação para dar cabo de um governo legítimo. Foi uma conspiração da direita política com ligações à Casa Civil do PR para me impedirem de ganhar as eleições de 2009. Uma acusação ridícula. Ganhei!”

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Herman José 2013 (RTP) – 19/11/2013 – Arroz de lampreia com um carro, uma casa e uma conta bancária

Um mês mais tarde, José Sócrates regressa às entrevistas televisivas no contexto do sucesso do seu livro mas também da cada vez mais falada hipótese de ser candidato presidencial. É por aí que começa a entrevista com Sócrates a disfarçar mal esse seu objetivo político que os seus fiéis iam alimentando em conversas com jornalistas.

O humorista, que o tinha comparado ao arroz de lampreia na introdução da entrevista, dispara a pergunta inevitável: “Hoje qual é a sua fonte de rendimento? Como é que sobrevive?”.

Palavra a Sócrates.

Eu tenho… Como sabe, sou consultor de uma empresa farmacêutica suíça…
Assim que saí de primeiro-ministro, decidi passar um ano em Paris, num período sabático, cumprindo assim um sonho de adolescência. Sempre quis passar um ano a estudar no estrangeiro. E assim fiz. No fim desse ano, decidi aceitar o convite dessa farmacêutica, uma multinacional. Porque tinha duas características importantes: a ajuda que me pediam era de aconselhamento e, em segundo lugar, seria na América Latina.

Herman insiste: “Faço essas perguntas para dar armas às muitas pessoas que gostam de si e que fazem essas perguntas. Sobre aquela ida para França, especulou-se tudo: está cheio de dinheiro”.

Sócrates responde:

Quando perdi as eleições, eu sabia que ia perder, comecei a pensar no que ia fazer a seguir ao momento em que sairia de primeiro-ministro. E achei que estava no momento de fazer aquilo que há muito ambicionava: estudar. Sem responsabilidades e dar um ano a mim próprio. E ao mesmo tempo recuperar tempo com a minha família e faze-lo no estrangeiro. E a primeira coisa que diz, como disse nessa entrevista na RTP, foi pedir um empréstimo ao meu banco de 120 mil euros para ir estudar para Paris e, durante um ano, não ter nenhuma responsabilidade, além de estar com os meus filhos e dedicar-me ao estudo”

E lança a sua frase-título que pretende que fique no ouvido do telespetador:

Sabe, eu entrei na politica com uma casa, um carro e uma conta bancária. E saí da politica com uma casa, um carro e uma conta bancária

Sem, claro, deixar de realçar que todos os casos e notícias que visam escrutinar a origem dos seus rendimentos têm a mesma explicação de sempre: o ataque pessoal.

É claro que eu acho que, durante muito tempo, certa gente pensou que só podia vencer-me, atacando o meu caráter”

Mas agora com uma nova causa. Herman José ajuda o convidado ao afirmar que “nunca vi ninguém ter tanta campanha organizada sobre vida privada, sobre os dinheiros, sobre a família…” e Sócrates aproveita a deixa e explica a sua nova explicação para os ataques pessoais:

Uma certa direita nunca me perdoou o facto de ter tido uma maioria absoluta em 2005 e atacar-me pessoalmente”.

Alta Definição (SIC) – “As pessoas devem ser julgadas quando cometem crimes”

Dias antes tinha estado noutro programa de entretenimento, o “Alta Definição” de Daniel Oliveira na SIC. Entrevistado numa sala da Fundação Mário Soares, devidamente enquadrado com o Parlamento como pano de fundo, Sócrates discorreu, num tom intimista e manso, sobre as sucessivas perseguições de que era alvo com os dois adversário do costume bem identificados: a direita e a comunicação social.

O que lamento é que, ao longo da minha vida política, particularmente nos últimos anos, tenha sofrido tantos ataques pessoais. Aqueles que acham que a politica deve ser transformada em ataques pessoais, cometem um erro. O ataque pessoal é a arma dos cobardes. O ataque pessoal, aplicado na política, tem consequências pessoais” e “isso prejudicou a nossa vida política. Senti em muitos momentos que eram ataques desesperados de quem não me podia vencer politicamente (…) Ainda por cima na sociedade em que vivemos, onde o jornalismo e as publicações pretendem avaliar através do ‘buraco da fechadura’ porque, mais uma vez, as regras de concorrência não têm limites. E depois confunde-se isso com a liberdade – ainda por cima invocam a liberdade, veja só. Quando o que eles querem é ganhar mais dinheiro, ter mais audiência, vender papel! A separação entre o público e o privado e o direito à privacidade está posto em causa”

O ex-primeiro-ministro dá mesmo o exemplo da campanha das legislativas de 2009, em que a sua adversária Manuela Ferreira Leite (PSD) prometia uma política de verdade, como bom um exemplo de um ataque pessoal.

Sabe que houve uma altura que um partido político se apelidou de partido da verdade só para me ofender e para por a política a um nível muito baixo. A política é o reino da opinião e aqueles que são democratas têm que respeitar as opiniões contrárias”.

E o que faz José Sócrates?

Sempre respeitei os meus adversários políticos. Eu sei bem que a política é o reino do compromisso com o exercício da tolerância. É preciso respeitar quem é nosso adversário politico. É assim que defendemos e honramos a democracia. Infelizmente, alguns dos meus adversários políticos esqueceram-se disso porque acham que a política é uma atividade onde vale tudo. Não, não vale tudo. E não têm sucesso, esses que andam por aí.”

“E tem rancor?”, pergunta Daniel Oliveira

Não, não tenho rancores. Porque que haveria de ter? O rancor torna uma pessoa infeliz”

Além de não ser uma pessoa infeliz, José Sócrates também não é um político qualquer. É um duro, como se viu quando recusou a pulseira eletrónica no verão e de ficar no Estabelecimento Prisional de Évora mais uns meses.

É preciso ter a pele dura. Sabe, eu não sou dos que me vou abaixo facilmente. Nós vamos descobrindo ao longo da nossa vida que somos mais resistentes do que julgávamos (…) Não fiz nenhum retiro espiritual nem pratico yoga. Apenas enfrentei as coisas que tinha de enfrentar porque entendi que esse era o meu dever”

Na altura, em novembro de 2013, existia algum debate público sobre se os políticos deviam ser julgados pelas opções políticas que tomam quando as mesmas são prejudiciais para o país em termos económicos. O entrevistador ouviu a opinião de Sócrates. “Entende que os políticos devem ser julgados pelo seu mandato?”. Aqui fica a resposta:

Temos um regime de separação de poderes. O mundo da política é da política, o mundo da opinião é o mundo da opinião. Não posso estar de estar de acordo. As pessoas devem ser julgadas quando cometem crimes. Crimes. E não quando mudam de opinião”

Entrevista Telejornal (RTP) (30/6/2014) – “Eu nada tenho a ver com a vida empresarial de Carlos Santos Silva”

José Sócrates é surpreendido com a capa da revista Sábado: o Ministério Público está a investigar o ex-primeiro-ministro no caso Monte Branco e as autoridades estão a ponderar a sua detenção. É a primeira vez que Carlos Santos Silva aparece criminalmente associado a José Sócrates por ter comprado as casas da mãe Maria Adelaide Monteiro.

A Procuradoria-Geral da República emite um comunicado desmentindo a informação e Sócrates aproveita a oportunidade para ir ao Telejornal.

Sabemos hoje que a notícia foi muito mal recebida pela investigação da Operação Marquês porque, apesar de errar no processo que envolvia Sócrates, acabou por constituir um alerta para o ex-líder do PS e para Carlos Santos Silva de que algo se poderia esta a passar.

Um pormenor importante: Uma semana antes, Ricardo Salgado tinha sido detido para interrogatório e constituído arguido por suspeitas de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais no caso Monte Branco.

A entrevista a José Rodrigues do Santos fica marcada pela frase: “Eu nunca tive capitais no estrangeiro, nunca, sempre vivi do meu trabalho” mas também pela defesa que faz de Carlos Santos Silva – dizendo mesmo que nada tinha a ver com a vida empresarial do amigo, sem nunca mencionar os empréstimos que Santos Silva terá feito.

Comecemos precisamente por aqui. Confrontado por Rodrigues dos Santos com o facto da Sábado afirmar que “um primo seu [José Paulo Pinto de Sousa] e um empresário seu amigo [Carlos Santos Silva]” estavam ligados ao caso Monte Branco, Sócrates responde:

Vamos lá ver, eu tenho muitos amigos. E esse amigo que é referido na notícia [Carlos Santos Silva] é meu amigo de infância com cuja vida empresarial não nada tenho a ver. A mesma coisa com a minha família. Mas a minha família não faz tráfico de capitais nem movimenta largas somas como está referenciado no caso Monte Branco”

Mais à frente, a propósito de Sócrates afirmar que não conhece a Akoya, a empresa suíça de gestora de fortunas, que está no centro do caso Monte Branco, segue-se o seguinte dialogo:

José Rodrigues dos Santos (JRS): “A revista Sábado diz que o seu amigo empresário conhece…”

José Sócrates (JS): “Desculpe… eu não estou em condições de confirmar isso …”

JRS: “Não leu a notícia?”

JS: “Não só não li como não é legítimo que o Rodrigues dos Santos invoque isso como se fosse verdadeiro. Duvido muito que o seja”

JRS: “Eu não estou a dizer que é verdadeiro. O senhor é que falou da empresa [Akoya] e a revista diz que o seu amigo conhece a empresa”.

JS: “Isso terá de perguntar ao meu amigo. Mas eu tenho a certeza que os meus amigos não são criminosos”

O resto da entrevista consistiu na habitual estratégia comunicacional de vitimização de José Sócrates. “Canalhice”, “difamação”, “campanha” e “absurdo” foram as palavras mais repetidas pelo ex-primeiro-ministro.

O caso é suficientemente grave para que os portugueses percebam, de uma vez por todas, como é que estas campanhas de difamação são montadas. Isto é uma verdadeira canalhice. A notícia foi desmentida pelo Ministério Público no mesmo momento em que as televisões a davam. A ideia de que eu posso ser suspeito no caso Monte Branco, que tem a ver com a transferência de capitais para o estrangeiro com o objetivo de os ocultar, é absolutamente absurda. Pela simples razão de que eu não tenho contas no estrangeiro, nunca tive. Eu não tenho capitais para movimentar… Para ocultar capitais, é preciso ter capitais. Ora eu não nunca tive capitais. Sempre vivi do meu trabalho

E Ricardo Salgado, detido uma semana antes, estava bem presente no discurso de Sócrates.

Repare na forma com se constroem estas campanhas de difamação. Porque o único objetivo desta notícia é criminosa. Porque admitamos que, por absurdo, a notícia é verdadeira. Se isso acontecesse, seria profundamente injusto. Porque eu não tenho contas no estrangeiro não conheço ninguém que já foi associado ao caso Monte Branco. Isto é uma canalhice que visa difamar-me e colocar-me no mesmo quadro que Ricardo Salgado. A notícia pretende associar-me a Ricardo Salgado e a outros que eventualmente estão a ser investigados. Isto é uma campanha que ultrapassa todos os limites da difamação e daquilo que são os critérios que devem pautar o jornalismo, que é o respeito pelos leitores com informações que sejam verdadeiros – e não falsidades como estas. Isto são campanhas montadas com métodos que fazem lembrar outras profissões que não o jornalismo”

E, claro, a objetivo político de mais uma noticia contra si volta a estar presente – curiosamente, com uma designação que acaba por insinuar que a Justiça está a visar o Partido Socialista – e não José Sócrates. Curiosamente, a estratégia repete-se hoje.

Isto acontece só para meterem agora um socialista qualquer no caso Monte Branco. Lamento imenso. Eu não tenho nada a ver com isso”.

Referindo-se a todos os casos que o envolvem afirmou:

“Nunca fui suspeito, nunca fui acusado, muito menos, nem nunca fui interrogado”

Entrevista José Sócrates na TVI (16/12/2015 e 17/12/2015)

E chegamos a esta semana. Muita coisa mudou, a começar pelo contexto:

  • José Sócrates foi preso por suspeitas da prática dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais e esteve detido no Estabelecimento Prisional de Évora entre novembro de 2014 e 4 de setembro de 2015;
  • Ministério Público imputa-lhe a propriedade de cerca de 23 milhões de euros e de uma casa em Paris em nome do seu amigo Carlos Santos Silva – apresentado com um testa-de-ferro de Sócrates;
  • Sócrates toma consciência que esteve sob escuta telefónica desde o verão de 2013;
  • MP imputa a Carlos Santos Silva, direta e indiretamente 40 entregas de dinheiro vivo a José Sócrates no total de cerca de quase 700 mil euros – sendo certo que Santos Silva terá levantado mais de 1,1 milhões de euros em numerário das suas contas no BES desde 2011 até novembro de 2014;
  • No seu primeiro interrogatório, José Sócrates nega que o dinheiro de Santos Silva seja seu e explica as entregas de dinheiro com empréstimos. Mais tarde os seus advogados explicam publicamente que Sócrates não confiava no sistema bancário.

O que disse José Sócrates de diferente na TVI face às entrevistas que concedeu desde março de 2013?

  • Mudou a versão sobre o dinheiro que permitiu viver em Paris desde setembro de 2011 a novembro de 2014.

Decidi ir estudar para Paris logo a seguir a deixar de ser primeiro-ministro. Pensei para mim próprio: ‘Este é o momento’. Como a minha mãe já tinha decidido vender a sua casa, avancei para essa venda. Como eu sabia que Carlos Santos Silva estava interessado em investir no mercado imobiliário, perguntei-lhe: ‘ queres comprar a casa?’. E ele decidiu comprar. Perguntei à minha mãe que dinheiro me podia dar. E ela deu-me uma parte: cerca de 400 mil euros. Foi esse dinheiro que me permitiu viver em Paris. Esse dinheiro foi-me dado pela minha mãe

Entrou também em contradição com o que disse ao Expresso: de que não tinha pedido dinheiro à mãe.

  • E que, apesar do empréstimo de 120 mil euros da Caixa Geral de Depósitos, da doação da mãe de 400 mil euros da mãe, de mais quatro empréstimos da Caixa (que totalizarão cerca de 170 mil euros e que foram revelados pela revista Visão), dos 25 mil euros mensais que recebia das empresas de Paulo Lalanda de Castro (12500 euros da Octapharma + 12500 euros da Dynamicspharma, outra empresa de Lalanda Castro), mesmo assim ainda precisou de pedir dinheiro emprestado a Carlos Santos Silva;

A partir de 2013 comecei a trabalhar e comecei a ganhar dinheiro, e ganhava razoavelmente, mas a verdade é que o meu filho mais novo ainda estava em Paris e eu estava em Lisboa e as minhas despesas cresceram muito em 2013. Apesar de já estar a trabalhar, recorri em 2013 a empréstimos do meu amigo Carlos Santos Silva. Falei disso com ele e planeava hipotecar de novo a minha casa mas ele disse-me que isso não era necessário porque tinha meios que me podia emprestar para que eu pudesse pagar mais tarde”

  • Que já pagou 250 mil euros a Santos Silva;

Estava preso em Évora e vendi a minha casa em Lisboa e paguei-lhe, para já, 250 mil euros e vou pagar-lhe o restante.

  • Mas que a dívida total, que nunca refere o valor, apenas será paga após esclarecer com Santos Silva (com quem está proibido de contactar) se o valor do funeral do irmão António (no valor de 12000 euros e que foi pago pelo amigo empresário) entra na dívida.

“Eu não aceitei ser ajudado por um empresário. Aceitei ser ajudado por um amigo com quem tenho uma relação fraternal. Não por um empresário! As contas ainda não estão completamente saldadas. Mas tenho que falar com ele sobre o seguinte… O meu amigo Carlos Santos Silva aceitou pagar o funeral do meu irmão [António Pinto Sousa]. Eu preciso de saber se ponho isso, ou não, nas contas”

O que manteve Sócrates face a outras entrevistas? A vitimização que o caracteriza desde 1995.

Como é que explica a Operação Marquês? Da seguinte forma:

. “perseguição do Ministério Público”;

. “tenho a suspeita que este processo foi feito para prejudicar-me e que visa prejudicar o PS”;

. “o ódio pessoal que a direita tentou criar contra mim”;

. “o ódio que o Correio da Manhã tentou criar contra mim com as histórias sobre a casa de Paris e de ter uma vida faustosa em Paris”;

. “Isto é uma questão pavloviana. Não estou a ver outra motivação”.